VEROSSIMILHANÇA E DIÁLOGO COM O LEITOR NOS PREFÁCIOS DOS ROMANCES DE DANIEL DEFOE ( ) JOSÉ INÁCIO NETO *
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- Manuela Leão Faro
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1 VEROSSIMILHANÇA E DIÁLOGO COM O LEITOR NOS PREFÁCIOS DOS ROMANCES DE DANIEL DEFOE ( ) JOSÉ INÁCIO NETO * Introdução A composição do público leitor da Inglaterra em fins do século XVII e início do XVIII sofreu importantes modificações que acompanharam algumas transformações sociais que ocorreram neste período. A relativa estabilidade política e o progresso econômico que sucederam o conturbado século XVII, sobretudo após a Revolução Gloriosa, permitiram a alguns setores da sociedade tivessem mais tempo ocioso para dedicar à leitura e, simultaneamente, possibilitaram um desenvolvimento de uma imprensa industrial (RICHETTI, 2001: p. 6). Contingentes de jovens se mudaram do campo para as cidades buscando novas oportunidades, movimento que também alterou a demanda por leituras nos centros urbanos (RICHETTI, 2001: pp ). Estas mudanças foram acompanhadas por transformações na prosa de ficção que caracterizaram a ascensão do romance em sua forma moderna. Os autores deste gênero, diante de um novo público, precisaram fazer uso de mecanismos de diálogo com o leitor para que as novas características de suas narrativas tivessem credibilidade e aceitação. Comumente os romances eram contados como histórias verdadeiras o que exigia do autor uma forma específica de se dirigir ao seu leitor, principalmente nos prefácios (VASCONCELOS, 2007: p. 89). O presente trabalho aborda a relação entre autor e leitor nos romances ingleses no contexto da ascensão deste gênero, dando ênfase à forma como Daniel Defoe, importante romancista deste período, dialoga com seus leitores por meio dos prefácios, identificando o modo como o autor confere verossimilhança e credibilidade às suas narrativas. O período em que Defoe está inserido ficou conhecido pela historiografia como Era Augustana por conta das características da política e da literatura da época, amplamente inspiradas em modelos da Antiguidade Clássica, aspectos que em termos literários caracterizaram o que genericamente se chama de Neoclassicismo (SANTOS, 2006: pp ). Neste momento, a poesia e o teatro eram os gêneros predominantes e as convenções literárias eram baseadas em autores como Aristóteles, Horácio e Cícero (VASCONCELOS, 2007: p. 10) que forneciam os parâmetros de composição e de conteúdo a serem seguidos. Na * Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (Campus de Franca), Mestrando.
2 prosa de ficção, vertente bem menos expressiva, o gênero que se destacava era o que em inglês se denomina romance, comumente designado pelas expressões estória romanesca ou
3 3 romance heroico, em português. Os enredos se passavam em meios aristocráticos idealizados, distantes do leitor e os protagonistas encarnavam padrões de comportamento fixos marcados por heroísmo e elegância (VASCONCELOS, 2007: p. 64). O novo gênero que começa e a se desenvolver neste momento, é aquele que em português chamamos de romance, mas que inglês é designado pelo termo novel (SANTOS, 2006: pp ). Este, por sua vez, se interessa pela vida de pessoas comuns em enredos que geralmente se passam em tempo e espaço bem determinados, próximos aos do público, com acontecimentos que lhes parecem prováveis e verossímeis que possibilitam uma identificação entre leitor e personagem (HUNTER, 1990: p. 30). Um dos principais fatores que desencadearam o surgimento do gênero foi a expectativa do público leitor que se altera de maneira decisiva em fins do século XVII e início do XVIII. A especificidade dos leitores de um determinado momento histórico, tendo em mente seus interesses e suas experiências de leitura, é um dos aspectos aos qual Robert Darnton dá ênfase ao discutir as possibilidades de se fazer uma história da leitura de um determinado período (DARNTON, 2010: p. 201). A composição deste público e seus interesses serão trabalhados adiante, mas o objetivo central deste texto é compreender outro aspecto da experiência de leitura do romance inglês: como o romancista se dirigia aos seus leitores tendo em vista os interesses dos mesmos, mas também a sua expectativa de compreensão da obra? Havia nos romances de Defoe uma estratégia para entender a obra, tal como afirma Darnton se referindo aos prefácios dos romances de Rousseau (DARNTON, 2010: p. 170)? O público leitor e o surgimento do romance Entre o início do século XVII e fins do XVIII houve um importante aumento das práticas de leitura na Inglaterra, fator que esteve intrinsecamente ligado às condições para a ascensão do romance moderno. O aumento de poder aquisitivo (WATT, 1990: p. 39) e de tempo ocioso (WATT, 1990: p. 41) de grupos como mercadores e profissionais liberais possibilitou que os mesmos dedicassem parte de sua renda e horário de lazer para a leitura, o que não acontecia antes do desenvolvimento econômico que caracterizou o período. Contudo mais decisiva que a condição econômica destes grupos foi a mudança de interesses de leitura que ocorrera no público neste momento. Neste sentido é importante perceber que há, a um só tempo, uma gradual diminuição das leituras religiosas em detrimento de obras com assuntos laicos e, também, um maior interesse por temáticas da vida comum, distantes do meio aristocrático (WATT, 1990: p. 46), como biografias, relatos de viagem e pequenas narrativas de situações fictícias do cotidiano urbano, comumente chamadas de news (notícias) ou novels
4 4 (novelas). Os novos leitores eram majoritariamente jovens, grande parte nascidos no campo, mas que passaram a procurar novas oportunidades de trabalho e estudo na cidade, sobretudo em Londres (RICHETTI, 2001: pp ). Estes jovens procuravam em suas leituras referências de comportamento para suas decisões profissionais, sociais e afetivas, conteúdo que só poderia ser encontrado em textos que abordassem o cotidiano urbano, seja por meio de notícias, biografias ou enredos fictícios (HUNTER, 1990: p. 86). Era comum a repreensão deste tipo de leitura, sobretudo dos romances, seja por pessoas mais velhas ou por autores e críticos ligados às convenções literárias tradicionais que não viam com bons olhos tais textos pelo fato de não representarem a vida como ela supostamente deve ser, dando vazão aos vícios e atitudes indesejadas dos indivíduos. Havia um receio de que estes conteúdos pudessem encorajar comportamentos imorais ou criminosos em seus leitores (HUNTER, 1990: p. 21). Desta forma era comum que esta leitura fosse feita em momentos privados, íntimos, escondidos, para que o jovem pudesse ler sem que fosse percebido (HUNTER, 1990: p. 25), o que condiz com a tendência que se difunde na Europa no século XVIII, de uma leitura cada vez mais privada, em detrimento das leituras coletivas, em voz alta, que não desaparecem, mas perdem espaço neste momento (HORRELLOU-LAFARGE e SEGRÉ, 2010: pp ). Se os leitores procuravam referenciais de comportamento era importante que o conteúdo de suas leituras fosse baseado em histórias verdadeiras ou próximas das possibilidades reais da vida naquele momento histórico. Os romancistas da virada do século XVII para o XVIII adequaram suas narrativas a esta exigência, não só porque conheciam o gosto do público da época, mas também porque tiveram como base um tipo específico de narrativa, as já citadas notícias/novelas (DAVIS, 1997: p. 48). Estes textos eram comuns nos séculos XVI e XVII, eram publicados em panfletos ou em coletâneas de baixo custo e consistiam em pequenas narrativas de situações cotidianas, geralmente com teor bizarro, como relações sexuais ilícitas, roubos ou brigas (DAVIS, 1997: pp ). A situação sempre era testemunhada pelo autor que assistia como espectador oculto, entretanto, com certa proximidade, que servia de argumento no interior texto para afirmar a veracidade daquilo que se contava. Este modelo narrativo também possibilitava uma proximidade do leitor para com a situação narrada tendo em vista que relatava situações cotidianas, supostamente testemunhadas ocularmente e que poderiam ter acontecido nas proximidades da casa ou do trabalho de qualquer indivíduo que as lessem (DAVIS, 1997: p. 61). Era comum que o autor se referisse à situação contada como estranha, porém verdadeira, mesmo que nem sempre fossem levadas a sério por seus leitores (DAVIS, 1997: p. 70). Tais narrativas
5 5 sofrem diversas alterações durante o século XVII e vão dar origem a formas jornalísticas e ficcionais, com maior ou menor credibilidade entre os leitores e que em alguns casos já apresentavam várias características típicas dos romances do XVIII (DAVIS, 1997: p. 100). A ambiguidade na relação entre o que é relatado e a verdade dos fatos, a proximidade do autor e do leitor à situação narrada e o interesse por acontecimentos cotidianos e verossímeis são características semelhantes entre as novelas/baladas e o romance e que são importantes para a compreensão da experiência de leitura que se tinha neste novo gênero. A afirmação de veracidade da narrativa, a detalhada descrição do cenário, dos personagens e das ações e a inspiração em biografias e autobiografias tomadas como verdadeiras são procedimentos recorrentes nos romances do século XVIII, que já eram usados esporadicamente em outros gêneros de prosa de ficção, como a estória romanesca, mas que ganham novo significado naquele novo gênero, justamente por conta de sua proximidade com a realidade do leitor comum e da probabilidade e verossimilhança do conteúdo. Daniel Defoe é emblemático nesta questão, pois além de ser um dos autores que lançam as bases do romance moderno, sua primeira obra do gênero, Robinson Crusoe, é discutida pelos autores da época principalmente no caráter de veracidade de seu conteúdo (DAVIS, 1997: p. 157). O intuito agora é entender como o autor fez uso dos prefácios para construir um discurso para legitimar a verossimilhança de suas narrativas, percebendo as diferentes estratégias para tal feito. Os prefácios de Defoe e a verossimilhança na narrativa Para dar legitimidade às histórias, supostamente verdadeiras, que contava Defoe fez uso de um procedimento que perpassou todos os seus romances: a negação da autoria. Em todos os casos, desde Robinson Crusoe, até Colonel Jacque, o autor afirmava ser apenas o editor de histórias que chegaram a ele de alguma forma. Seja tendo acesso a memórias escritas, deixadas pelos indivíduos que protagonizaram suas histórias, seja ouvindo o relato de alguém interessado em levar a público sua trajetória de vida, o lugar que Defoe atribuiu a si mesmo em seus romances foi sempre o daquele que edita e organiza informações que foram passadas por outrem. Seu primeiro romance, Robinson Crusoe (1719), conta a história de um navegante que naufraga em uma ilha e ali vive por 28 anos antes de retornar à sua terra natal. A obra já traz a questão da veracidade de forma nítida em alguns trechos de seu prefácio: O editor acredita que esta é uma sincera história de fatos; não há nenhum aspecto de ficção nela: contudo, pensa, tendo em mente que estas histórias são lidas apressadamente, que o conteúdo que ela pode trazer, tanto em termos de diversão quanto de instrução ao leitor, são de igual tamanho, e tal como ele acredita, sem
6 6 mais saudações, ele presta grande serviço ao realizar tal publicação (DEFOE, 1719: p. IV, tradução nossa). Outro aspecto que se repete em seus prefácios e que é perceptível no trecho acima é a justificativa didática e moralizante das narrativas. O autor não só fornece a verdade dos fatos da história de um indivíduo, mas também aconselha que ela seja lida com intuito edificante, de forma que possa se aprender com os acertos e erros de seus protagonistas. Entretanto, para além destes padrões, é importante compreender as diferentes manifestações deste diálogo com o leitor, levando em consideração também as descontinuidades nas estratégias de se legitimar a veracidade dos enredos. Em seu segundo romance, The Farther Adventures of Robinson Crusoe (1719), a história do navegante continua e Defoe volta a afirmar a veracidade dos acontecimentos que narra, dessa em vez em tom de desconfiança, como se respondesse a críticas: Todos os esforços de pessoas invejosas em acusar esta história de ser apenas um romance, em procurar erros na geografia, inconsistência na narrativa e contradições nos fatos se provaram falhos e tão impotentes quanto maldosos (DEFOE, 1719: p. xi, tradução nossa). O autor/editor continua a expressar sua indignação afirmando que as acusações feitas contra o caráter verdadeiro de suas publicações é um crime, que tal atitude não difere de um roubo e da invasão de uma casa. Assim como a qualquer outro criminoso, Defoe deseja que os indivíduos que o acusam de criar falsas histórias sejam punidos; espera que a justiça seja feita (DEFOE, 1719: pp. XI XIII). Este clima de desapontamento que perpassa o prefácio de The Farther Adventures of Robinson Crusoe, simultaneamente, reafirma a verdade de seu relato e tenta sensibilizar o leitor, para que o mesmo não se convença com as acusações feitas às suas publicações. Em Memoirs of a Cavalier, juntamente com a estratégia da negação da autoria, Defoe faz referência a grandes acontecimentos históricos inserindo o personagem em outras histórias aceitas como verdadeiras. A obra consiste no relato da trajetória de um guerreiro que lutou pelo exército da Suécia na Guerra dos Trinta Anos e que participou das Guerras Civis inglesas na década de Defoe afirma que o manuscrito das memórias deste guerreiro foi encontrado, sem assinatura nem autoria, pelo secretário de Estado do Rei William III ( ), ao que tudo indica, vinte anos após terem sido escritas (DEFOE, 1721: p. XI). Defoe reitera que várias histórias sobre estas guerras foram escritas e que elas confirmarão grande parte dos acontecimentos que ali serão narrados, caso seja necessário, mas que nenhuma delas tem a qualidade desta, pois aqueles relatos não trazem os detalhes e as minúcias que as memórias deste guerreiro, que viveu tais momentos históricos, levam a público (DEFOE,
7 7 1721: p. XIII). Com tom de desconfiança, semelhante ao do prefácio de seu segundo romance, Defoe se dirige a seu leitor, dizendo: Não há nada a ser contestado contra os méritos deste trabalho, tendo em vista que sua verdade está calcada na História Universal e quase todos os fatos, especialmente aqueles memoráveis, são confirmados por todos os escritores daquela época (DEFOE, 1721: p. XIV, tradução nossa). O autor termina o prefácio dizendo que a qualidade e a veracidade da narrativa devem ser colocadas à prova na própria leitura e que a história deve falar por si mesma, independentemente de opiniões externas (DEFOE, 1721: p. XVI). Nas suas duas subsequentes obras, Moll Flanders (1722) e Roxana (1724), Defoe, mais uma vez, muda seu posicionamento diante do leitor. Ambas as histórias foram relatadas, segundo o autor, pelas próprias protagonistas e nos dois casos foi necessário trocar os nomes e esconder alguns detalhes para que familiares ou conhecidos destas mulheres não as reconhecessem no relato, ou mesmo porque algumas das atitudes das personagens eram demasiadamente vergonhosas ou condenáveis e não haveria motivo para publicá-las. Entretanto, há uma diferença importante: na história da ladra Moll Flanders, Defoe afirma no prefácio que ouviu a história da boca de sua protagonista, mas coloca para o público a responsabilidade de decidir se a história contada é verdadeira ou não, contentando-se em deixar o leitor formar sua própria opinião sobre as próximas páginas, entendendo-as como preferir (DEFOE, 1722: p. VII, tradução nossa). Em Roxana, ao contar a história desta prostituta, o autor volta a endurecer sua afirmação acerca da verdade da narrativa, ao dizer que ela difere de outras obras publicadas na época pois seu fundamento está calcado na verdade dos fatos, portanto o trabalho não é uma estória, mas uma história (DEFOE, 1724: p. XIII, tradução nossa). A última obra de Defoe em que o diálogo com o leitor tem grande importância é Colonel Jacque (1723), que conta a história de um garoto abandonado que após ter vivido como ladrão, já adulto, torna-se mercador e desenvolve uma carreira militar de sucesso. Novamente a história foi contada pelo próprio protagonista e Defoe, assim como em Moll Flanders, deixa incerta a verdade dos fatos. Neste momento, a utilidade da narrativa em instruir moralmente o leitor, seu poder de desencorajar tudo que é ruim e encorajar tudo que é virtuoso e bom (DEFOE, 1723: p. XV, tradução nossa), é mais importante do que dizer se Colonel Jacque estava ou não a dizer a verdade. Para Defoe não há objeção a ser feita à narrativa: [...] nem é o momento de se perguntar se o Coronel nos contou sua verdadeira história ou não; se ele fez dela uma história ou uma fábula, ela será igualmente útil
8 8 e capaz de fazer o bem; e dessa forma ela mesma legitima sua qualidade sem a necessidade de nenhuma outra introdução (DEFOE, 1723: p. XVI, tradução nossa). Neste momento, o romancista volta a se isentar da responsabilidade de legitimar a verdade dos fatos narrados. Defoe afirma que a história lhe foi contada pelo próprio Coronel e ao invés de dizer que o leitor deve decidir se acredita ou não no que vai ler, desvia o foco, afirmando que diante do valor moralizante da narrativa a verdade do que o protagonista lhe contou não é tão importante. Conclusões Como foi possível perceber, as estratégias de diálogo com o leitor utilizadas por Daniel Defoe em seus romances têm como principal intuito conferir verossimilhança e, mais do que isso, veracidade às narrativas publicadas. A negação da autoria, a afirmação de que o conteúdo original foi acessado em memórias ou por meio de relatos orais e, em alguns casos, o ato de conferir a responsabilidade pela legitimação da verdade da narrativa ao leitor, são os principais mecanismos que o romancista utiliza para atribuir veracidade e coerência às suas histórias. Isentando-se da autoria, Defoe pode afirmar que o conteúdo de seus escritos não é invenção sua, já que são relatos dos próprios protagonistas e, ao mesmo tempo, deixar aberta a questão para que o público possa opinar, confirmando a verdade do relato, ou deixando que o leitor tire suas próprias conclusões. Em todos os casos analisados, a função moralizante se faz presente na narrativa, mas apenas em Colonel Jacque Defoe chega a afirmar que ela é a mais importante e que independe da verdade dos fatos narrados. Estes aspectos são muito importantes para se compreender a relação entre autor e leitor neste momento, na medida em que estão relacionados com os interesses do público. Como já foi dito, os jovens de origem comum, por muitas vezes recém chegados à cidade, eram aqueles que compunham as novas fileiras de leitores em fins do século XVII e início do XVIII. Estes eram os principais leitores de romances, tendo em vista que os aristocratas, leitores mais tradicionais, estavam mais interessados nas antigas convenções literárias. A verossimilhança que estas narrativas construíam foi fundamental na repercussão do gênero por possibilitarem aos jovens leitores uma íntima identificação com os personagens, que lhe serviram de exemplo e referencial de comportamento. Acreditar, ou simplesmente cogitar crer na verdade dos fatos narrados era algo importante para o anseio destes leitores que buscavam se nortear por suas leituras. Levando em consideração estas características dos leitores da época, é possível concluir que a verossimilhança aliada à função moralizante e instrutiva da narrativa, afirmados de forma enfática por Daniel Defoe, assim como por outros romancistas,
9 9 foram elementos decisivos para o sucesso da recepção do novo gênero que se encontrava em formação no início do século XVIII. As formas de diálogo com o leitor utilizadas por Defoe, não só conferiam veracidade e valor moral a seus textos, mas também forneciam indícios de como seus romances deveriam ser compreendidos. O cenário, os personagens, suas características, os eventos narrados e todos os outros elementos da narrativa deveriam ser compreendidos de forma coerente como parte de um mundo específico. A construção do enredo e dos protagonistas nos romances de Defoe tinha como um de seus objetivos principais a aproximação entre aquilo que era lido e o que era vivido. Dessa maneira, por mais estranhas e surpreendentes que fossem, as narrativas de Defoe almejavam inserir o leitor em um mundo que parecesse verdadeiro. Ou seria ainda plausível dizer que estes textos almejavam se inserir em um mundo vivido verdadeiro: se inserir no mundo de experiências possíveis do leitor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORPUS DOCUMENTAL: DEFOE, Daniel. Memoirs of a Cavalier: or a Military Journal of the wars in Germany, and the wars in England from the Year 1632 to the Year London: James Lister, Roxana or, The Fortunate Mistress. London: D. A. Talboys, 1840 (1724).. The Farther Adventures of Robinson Crusoe; Being the Second and Last Part of His Life, And of the Strange Surprising Accounts of his Travels Round three Parts of the Globe. London: W. Taylor, The Fortunes and Misfortunes of the Famous Moll Flanders, Who was born in newgate and during a Life of continu d Variety for threescore Years, besides her childhood, was twelve Years a whore, Five times a Wife (where once to her brother) Twelve years a Thief, Eight Year a transported Felon in Virgini, at last grew Rich, liv d Honest, and died a penitent. London: W. Chetwood, The History and Remarkable Life of the truly Honourable Col. Jacque. Commonly call'd Col. Jack, who was Born a Gentleman, put 'Prentice to a Pick Pocket, was Six and Twenty Years a Thief, and then Kidnapp'd to Virginia, Came back a Merchant; was Five times married to Four Whores; went into the Wars, behav'd bravely, got Preferment, was made Colonel of a Regiment, came over, and fled with the Chevalier, is still abroad compleating a Life of Wonders, and resolves to dye a General. London: J. Brotherton, The Life and Strange, Surprizing Adventures of Robinson Crusoe, Of York, Mariner: Who lived Eight and Twenty Years, all alone in an un-inhabited Island on the Coast of America, near the Mouth of the Great River of Oroonoque; Having been cast on Shore by Shipwreck, wherein all the Men perished but himself. With An Account how he was at last as strangely deliver'd by Pyrates. London: W. Taylor, 1719.
10 10 ESTUDOS DARNTON, Robert. O beijo de Lamourrette: Mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, DAVIS, Lennard J. Factual Fictions: The origins of the English novel. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, HORRELLOU-LAFARGE, Chantal; SEGRÉ, Monique. As modalidades da leitura. In: Sociologia da leitura. São Paulo: Ateliê Editorial, HUNTER, J. Paul. Before novels: the cultural contexts of eighteenth-century English fiction. New York: Norton, RICHETTI, John (Ed.). The Cambridge companion to the Eighteenth-century novel. Cambridge: Cambridge University Press, SANTOS, Roger Maioli. As viagens de Gulliver e a ascensão do romance inglês. Dissertação de Mestrado. FFLCH/USP, VASCONCELOS, Sandra G. A formação do romance inglês. São Paulo: Hucitec, Dez lições sobre o romance inglês do século XVIII. São Paulo: Boitempo Editorial, WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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