Implicações e Tratamento

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1 Implicações e Tratamento Dra. Sharon M. Moe - Médica Professora Adjunta de Medicina Escola de Medicina da Universidade de Indiana Diretora de Nefrologia Wishard Memorial Hospital Indianapolis, Indiana

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4 Sumário Prólogo do Editor... 5 Pontos de destaque... 6 Introdução... 7 Hiperfosfatemia - Patogênese na insuficiência renal... 8 Regulação normal dos níveis séricos de cálcio e fósforo... 8 A insuficiência renal crônica é acompanhada pela regulação anormal do fósforo Hiperfosfatemia - Efeitos na homeostase do cálcio, do hormônio da paratireóide (PTH) e da vitamina D..10 Hiperfosfatemia e o hiperparatireoidismo secundário Hiperfosfatemia e sobrecarga de cálcio Controle inadequado do fósforo nos pacientes em diálise - Riscos e complicações O controle inadequado do fósforo aumenta o risco de mortalidade Metodologia Características dos pacientes Predominância da hiperfosfatemia na população em diálise Fatores associados com o aumento do risco de mortalidade relativo Aumento do risco de doença coronariana e morte cardíaca Resumo O controle inadequado do fósforo promove a calcificação Calcificação cardiovascular Calcifilaxia (arteriolopatia urêmica calcífica) Outras calcificações de tecidos moles O controle inadequado do fósforo leva ao hiperparatireoidismo secundário e à osteodistrofia renal Doença óssea de turnover alto Doença óssea de turnover baixo Osteomalacia e doença óssea adinâmica Resumo Controle do fósforo - Alimentação, diálise e quelantes Limitações do controle alimentar do fósforo Limitações da remoção de fósforo pela diálise Limitações dos quelantes de fósforo Quelantes que contêm alumínio Quelantes que contêm cálcio Limitações da terapia com calcitriol Desafios clínicos no controle da hiperfosfatemia Controle adequado do fósforo sérico Nutrição e ingestão de fósforo Quais são os níveis ótimos de cálcio? Novas metas de tratamento Estudo de caso: Problemas e Compensações do controle do fósforo Conclusões Referências bibliográficas

5 Prólogo do Editor A abordagem do metabolismo ósseo e mineral em pacientes com insuficiência renal mudou radicalmente nestes últimos 10 anos. Muitos trabalhos feitos por pesquisadores de destaque nos deram muitas lições que modificaram a nossa abordagem sobre a osteodistrofia renal e nos fizeram apreciar a importância do metabolismo ósseo e mineral na doença cardiovascular, que é a causa principal da morte de pacientes submetidos à diálise. Talvez um ponto-chave para este novo paradigma seja a compreensão do papel da hiperfosfatemia, não só pelo fato de causar o hiperparatireoidismo secundário, como por levar à calcificação cardiovascular e, por fim, a um aumento da mortalidade. Ao entender melhor a função da glândula paratireóide, nós percebemos a importância abrangente do fósforo e do calcitriol na regulação desta glândula, independentemente do cálcio. Agora já entendemos a necessidade de níveis adequados do hormônio paratireóide para manter o turnover normal dos ossos, assim como entendemos a importância do turnover ósseo para manter o equilíbrio de cálcio e fósforo. E, finalmente, temos outra idéia sobre a patogênese da calcificação vascular e percebemos que o produto cálcio x fósforo ideal é muito mais baixo do que aceitávamos antes como níveis toleráveis. Está claro que a nossa antiga abordagem de tratamento, que consistia em elevar os níveis séricos de cálcio e a ingestão de cálcio a fim de suprimir o hiperparatireoidismo secundário está obsoleta e pode de fato contribuir para a calcificação vascular excessiva que observamos nos pacientes com insuficiência renal. Neste novo milênio precisamos nos voltar para uma abordagem mais fisiológica centrada em manter o equilíbrio entre fósforo e cálcio, processo esse que normalmente está sujeito a uma regulação homeostática rigorosa, presente no funcionamento dos rins. Não é muito fácil conseguir manter um equilíbrio normal nos nossos pacientes. Por outro lado, o desenvolvimento de quelantes alternativos e de análogos da vitamina D menos calcemiantes pode servir para atingir um equilíbrio maior entre o cálcio e o fósforo. Resta demonstrar se isso vai ou não nos levar a uma diminuição da morbidade e da mortalidade, mas existe um lampejo de esperança que este novo paradigma de tratamento venha de fato a ser benéfico para a saúde e o bem-estar dos nossos pacientes. 5

6 Pontos de Destaque O controle inadequado do fósforo é comum na insuficiência renal e está associado com complicações graves tais como: Aumento do risco de mortalidade Doença cardiovascular e morte cardíaca - Calcificação coronariana - Distúrbios da condução e arritmias - Calcificação valvular - Fibrose do miocárdio Calcificação metastática de outros tecidos moles, inclusive pulmões, rins e articulações Hiperparatireoidismo secundário e hiperplasia da glândula paratireóide Doença óssea renal O fósforo sérico elevado, o produto cálcio x fósforo (Ca x P) elevado e a sobrecarga de cálcio estão associados com o aumento da incidência da calcificação dos tecidos moles, da calcificação cardiovascular e da doença cardiovascular em pacientes com doença renal. O fósforo sérico elevado e o produto Ca x P elevado estão associados com aumento da mortalidade em pacientes com doença renal. Até o momento, as abordagens para o controle do fósforo exigem a aderência do paciente e tiveram um sucesso apenas limitado no que se refere a proporcionar controle do fósforo. Entre estas abordagens temos: Restrição do fósforo na alimentação Diálise Terapia com quelantes de fósforo Vantagens e desvantagens das diversas classes de quelantes de fósforo: Quelantes de fósforo que contêm alumínio: bastante eficazes, mas a reconhecida toxicidade do alumínio restringiu severamente o seu uso Quelantes de fósforo que contêm cálcio: eficazes, mas contribuem para a sobrecarga de cálcio, ajudando a aumentar a incidência de hipercalcemia Quelantes de fósforo isentos de cálcio e de alumínio: eficazes sem apresentar toxicidade nem sobrecarga de cálcio O problema de tratar a hiperfosfatemia: 6 Controlar os níveis séricos de fósforo e o produto Ca x P e ao mesmo tempo manter uma nutrição adequada e evitar a sobrecarga de cálcio.

7 Introdução Somente no Brasil, aproximadamente pacientes dependem de diálise para substituir a função renal. 1 Níveis elevados de fósforo sérico >5.0 mg/dl (>1.6 mmol/l) são encontrados na maioria dessa população. Apesar dos esforços dos médicos para tratar este problema por meio de restrição alimentar, por diálise e pelo uso de agentes que se ligam com fósforo, um recente estudo americano verificou que 39% dos pacientes em diálise tinham níveis séricos de fósforo >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l). O risco de mortalidade associado com fósforo sérico >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l) foi 27% maior do que para os pacientes com níveis de fósforo sérico entre 2,4 e 6,5 mg/dl (0,8 e 2,1 mmol/l). 2 Os mecanismos exatos pelos quais a hiperfosfatemia contribui para o excesso de mortalidade dos pacientes são desconhecidos. Um fator pode ser o responsável por um nível sérico elevado do fósforo e de um produto cálcio x fósforo (Ca x P) elevado no surgimento da calcificação extra-óssea, complicação que vem sendo correlacionada a um risco cardiovascular excessivo, que inclui infarto agudo do miocárdio e parada cardíaca. A doença cardiovascular é a causa da morte de 50% de todos os pacientes em diálise. 2,3 A hiperfosfatemia também é uma causa importante do hiperparatireoidismo secundário e do conseqüente desenvolvimento de osteodistrofia renal, outra causa de morbidade significativa nesta população. Sendo assim, a prevenção e o tratamento da hiperfosfatemia são a meta principal do tratamento de pacientes em diálise. O controle dos níveis séricos de fósforo é complicado pela associação intrincada entre o fósforo e inúmeros outros fatores, entre os quais o cálcio, o hormônio paratireóide (PTH), a vitamina D e seus metabólitos, e a alimentação. Nos pacientes com função renal normal, estes fatores coexistem num equilíbrio delicado, de modo a manter a homeostase. No paciente em diálise, este equilíbrio delicado está comprometido, sendo necessário planejar cuidadosamente intervenções para controlar este aspecto do problema, sem comprometer ainda mais a homeostase. 4-6 Existem estudos retrospectivos de grande porte cujos resultados indicam que na década passada houve poucos progressos no sentido de controlar os níveis séricos de fósforo. 2 A diálise é incapaz de remover a quantidade total de fósforo ingerido numa alimentação adequada devido ao baixo efluxo de fósforo que vai do espaço intracelular para o espaço extracelular. A restrição do fósforo alimentar diminui a ingestão das proteínas vitais e não é coerente com uma nutrição adequada. Os agentes que se ligam com o fósforo são eficazes no sentido de diminuir a absorção do fósforo intestinal, mas estão associados com problemas tais como toxicidade do alumínio, hipercalcemia, calcificação extra-óssea e doença cardíaca. 4-6 Em conseqüência disso, há necessidade de novas modalidades de tratamento capazes de controlar eficazmente o fósforo sem as complicações em potencial das terapias mais antigas. 7

8 Hiperfosfatemia - Patogênese na insuficiência renal Regulação normal dos níveis séricos de cálcio e fósforo Em indivíduos com rins saudáveis, os níveis séricos normais de fósforo e cálcio se mantêm pela interação do hormônio paratireóide (PTH) com o 1,25(OH) 2 D 3 (calcitriol), que é o metabólito ativo da vitamina D 3. A função básica do PTH é manter a homeostase do cálcio. Esse hormônio age diretamente nos ossos e nos rins e indiretamente no intestino, devido aos efeitos que exerce na síntese do calcitriol, para aumentar o cálcio sérico (Figura 1). 7 As elevações dos níveis séricos de PTH aumentam a taxa de dissolução óssea e com isso mobilizam o cálcio e fósforo provenientes dos ossos, enviando-os ao plasma. O PTH também aumenta a reabsorção renal do cálcio e diminui a reabsorção tubular do fósforo. 7,8 Nos indivíduos saudáveis esse aumento dos níveis de PTH em resposta à hipocalcemia restaura efetivamente os níveis séricos de cálcio e mantém os níveis séricos de fósforo. Figura 1. Inter-relação no metabolismo do cálcio e do fósforo: resposta homeostática normal à diminuição do cálcio sérico. Observação: Os itens assinalados em verde-claro são afetados diretamente pela diminuição da função renal. Fonte: Dra. Sharon M. Moe 8 Embora a vitamina D seja em si inativa, é metabolizada no organismo na sua forma ativa, o calcitriol, que tem inúmeros efeitos importantes. A função mais importante deste composto é exercida no intestino delgado, onde regula a absorção intestinal do cálcio e, em menor grau, do fósforo. 9 Além de exercer um efeito nos níveis de cálcio, o calcitriol suprime diretamente a síntese do PTH 10 e pode ser importante para o turnover ósseo normal. A enzima 1- -hidroxilase transforma a 25(OH)-vitamina D 3 em calcitriol no rim. 11 O aumento da secreção de PTH em resposta aos níveis

9 baixos de cálcio aumenta a atividade da 1- -hidroxilase no rim, aumentando com isso os níveis séricos de calcitriol (Figura 2). A elevação do cálcio e do calcitriol séricos que resulta disso inibe a glândula paratireóide, diminuindo a secreção de PTH. Figura 2. Regulação normal da síntese do calcitriol por cálcio, fósforo e PTH. Manter o equilíbrio delicado entre os níveis de cálcio e fósforo é uma função-chave dos rins. Apesar das variações na quantidade de fósforo ingerido, os níveis séricos de fósforo são mantidos normalmente numa faixa estreita, tipicamente entre 2,5 e 4,5 mg/dl (0,8 a 1,5 mmol/l). Entre e mg (32 a 58 mmol) de fósforo são ingeridos diariamente na alimentação ocidental média. 12,13 Dessa quantidade, cerca de 30% são excretados pelo trato gastrointestinal e 70% pelos rins. 14 Os níveis séricos de cálcio também são rigorosamente controlados numa faixa estreita, em geral entre 8,5 e 10,5 mg/dl (2,1 a 2,6 mmol/l). Normalmente a ingestão alimentar de cálcio por adultos varia de 400 a mg/dia, 15 sendo a ingestão alimentar média de aproximadamente 575 mg/dia para as mulheres e 825 mg/dia para os homens. 16 Da ingestão alimentar total, apenas cerca de 25% a 45% são absorvidos. 17 A absorção fracionada do cálcio pode aumentar com a ingestão de uma alimentação de baixo teor de cálcio ou com o uso de compostos derivados da vitamina D. 18 A eliminação de cálcio depende basicamente de rins saudáveis, principal via de excreção de cálcio. 18 O intestino excreta quantidades menores de cálcio, aproximadamente 130 mg por dia. 19 Em indivíduos normais, o equilíbrio de cálcio varia com a idade. 18 De modo geral, as crianças e os adultos jovens têm um balanço de cálcio ligeiramente positivo; depois da faixa de 25 a 35 anos, quando os ossos param de crescer, o balanço de cálcio tende a ficar negativo, ou ao menos neutro. Os indivíduos normais são protegidos contra uma sobrecarga de cálcio graças à capacidade de diminuir a absorção intestinal e aumentar a excreção renal de cálcio, em resposta à ingestão excessiva. Por outro lado, quando a função renal diminui, os rins perdem a capacidade de se proteger da sobrecarga de cálcio, aumentando a excreção renal do mesmo. 18 Um parâmetro importante da homeostase mineral é o produto cálcio-fósforo (Ca x P), que se calcula multiplicando as concentrações séricas de cálcio e fósforo. Nos indivíduos saudáveis, o produto Ca x P raramente ultrapassa mg 2 /dl 2 (3,6 a 4,0 mmol 2 /L 2 ). O produto Ca x P é um resultado importante porque as elevações no produto Ca x P estão associadas com um risco significativo de calcificação extra-óssea (tecidos moles) e até com a devastadora síndrome da calcifilaxia. Manter o delicado equilíbrio entre os níveis de cálcio e fósforo é uma função importante dos rins. 9

10 A insuficiência renal crônica é acompanhada pela regulação anormal do fósforo A quantidade de fósforo excretada pelos rins é determinada pelo equilíbrio entre dois processos que se opõem: ultrafiltração e reabsorção. À medida que a função renal e a taxa de ultra-filtração entram em declínio, a regulação do fósforo é mantida por uma queda compensadora da taxa de reabsorção tubular renal do fósforo (RTR) mediada em parte pelo PTH (Figura 3). 14 Essa adaptação serve para manter normais os níveis séricos de fósforo até a taxa de filtração glomerular (TFG) cair abaixo de ml/min, 14,18, 20 ; nesse ponto, a elevação do nível sérico de PTH não consegue aumentar mais a excreção de fósforo, estabelecendo-se então a hiperfosfatemia. 14 Figura 3. Inter-relação ente a filtração glomerular e a reabsorção tubular na doença renal crônica. 21 RTR: reabsorção tubular renal do fósforo. TFG: taxa de filtração glomerular Reproduzido de The Journal of Clinical Investigation, 1968;47:1867, por licença de direitos autorais de The American Society for Clinical Investigation (Sociedade Americana de Pesquisas Médicas). 10 Hiperfosfatemia - Efeitos na homeostase do cálcio, do hormônio paratireóide (PTH) e da vitamina D A hiperfosfatemia perturba a interação metabólica entre cálcio, PTH e vitamina D, interação essa que é crítica para manter a homeostase (Figura 4). À medida que a doença renal avança a massa reduzida de tecido renal que está em funcionamento não tem capacidade para produzir quantidades adequadas de calcitriol. A retenção de fósforo limita ainda mais a produção de calcitriol pelo fato de inibir a atividade da 1- -hidroxilase, que transforma a 25(OH)-vitamina D 3 em calcitriol ativo. 22 Em conseqüência disso, à medida que a doença renal progride, a absorção intestinal de cálcio diminui e os níveis séricos de cálcio baixam. A maioria dos pacientes em diálise precisa de suplementação de calcitriol para tratar esses efeitos e controlar os níveis séricos de PTH. No entanto, foi demonstrado um declínio na absorção de cálcio em pacientes com taxa de filtração glomerular <50 ml/min muito antes da perda da função renal se tornar avançada. 23 Além do mais, a precipitação de cálcio e fósforo (na forma de fosfato) na pele e nos tecidos moles diminui ainda mais os níveis séricos de cálcio (Figura 5). Também é possível conseguir um ajuste rápido dos níveis de cálcio por transferência de íons de cálcio entre o soro e um pool pequeno e prontamente intercambiável de cálcio no tecido ósseo. A longo prazo, esse mecanismo de transferência de íons pode resultar numa perda real do maior reservatório de cálcio do organismo, pelo fato de aumentar a taxa de remodelação e o turnover dos ossos. Os pacientes com insuficiência renal crônica tendem também a ter uma ingestão alimentar de cálcio mais baixa do que os indivíduos saudáveis. No entanto, a alimentação é apenas um dos componentes da ingestão total de cálcio. A hiperfosfatemia perturba a interação metabólica entre cálcio, PTH e vitamina D, interação essa que é crítica para manter a homeostase.

11 Figura 4. Sucessão de eventos na doença renal avançada Fonte: Dra. Sharon M. Moe 11

12 Figura 5. Mecanismos pelos quais a hiperfosfatemia pode diminuir os níveis séricos de cálcio Hiperfosfatemia e Hiperparatireoidismo Secundário Foi demonstrado que a hiperfosfatemia é um dos fatores mais importantes na patogênese do hiperparatireoidismo secundário e, em conseqüência disso, da osteodistrofia renal de alto turnover. Esta explicação do surgimento do hiperparatireoidismo secundário foi proposta como a hipótese da compensação de Bricker, na qual a elevação do PTH é a compensação da excreção aumentada de fósforo por néfron residual. 24 Portanto, o controle adequado do fósforo sérico é crítico na prevenção e no tratamento do hiperparatireoidismo secundário. 25 O controle adequado do fósforo sérico é crítico na prevenção e no tratamento do hiperparatireoidismo secundário. 12 Nos pacientes em diálise, a secreção do PTH é estimulada de maneira persistente em resposta à redução da função renal e à hiperfosfatemia resultante, à produção diminuída de calcitriol e à hipocalcemia. Com o tempo, as glândulas paratireóides ficam menos sensíveis à supressão da realimentação de cálcio e calcitriol, produzindo uma secreção contínua de PTH e o hiperparatireoidismo secundário. 26 Foi demonstrado que o estímulo contínuo da secreção de PTH induz à hiperplasia irreversível das glândulas paratireóides em ratos urêmicos. 27 A hiperplasia glandular pode levar a um hiperparatireoidismo secundário refratário e aumenta a probabilidade de indicação de paratireoidectomia. Adotar, o quanto antes, providências para evitar o aparecimento de hiperplasia pode limitar a gravidade da doença e melhorar os resultados do tratamento. Apesar de alguns estudos anteriores sugerirem que uma queda do calcitriol sérico, induzida pela hiperfosfatemia, e a consequente queda no cálcio sérico são o estímulo inicial para um aumento da secreção de PTH, 22 há indícios mais recentes que sugerem um mecanismo adicional. Níveis séricos altos de fósforo promovem diretamente a secreção do PTH, independentemente de variações do nível sérico de cálcio ou de calcitriol. Foi demonstrado que a restrição de fósforo em cães com insuficiência renal 28 e em pacientes com insuficiência renal crônica 29 diminui diretamente a secreção de PTH, independentemente de variações do nível sérico de cálcio ou de calcitriol. Além do mais, foi demonstrado que os níveis séricos altos de fósforo estimulam diretamente a secreção do PTH na glândula paratireóide intacta de ratos in vitro 30 e estimula diretamente a hiperplasia da glândula paratireóide e os níveis de PTH em ratos urêmicos in vivo. 27

13 Isso sugere que o fósforo sérico regula diretamente a síntese e a secreção do PTH. 27,28 Os efeitos exercidos pela diminuição da síntese de calcitriol e da hiperfosfatemia na secreção do PTH podem estar relacionados. Há indícios que sugerem que a diminuição da síntese de calcitriol pode, portanto, ser necessária para que a hiperfosfatemia estimule o aumento da secreção do PTH ou vice-versa. 31 Sendo assim, parece que a hiperfosfatemia tem um papel ao mesmo tempo direto e indireto no desenvolvimento do hiperparatireoidismo secundário. a hiperfosfatemia tem um papel ao mesmo tempo direto e indireto no surgimento do hiperparatireoidismo secundário. Hiperfosfatemia e sobrecarga de cálcio A hiperfosfatemia e seu tratamento têm um papel importante na patogênese de diversas complicações por calcificação. A sobrecarga de cálcio foi associada com a calcificação metastática nos pacientes em diálise. 5,6,18,32,33 Há vários fatores que contribuem para uma sobrecarga de cálcio nos pacientes em diálise. A terapia com vitamina D, utilizada para tratar o hiperparatireoidismo secundário, pode aumentar a absorção intestinal tanto do cálcio como do fósforo. Além disso, a absorção do cálcio proveniente do dialisado e a ingestão de quelantes de fósforo que contêm cálcio aumentam bastante a carga de cálcio. A ingestão excessiva de cálcio proveniente de quelantes de fósforo que contêm cálcio é impressionante e muitas vezes chega a milhares de miligramas por dia. Em muitos pacientes, a sobrecarga de cálcio é ainda mais exacerbada pelo efluxo de cálcio dos ossos, em resposta ao aumento do turnover ósseo. Como será discutido no próximo capítulo, esse excesso de cálcio total no organismo foi associado com a calcificação metastática, inclusive a calcificação dos tecidos cardíacos e vasculares, o que pode até constituir ameaça à vida. 6,32 A sobrecarga de cálcio pode não se refletir nos níveis séricos de cálcio. Como os níveis séricos de cálcio são uma fração minúscula do cálcio total do organismo e são controlados rigorosamente dentro de uma faixa relativamente estreita, pode haver um excesso significativo de cálcio total no organismo sem a presença de níveis altos de cálcio sérico. Assim, o nível sérico de cálcio não é um bom indicador do cálcio total do organismo. o excesso de cálcio total no organismo foi associado com a calcificação metastática, inclusive calcificação dos tecidos cardíacos e vasculares, o que constitui ameaça à vida. 6,32 Mais considerações sobre a carga de cálcio O rim é a principal via de excreção de cálcio nas pessoas saudáveis, mas nos pacientes com insuficiência renal esta via de excreção de cálcio é limitada. Quando a função renal diminui, a capacidade do rim de excretar cálcio também diminui. Sendo assim, os pacientes com insuficiência renal têm de depender da excreção intestinal do cálcio que, em média, se aproxima de 130 mg de cálcio por dia. 19 Por terem vias de excreção inadequadas, quase todos os pacientes com insuficiência renal crônica apresentam um balanço positivo de cálcio, devido a uma ingestão excessiva de cálcio. 18 Nos pacientes em hemodiálise, a ingestão de cálcio é determinada por três fatores principais: contribuição de cálcio proveniente de quelantes de fósforo à base de cálcio, o dialisado e a alimentação. O tratamento da hiperfosfatemia e do hiperparatireoidismo com quelantes de fósforo à base de cálcio implica na ingestão de doses farmacológicas de 13

14 cálcio. Um esquema de quelantes de fósforo que consiste na ingestão de 5 g/ dia de comprimidos de acetato de cálcio corresponde à ingestão de cerca de mg de cálcio elementar por dia ou mg de cálcio elementar por semana. 34 O dialisado fornece cálcio exógeno adicional. Mesmo o uso de um dialisado com baixo teor de cálcio (1,5 meq/l) em pacientes com mais de 35 anos de idade dá como resultado um excesso de cálcio semanal, ou seja, os pacientes não vão atingir um balanço de cálcio negativo ou nulo. 18 Além do mais, os dialisados com uma concentração de cálcio abaixo de 2,08 meq/l estão associados com hipotensão e diminuição da contratilidade cardíaca. 18 Os dialisados mais comumente usados contêm 2,5 meq/l de cálcio e dão como resultado um fluxo real positivo de 216 mg de cálcio durante uma sessão de diálise de 4 horas. 35 Com um esquema típico de diálise três vezes por semana, isso corresponde a um influxo semanal de 648 mg cálcio provenientes do dialisado. Supondo uma ingestão diária de 5 g de comprimidos de acetato de cálcio, diálise três vezes por semana com 2,5 meq/l de dialisado de cálcio e uma ingestão diária de 800 mg de cálcio na comida, a ingestão semanal total de cálcio elementar seria de mg de cálcio (9.100 mg de cálcio provenientes do quelante à base de cálcio, 648 mg cálcio provenientes do dialisado e mg de cálcio provenientes da alimentação). Componentes da ingestão de cálcio em pacientes em hemodiálise Quelante de fósforo: supõe mg de cálcio elementar por dia, com base na ingestão de 5,0 g/dia de comprimidos de acetato de cálcio. 34 Dialisado: supõe um banho de 2,5 meq/l dado 3 dias por semana. 18 Alimentação: supõe ingestão de 800 mg de cálcio por dia. 14 De acordo com Hsu, o carbonato de cálcio só pode ser usado com segurança como agente quelante de fósforo quando se mantém um balanço negativo de cálcio durante a terapia substitutiva renal. 18 Além disso, Hsu afirma que o calcitriol oral ou intravenoso (vitamina D) só pode ser usado com segurança quando os balanços de cálcio e fósforo são controlados. A ingestão excessiva de cálcio e a absorção subseqüente do mesmo levam

15 ao desequilíbrio de cálcio nos pacientes com insuficiência renal crônica, devido à falta de vias normais de excreção (rins). 18 A conseqüência disso é que o cálcio em excesso pode transbordar e ser depositado nos órgãos e nos tecidos moles. Os níveis séricos de cálcio são rigorosamente regulados, de modo que, mesmo quando há hipercalcemia, em geral esta tem duração curta. Para manter os níveis séricos de cálcio, o cálcio é deslocado para fora do plasma e enviado para outros compartimentos. Os ossos agem como reservatórios de cálcio, mas nos pacientes com insuficiência renal crônica, tanto a doença óssea de turnover alto como a de turnover baixo inibem efetivamente a deposição do excesso de cálcio nos ossos. 36 Sem nenhum meio adequado de excreção (apenas cerca de 130 mg são excretados diariamente para o trato gastrointestinal), o excesso de cálcio elementar se acumula nos compartimentos celulares, levando à precipitação e deposição do cálcio nos órgãos e tecidos moles, inclusive no coração e no sistema vascular. 18 Portanto, o cálcio sérico não é um bom indicador do desequilíbrio de cálcio. Dado o risco maior de calcificação coronária na insuficiência renal crônica, uma avaliação da carga total de cálcio pode ser um componente necessário à prevenção da calcificação. 15

16 Controle inadequado do fósforo nos pacientes em diálise - Riscos e complicações Praticamente todos os casos de insuficiência renal crônica levam à hiperfosfatemia. O controle inadequado de fósforo e cálcio nestes pacientes tem um papel central no aparecimento de uma grande variedade de enfermidades médicas graves, entre as quais a calcificação cardiovascular, calcificação dos tecidos moles, hiperparatireoidismo secundário, calcifilaxia e osteodistrofia renal. Mais significativamente, o controle inadequado do fósforo está associado com um aumento do risco de mortalidade, particularmente morte cardíaca. 2,37-39 O controle inadequado do fósforo aumenta o risco de mortalidade controle inadequado do fósforo está associado com um aumento do risco de mortalidade, particularmente morte cardíaca. 2,37-39 Um estudo recente avaliou a relação entre a hiperfosfatemia e o risco de mortalidade em duas amostras grandes e randomizadas de pacientes que haviam recebido hemodiálise durante mais de 1 ano. 2 Foram feitas análises retrospectivas de dados coletados do USRDS (Sistema Americano de Dados Renais), do CMAS (Estudo de Adaptação de Mistura de Casos ) e do DMMS (Estudo de Diálise, Morbidade e Mortalidade Onda 1). Foram identificadas as variáveis associadas com níveis altos de fósforo sérico e foi examinada a relação entre mortalidade e níveis altos de fósforo, cálcio e PTH e produto Ca x P alto. Os resultados desse estudo publicado por Block et al são importantes e se encontram mais adiante. 2 Metodologia Os estudos CMAS e DMMS representam amostras randomizadas de pacientes renais crônicos em hemodiálise, nos Estados Unidos da América. Os dois estudos utilizaram dados das fichas médicas de diálise dos pacientes. Os dados utilizados contêm características dos pacientes, informações do histórico dos pacientes, presença ou ausência de condições de saúde comórbidas surgidas 10 anos antes do estudo e dados de laboratório obtidos antes do estudo. Foram usadas as técnicas de regressão de riscos proporcionais de Cox para estimar a relação entre os níveis séricos de fósforo e o risco de mortalidade (expresso em número de dias até a morte). As análises principais foram ajustadas por idade no início da doença renal de fase terminal e por raça, sexo, tabagismo ativo, diabetes, AIDS e neoplasma. Foi determinado um risco alto de mortalidade para o fósforo sérico >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l); esse nível foi lançado como variável categórica, com os pacientes divididos em um grupo de fósforo alto (>6,5 mg/dl) [>2,1 mmol/l] e em um grupo de fósforo de referência (2,4 a 6,5 mg/dl) [0,8 a 2,1 mmol/l]. As análises de regressão logística determinaram os previsores de um fósforo sérico alto, com ajuste para diversas covariáveis. Foram usados modelos semelhantes para determinar a contribuição do cálcio sérico, do produto Ca x P e do PTH para as relações entre o aumento da mortalidade e a hiperfosfatemia. 16 Características dos pacientes A Tabela 1 é um resumo da demografia, das doenças concomitantes e dos resultados iniciais de laboratório, para a população total do estudo (N=6407).

17 Tabela 1. Variáveis obtidas no período inicial para a população total do estudo (N=6407) 2 Variável Média ± DP ou % DEMOGRAFIA Idade no início da insuficiência renal crônica (anos) 53 ± 16 Raça (% brancos) 53% Sexo (% de homens) 50% Causa da insuficiência renal crônica (% de diabetes) 30% Duração da insuficiência renal crônica na data do início do estudo (anos) 4,5 ± 3,7 DOENÇAS CONCOMITANTES (% DE SIM OU SUSPEITA) Diabetes (histórico e/ou nefropatia) 39% Doença coronariana (histórico)* 45% Hipertrofia ventricular esquerda (histórico) 40% Insuficiência cardíaca congestiva (histórico) 43% Doença vascular periférica (histórico) 26% Doença cerebrovascular (histórico) 13% Doença pulmonar obstrutiva crônica (histórico) 12% Neoplasma (histórico) 9,5% Tabagismo (ativo) 19% AIDS 0,3% Índice de massa corporal (kg/m 2 ) 24,5 ± 5,3 RESULTADOS DE LABORATÓRIO Albumina (g/dl) 3,8 ± 0,4 Creatinina (mg/dl) 11,6 ± 3,6 Hematócrito (%) 29,8 ± 4,6 Fósforo (mg/dl) 6,2 ± 2,1 Cálcio (mg/dl) 9,4 ± 1,0 DOSE DE DIÁLISE E ADERÊNCIA AO TRATAMENTO Dose aplicada (Kt/V) 1,16 ± 0,22 Faltas à diálise >1/mês 8,8% N=2.669 para informações do cálcio. Obtidas somente do estudo DMMS. As variáveis assinaladas com negrito foram ajustadas no modelo principal; as assinaladas com itálico são variáveis adicionais ajustadas em outros modelos. * Contém o histórico de cardiopatia isquêmica, de cirurgia de revascularização miocárdica, de angioplastia ou de cineangiocoronariografia anormal. Contém o histórico de doença vascular periférica, amputação, pulsos ausentes ou claudicação. Exclui carcinoma basocelular e carcinoma de células escamosas da pele. 17

18 Para evitar a interferência nos resultados por pacientes com função renal ainda significativa, foram excluídos do estudo aqueles com menos de 12 meses de diálise. Os pacientes do estudo DMMS que não tinham informações sobre cálcio também foram excluídos. Foram usados também os seguintes critérios de exclusão: freqüência em diálise <3 vezes por semana; banho dialisado que não era de bicarbonato; ausência de dados em >50% das variáveis da doença comórbida; ausência de dados de fósforo, albumina sérica ou idade; e incapacidade de calcular o número de dias de risco. 2 Predominância da hiperfosfatemia na população em diálise Do total de pacientes, 70% tinham níveis séricos de fósforo acima do normal (>5,0 mg/dl) [>1,6 mmol/l]. 2 Aproximadamente 50% de cada população em estudo tinha um nível sérico de fósforo >6 mg/dl (1,9 mmol/l), com no mínimo 30% de cada população >7 mg/dl (>2,3 mmol/l) e aproximadamente 10% >9 mg/dl (>2,9 mmol/l) (Figura 6). Neste estudo, o ponto de corte para controle inadequado do fósforo sérico foi definido como fósforo sérico >6,5 mg/dl (2,1 mmol/l), que estava presente em 39% dos pacientes. 2 Figura 6. Distribuição do fósforo sérico nas populações dos estudos CMAS (N=3.738) e DMMS (N=2.669). 2 Figura 1998, The National Kidney Foundation. Reproduzida sob licença do American Journal of Kidney Diseases. 1998;31: Fatores associados com o aumento do risco de mortalidade relativo Altos níveis de fósforo sérico Os níveis séricos de fósforo >6,5 mg/dl (2,1 mmol/l) estavam associados com um aumento acentuado do risco de mortalidade relativo, em comparação com os pacientes com níveis na faixa de referência de 4,6 a 5,5 mg/dl (1,5 a 1,8 mmol/l). Para cada aumento de 1 mg/dl no fósforo sérico, houve um aumento de 6% no risco de mortalidade. Os pacientes com níveis de fósforo sérico entre 6,6 e 7,8 mg/dl (2,1 a 2,5 mmol/l) apresentaram um risco de mortalidade 18% maior, enquanto os pacientes com níveis de fósforo sérico de 7,9 a 16,9 mg/dl (2,6 a 5,5 mmol/l) apresentaram um risco 39% maior (P<0,0001) (Figura 7). Além do mais, no que se refere aos pacientes com níveis de fósforo sérico entre 2,4 e 6,5 mg/dl (0,8 a 2,1 mmol/l), o risco de mortalidade relativo ajustado nos pacientes com fósforo sérico >6,5 mg/dl foi de 1,27. O ajuste para outros fatores, tais como doenças preexistentes, estimativas de baixa aderência ao tratamento, estimativas do estado nutricional e dose de diálise aplicada, não diminuiu o risco de mortalidade nos pacientes com fósforo sérico >6,5 mg/dl (2,1 mmol/l). Isso é coerente com os resultados relatados por Chertow et al, de um risco relativo de morte

19 maior para os pacientes em hemodiálise com níveis de fósforo sérico >9 mg/dl (2,9 mmol/l), em comparação com pacientes com níveis de fósforo sérico na faixa de referência de 5 a 6 mg/dl (1,6 a 1,9 mmol/l). 38 Esta análise foi ajustada para idade, sexo, raça, diabetes, peso, dose de diálise, albumina sérica, pré-albumina, creatinina, BUN (nitrogênio da uréia sanguínea) antes da diálise, colesterol, bicarbonato, hemoglobina, ferritina, hormônio paratireóide e alumínio. Figura 7. Risco de mortalidade relativo por nível de fósforo sérico (N=6407). 2 Adaptado da Figura 1998, The National Kidney Foundation. Reproduzido sob licença do American Journal of Kidney Diseases. 1998;31: Usando análise de regressão logística, foram identificados os fatores de risco para níveis séricos de fósforo aumentados >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l). Esses fatores são: idade mais jovem na ocasião do início da insuficiência renal crônica, sexo feminino, raça branca, diabetes, tabagismo ativo, creatinina sérica alta, e 1 ou mais faltas à sessão de diálise por mês (Tabela 2). A dose de diálise não foi um previsor significativo de um nível de fósforo >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l). Tabela 2. Preditores de fósforo sérico >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l) (em comparação com 2,4 a 6,5 mg/dl [0,8 a 2,1 mmol/l]) por análise multivariada* (N=6.340) 2 Taxa de Variável probabilidade* Valor de P Idade no início da insuficiência renal crônica (por ano de idade adicional) 0,985 0,0001 Sexo (comparação de masculino e feminino) 0,774 0,0001 Raça (comparação de negra com branca) 0,620 0,0001 Diabetes (presença da doença) 1,293 0,0001 Tabagismo (ativo) 1,453 0,0001 Neoplasma (presença) 1,078 0,43 AIDS (presença) 1,114 0,83 Locomoção independente 1,022 0,82 Índice de massa corporal (por kg/m 2 ) 1,007 0,22 Albumina sérica (por g/dl) 1,005 0,95 Creatinina sérica (por mg/dl) 1,135 0,0001 Falta à sessão em diálise (>1/mês) 1,406 0,0003 Dose aplicada (por 0,1 Kt/V) 0,985 0,25 * Probabilidades por modelo de regressão logística, com ajuste para todas as variáveis mostradas. Os negritos indicam resultados significativos com correção de Bonferroni (P<0,0038). Tabela 1998, The National Kidney Foundation. Reproduzido sob licença do American Journal of Kidney Diseases. 1998;31:

20 Produto Ca x P e cálcio elevados Um produto Ca x P elevado é um fator importante que leva ao aumento no risco de calcificação extra-óssea e à morte, enquanto o nível de cálcio sérico isolado não é previsor de risco. Um produto Ca x P elevado foi associado com risco maior de mortalidade. 2 Controlando pela idade no início da insuficiência renal crônica, e também por raça, sexo, diabetes, tabagismo ativo, AIDS e neoplasma, o risco de mortalidade começou a aumentar nos pacientes no quintil de produto Ca x P de 53 a 60 mg 2 /dl 2 (4,3 a 4,8 mmol 2 /L 2 ) e ficou estatisticamente significativo acima de 72 mg 2 / dl 2 (>5,8 mmol 2 /L 2 ) (Figura 8, P<0,01). O risco de morte em pacientes com um produto Ca x P >72 mg 2 /dl 2 (>5,8 mmol 2 /L 2 ) foi 34% maior do que na faixa de referência de 42 a 52 mg 2 /dl 2 (3,4 a 4,2 mmol 2 /L 2 ), escolhida pelos pesquisadores com base em estudos citados anteriormente na literatura 40, o que indica que esta é uma faixa desejável para um produto Ca x P na população em diálise. 2 De fato, as recomendações recentes indicam que o produto Ca x P nos pacientes em diálise deve ser mantido abaixo de 55 mg 2 /dl 2 (4,4 mmol 2 /L 2 ). 4 O risco de morte em pacientes com um produto Ca x P >72 mg2/dl2 (>5,8 mmol 2 /L 2 ) foi 34% maior do que o da faixa de referência. 2 Figura 8. Inter-relação entre o produto Ca x P e o risco de mortalidade relativo. 2 (N=2.669) Adaptado da Figura 1998, The National Kidney Foundation. Reproduzido sob licença do American Journal of Kidney Diseases. 1998;31: Concentração do PTH sérico O risco de mortalidade relativo aumentou quando os níveis de PTH sérico aumentaram. Nos pacientes com PTH no quintil mais alto (>511 pg/ml) o risco de mortalidade relativo foi de 1,18 (Figura 9). Nos pacientes com PTH no decil mais alto (>975 pg/ml) o risco de mortalidade relativo foi de 1,34 (P=0,09, não mostrado na figura). O aumento no risco de mortalidade relativo foi demonstrado com PTH log maior na forma de variável contínua, com controle para a idade no início da insuficiência renal crônica, raça, sexo, diabetes, tabagismo ativo, AIDS e neoplasma (P=0,03). Esse aumento da mortalidade associado com níveis de PTH mais altos foi independente dos níveis de fósforo e de cálcio e não afeta a relação entre hiperfosfatemia e aumento do risco de mortalidade. 2 Portanto, o risco de mortalidade relativo associado com altos níveis séricos de fósforo permaneceu o mesmo quando o PTH foi controlado no modelo.

21 Figura 9. Risco de mortalidade relativo por quintis de nível de PTH sérico (N=2.087). 2 Figura 1998, The National Kidney Foundation. Reproduzido sob licença do American Journal of Kidney Diseases. 1998;31: Aumento do risco de doença coronariana e morte cardíaca O risco de mortalidade relativo aumentou proporcionalmente às elevações do produto Ca x P: cada aumento de 10 mg 2 /dl 2 (0,8 mmol 2 /L 2 ) no produto Ca x P aumentou em 11% o risco de morte relativo. 39 Usando a mesma amostra americana de pacientes em hemodiálise, Levin et al examinaram as causas específicas de morte num estudo retrospectivo. 39 A análise de todas as mortes revelou que os pacientes com controle inadequado do fósforo (fósforo sérico >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l) apresentavam um risco relativo 52% maior de morrer de doença coronariana, um risco relativo 34% maior de morrer de outra doença cardíaca e um risco relativo 26% maior de morte súbita, em comparação com os pacientes que se encontravam dentro da faixa de referência de níveis séricos de fósforo, ou seja, 2,4 a 6,5 mg/dl (0,8 a 2,1 mmol/l). 39 O risco de mortalidade relativo aumentou proporcionalmente com as elevações do produto Ca x P; cada aumento de 10 mg 2 /dl 2 (0,8 mmol 2 /L 2 ) no produto Ca x P aumentou o risco de morte relativo em 11%. 39 Os autores sugerem que as elevações do fósforo sérico e do produto Ca x P podem aumentar o risco de morte cardiovascular porque promovem a calcificação metastática no interior dos tecidos cardiovasculares. 2,4,39 Os pacientes em diálise correm um alto risco de doença cardiovascular e morte. Em comparação com a população em geral, os pacientes em diálise têm de 10 a 20 vezes mais probabilidade de morrer de causas cardiovasculares 41 e as causas cardiovasculares são responsáveis por, aproximadamente, metade das mortes entre os pacientes com insuficiência renal crônica. As lesões das artérias coronárias, tais como a calcificação, são particularmente comuns em pacientes com insuficiência renal crônica; eles têm calcificação mais freqüente, mais grave e mais rapidamente progressiva nas coronárias e nas válvulas cardíacas do que os pacientes de mesma idade que não fazem hemodiálise e têm doença cardíaca confirmada ou suspeita. 42 Até os pacientes jovens que possuem doença renal crônica correm risco de calcificação coronária e vascular. 5 21

22 Resumo Estes estudos demonstram que há uma relação direta entre os altos níveis do fósforo sérico e do produto Ca x P e o aumento do risco de mortalidade, mesmo depois dos ajustes pelas doenças concomitantes. 2,38,39 Os pacientes com nível sérico de fósforo >6,5 mg/dl (>2,1 mmol/l) tiveram um risco de mortalidade 27% maior do que os pacientes com nível de fósforo entre 2,4 e 6,5 mg/dl 2 (0,8 a 2,1 mmol/l). 2 Outro estudo relatou um risco de morte relativo 88% maior para os pacientes em hemodiálise com níveis séricos de fósforo >9 mg/dl (>2,9 mmol/l), em comparação com os pacientes com nível de fósforo na faixa de referência de 5 a 6 mg/dl (1,6 a 1,9 mmol/l). 38 Outras análises de causas de morte específicas entre pacientes com insuficiência renal crônica indicaram que o controle inadequado do fósforo aumentou significativamente o risco de morte cardiovascular. 39 O aparecimento de calcificação cardiovascular foi sugerido como um mecanismo pelo qual a hiperfosfatemia e um produto Ca x P elevado podem aumentar a mortalidade. 39 o controle inadequado do fósforo aumentou significativamente o risco relativo de morte cardiovascular. 39 O aparecimento de calcificação cardiovascular foi sugerido como um mecanismo pelo qual a hiperfosfatemia e um produto Ca x P elevado podem aumentar a mortalidade. 39 À luz da reavaliação destes estudos americanos de grande porte, recentemente Block e Port propuseram revisar as recomendações clínicas para o controle do fósforo (Ver o Capítulo Novas metas de tratamento ). 4 Para evitar calcificação urêmica, morte cardíaca e doença vascular, os autores recomendaram que os níveis-alvo de fósforo sejam mantidos abaixo de 5,5 mg/dl (1,8 mmol/l) e produto Ca x P inferior a 55 mg 2 /dl 2 (4,4 mmol 2 /L 2 ). 4 O controle inadequado do fósforo promove a calcificação A combinação de sobrecarga de cálcio e altos níveis séricos de fósforo nos pacientes eleva o produto Ca x P. Pode surgir calcificação extra-óssea quando os níveis elevados de cálcio sérico e/ou de fósforo sérico levam à precipitação de cristais de fosfato e de cálcio nos tecidos moles não-danificados (denominada calcificação metastática ). A calcificação metastática se estabelece de duas formas: 1) como depósitos amorfos que consistem em cálcio, magnésio e fósforo numa proproção constante [(CaMg) 3 (PO 4 ) 2 ]; ou 2) na forma de depósitos de hidroxiapatita [(Ca 3 (PO 4 ) 2 ) 3 Ca(OH) 2 ] cuja composição é análoga à do osso. Em geral os depósitos amorfos são encontrados nas calcificações viscerais, enquanto a hidroxiapatita predomina nos depósitos vasculares e periarticulares. 43,44 As calcificações extra-ósseas podem ser classificadas segundo muitos critérios diferentes, inclusive tamanho e representatividade clínica, relação com o quadro urêmico, caráter biológico e distribuição tissular. A calcificação metastática foi correlacionada, independentemente, com altos níveis séricos de fósforo, produto Ca x P elevado, e PTH. O hormônio paratireóide, que é sintetizado e secretado em níveis elevados no contexto do hiperparatireoidismo secundário, mobiliza cálcio, magnésio e fosfato dos ossos, liberando esses minerais para a corrente sanguínea. A combinação de uma sobrecarga de cálcio com altos níveis séricos de fósforo nos pacientes eleva o produto Ca x P. À medida que o produto Ca x P aumenta, a solubilidade do par iônico é excedida, o osso é incapaz de absorver esse excesso e passa a ocorrer deposição de fosfato de cálcio no tecido cardiovascular e em outros tecidos moles À medida que o produto Ca x P aumenta, a solubilidade do par iônico é excedida, o osso é incapaz de absorver esse excesso e há deposição de fosfato de cálcio no tecido cardiovascular e em outros tecidos moles. 4

23 Mais considerações a respeito do papel do produto Ca x P na calcificação Um produto Ca x P elevado foi sugerido como um dos fatores mais importantes no aparecimento da calcificação metastática extra-óssea nos pacientes em diálise. 43,44 Até pouco tempo atrás, um produto Ca x P <70 mg 2 /dl 2 (<5,6 mmol/l) era considerado aceitável nos pacientes em diálise; no entanto, este valor se baseia mais em cálculos teóricos de físico-química do que em dados clínicos. Alguns estudos mostraram que um produto Ca x P >55-70 mg 2 /dl 2 (>4,4 a 5,6 mmol 2 /L 2 ) aumenta o risco de calcificação extra-óssea ; produtos Ca x P >72 mg 2 /dl 2 (>5,8 mmol 2 /L 2 ) foram associados com o aumento da mortalidade. 2,39 Tendo em vista a propensão dos pacientes em diálise a formar calcificações, assim como a associação de um produto Ca x P alto com mortalidade num estudo retrospectivo, 2 os autores recomendam manter o produto Ca x P abaixo de 55 mg 2 /dl 2 (4,4 mmol 2 /L 2 ). 4 Controlar o produto Ca x P por meio de restrição alimentar do fósforo e por meio de agentes quelantes de fósforo é o meio mais comum de evitar calcificação metastática, podendo levar a uma melhora nas calcificações periarticulares, cutâneas e subcutâneas já existentes. 44 Calcificação cardiovascular Quase 60% de todos os pacientes em diálise apresentam calcificação cardíaca na autópsia. 42,48-51 Foi relatada calcificação em diversos tecidos cardíacos de pacientes com doença renal, inclusive o miocárdio, o pericárdio, o sistema de condução, as válvulas aórtica e mitral, as artérias miocárdicas pequenas e as artérias coronárias. 3,5,6,42,44,45,48-54 A calcificação pode levar a lesões cardíacas que resultam em distúrbios da condução e arritmias, disfunção ventricular esquerda, estenose e/ou insuficiência das válvulas aórtica e mitral, BAV total, isquemia, insuficiência cardíaca congestiva e morte. 3,5,6,42,44,45,48-54 A calcificação dos tecidos cardíacos é promovida por diversos fatores... sendo talvez o mais importante deles o produto Ca x P elevado. A calcificação dos tecidos cardíacos é promovida por diversos fatores, inclusive hiperfosfatemia, hipercalcemia, sobrecarga de cálcio, níveis altos de PTH, alcalinidade tissular e, talvez o mais importante, um produto Ca x P elevado. 3,45,50,52-55 Como foi observado acima, o controle inadequado do fósforo é comum entre os pacientes em diálise, com 20% dos pacientes apresentando um produto Ca x P acima de 72 mg 2 / dl 2. 2 O controle inadequado do fósforo aumenta significativamente o risco de morte, 2,39,56 especialmente a morte causada por doença coronariana e outras cardiopatias. 2,4,39,56 Calcificação vascular e calcificação das artérias coronárias verificou-se que mais de 76% dos pacientes em diálise têm depósitos calcíficos dentro das artérias coronárias, o que coloca esses pacientes em alto risco de apresentar eventos cardíacos. 51 A calcificação do tecido vascular é uma complicação comum, mas grave, entre os pacientes em diálise. Hoje sabemos que a calcificação vascular é um fator de risco importante para os eventos cardiovasculares 57 e contribui bastante para a hipertensão sistólica, insuficiência cardíaca, ruptura da placa aterosclerótica, estenose e enrijecimento arterial e aórtico. 6,58 Numa análise recente de 203 pacientes crônicos em hemodiálise, verificou-se que >76% dos pacientes em diálise tinham depósitos de cálcio dentro das artérias coronárias, o que coloca esses pacientes em alto risco de eventos cardíacos. 51 Além do mais, a calcificação vascular pode se apresentar em até 90% dos pacientes com insuficiência renal crônica, com doença coronariana. 58 Foi relatado que o valor da calcificação da artéria coronária relacionado com a idade foi de 2,5 a 5 vezes maior nos pacientes em diálise

24 Além do mais, a calcificação das artérias coronárias tende a progredir mais rapidamente nos pacientes urêmicos. 5,42 Os mecanismos moleculares responsáveis pela calcificação vascular na insuficiência renal crônica ainda não estão totalmente elucidados, mas há um acúmulo cada vez maior de indícios que indicam que se trata de um processo análogo ao da formação do osso, com a participação de proteínas associadas com o osso e desequilíbrios na homeostase do cálcio. 6,58,59 Recentemente foram feitas análises morfológicas de lesões ateroscleróticas em pacientes com insuficiência renal crônica, análises essas que revelaram que as placas coronárias são mais pesadamente calcificadas do que nos pacientes de controle (não-urêmicos) e se caracterizam por um aumento da espessura média (Figura 10). 60 De fato, o alto teor de cálcio das placas ateroscleróticas e da camada medial das artérias dos pacientes com insuficiência renal pode contribuir para as taxas elevadas de morbidade e mortalidade cardiovasculares nesses pacientes. 60 o alto teor de cálcio das placas ateroscleróticas dos pacientes com insuficiência renal pode contribuir para as taxas elevadas de morbidade e mortalidade cardiovasculares nesses pacientes. 60 Figura 10. Placa de artéria coronária de um paciente com insuficiência renal. Notar o espessamento da média e o alto grau de calcificação. Corante de Kossa; aumento de 100X. Micrografia cedida pelo Dr. Kerstin Amann. 24

25 Os depósitos de cálcio formam a maior parte do peso seco das lesões ateroscleróticas. O alto teor de cálcio das placas coronárias permite determinar a presença e a progressão das placas por meio de tomografia computadorizada com feixe de elétrons (Electron Beam Computed Tomography - EBCT)-( Figura 11). 5,42,51 A quantificação dos depósitos de cálcio com técnicas como o EBCT, e a contagem resultante de cálcio por meio de varreduras de EBCT foi correlacionada com o significado clínico desses depósitos (Tabela 3). Figura 11. Varreduras de tomografia computadorizada com feixe de elétrons - EBCT - que mostram a calcificação extensa das artérias coronárias num paciente em diálise, o que indica doença avançada. Imagens de EBCT cedidas pelo Dr. Paolo Raggi. Tabela 3. Correlação entre os resultados do EBCT e o risco cardiovascular. 61 CONTRIBUIÇÃO PARA O RESULTADO EBCT CARGA NA PLACA RISCO CARDIOVASCULAR <10 mínima baixo definida, leve moderado definida, moderada alto >400 extensiva muito alto Tabela 1999, reproduzida sob licença de Mayo Clinic Proceedings. 1999;74: Num estudo recente, apresentado por Goodman et al, foram feitas análises de EBCT com 39 pacientes jovens em diálise (<30 anos de idade). 5 De 16 pacientes em diálise, 14 (88%) pacientes entre 20 e 30 anos de idade apresentaram resultados positivos no EBCT, com contagem média de cálcio de ± (valor mediano: 297) em pacientes com calcificação. Dos 60 indivíduos de controle (entre 20 e 30 anos de idade), apenas 3 (5%) tiveram resultados positivos no EBCT, com a contagem de cálcio variando de 2 a Os pacientes em diálise com calcificação das artérias coronárias (ou seja, com resultado positivo no EBCT) apresentaram produto Ca x P significativamente maior (média: 65,0 mg 2 /dl 2 [5,2 mmol 2 /L 2 ]) do que os pacientes em diálise sem calcificação (média: 56,4 mg 2 /dl 2 [4,6 mmol 2 /L 2 ]) (Tabela 4). 5 É interessante notar que os pacientes com calcificação haviam recebido, em média, quase o dobro da dose diária de cálcio (na forma de quelantes de fósforo) recebida pelos pacientes sem calcificação. 5 Além do mais, os níveis séricos de cálcio não diferiram significativamente entre pacientes com e sem calcificação. Os pesquisadores postularam que isso reflete um efluxo do excesso de cálcio ingerido, do compartimento plasmático para o compartimento dos tecidos moles. 5 25