A evolução da apropriação do rio e impactos decorrentes

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1 Por meio dos falhamentos e de obras ligadas à abertura de poços artesianos, penetram resíduos poluentes decorrentes das atividades humanas, tanto agrícolas quanto industriais, comprometendo, assim, a qualidade do grande aqüífero. Por outro lado, em se tratando de águas superficiais, a bacia do rio Piracicaba constitui-se num dos mais importantes tributários do principal rio do Estado de São Paulo: o Tietê. O rio Piracicaba pertence à Unidade de Gerenciamento dos Recursos Hídricos das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí UGRH-5, que abrange uma extensão territorial de km² ( km² no Estado de São Paulo e 1280 km² no Estado de Minas Gerais). Além do rio Piracicaba, destacam-se seus afluentes com suas respectivas áreas de microbacias: o rio Corumbataí, principal manancial de abastecimento urbano; o rio Guamium, cujo curso, integralmente inserido no município, apresenta várzeas alagadiças ainda em condições de preservação; o Córrego do Enxofre, que deságua próximo ao Centro Cívico e ao Parque do Trabalhador; o Itapeva (escondido debaixo da Av. Armando de Salles Oliveira); e o Piracicamirim, maior microbacia de contribuição do município, com 121 km², que, por sua extensão, absorve atualmente o grande vetor de crescimento populacional, podendo trazer conseqüências, a médio e longo prazo, que preocupam a atual gestão. A evolução da apropriação do rio e impactos decorrentes Desde a sua fundação, em 1767, a cidade de Piracicaba apresenta uma posição geográfica estratégica em relação ao avanço da civilização no continente sul americano. O povoado de Piracicaba servia de ponto de apoio para as embarcações que desciam o rio Tietê, bem como dava retaguarda ao abastecimento do Forte de Iguatemi, na fronteira do Brasil com o Paraguai. A posição de Piracicaba como ponto de cruzamento de rotas terrestres e fluviais está registrada na história do Brasil desde o período pré-colombiano, fazendo parte da trama do Peabirú, o lendário caminho indígena que ligava o litoral brasileiro ao Paraguai e à rede de caminhos do Império Inca nos Andes. No século XVIII, Piracicaba fazia parte do roteiro do ouro, uma vez que por aí passava o Picadão de Cuiabá, que, segundo a tradição, cruzava o rio Piracicaba em frente ao atual Largo dos Pescadores. Situada às margens do rio Piracicaba, esta cidade cresceu e chegou a uma população da ordem de 328 mil habitantes, constituindo-se, portanto, numa cidade média, preservando de certa forma as margens do rio Piracicaba e o traçado de seu curso original (Figuras 99 a 101). O modelo de desenvolvimento urbano adotado seguiu os parâmetros urbanísticos dos grandes centros urbanos brasileiros, durante a segunda metade do século XX, que, aos poucos, retificaram, canalizaram e tubularam a maior parte dos cursos d água. 158

2 Figura 99: Orla do rio Piracicaba, presença da atividade pesqueira Fonte: Levantamento fotográfico realizado em 10 jul. 2007, pela autora. Figura 100: Engenho, patrimônio arquitetônico de Piracicaba Fonte: Levantamento fotográfico realizado em 10 jul. 2007, pela autora. Figura 101: Vista da orla do rio em direção ao salto de Piracicaba Fonte: Levantamento fotográfico realizado em 10 jul. 2007, pela autora. 159

3 De maneira geral, com a industrialização, a cidade voltou às costas para os rios e passou a valorizar o sistema viário, fazendo dos rios seus canais de esgoto e depreciando suas margens, tornando-as insalubres e degradando sua paisagem. O rio Piracicaba teve seu fluxo alterado na década de 1960, pela construção do Sistema Cantareira 10, sofrendo com isso graves conseqüências em sua cadeia ecológica, além de prejudicar o abastecimento dos aqüíferos, que vêm sofrendo nas últimas décadas pelo impacto da poluição hídrica. As atividades econômicas predominantes em Piracicaba são a indústria canavieira de produção de açúcar e álcool e a indústria metalúrgica. No entanto, a médio e longo prazo, outra indústria acena com amplas perspectivas de geração de divisas, de emprego e de integração social: a indústria do turismo e do ecoturismo. A área principal de expansão do turismo situa-se ao longo do rio Piracicaba e caminha, a partir da cidade de mesmo nome, na direção oeste, conectando-se ao circuito de Águas de São Pedro, Brotas e Barra Bonita. Atualmente, o município mantém uma importante posição no Estado de São Paulo, pela sua caracterização ambiental, econômica, cultural e urbanística. Esse perfil, desde que integrando todas as dimensões, tem o potencial de promover o crescimento dos setores de turismo e ecoturismo do município de Piracicaba e de sua microrregião administrativa Motivos que levaram à elaboração do Plano O Projeto Beira-Rio surgiu da necessidade de se utilizar de forma racional os recursos naturais inerentes ao rio, visando à sustentabilidade ambiental, econômica e cultural, cuja principal meta é o equilíbrio do binômio rio-cidade. O impacto do Sistema Cantareira e, principalmente, o despejamento do esgoto in-natura, sem tratamento, dos municípios vizinhos, Campinas e Americana, em tributários ou no próprio Piracicaba, contribuíram para o alto nível de poluição das águas, alertando para a necessidade de um plano capaz de reverter a situação de degradação visível. Como colocado, o rio Piracicaba conta com a atuação do Comitê das Bacias Hidrográficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ, implantado em novembro de 1993), que envolve o Estado, os municípios e a sociedade civil. O CBH PCJ, de âmbito estadual, atua em parceria com o Comitê Federal de mesmo nome, em prol da melhoria dos rios da bacia, o que extrapola o Estado de São Paulo, envolvendo Minas Gerais. 10 O Sistema Cantareira é responsável pelo abastecimento da RMSP e faz a transposição entre duas bacias hidrográficas, importando água da bacia do Piracicaba para a bacia do Alto Tietê, desde 1976, quando se iniciaram as barragens dos rios Jaguari e Jacareí, tributários do rio Piracicaba. Disponível em: cantareira - acesso em 17/11/

4 A mobilização desses fóruns possibilitou o contacto com a ANA (Agência Nacional de Águas), cujas ações integram o Programa Nacional de Despoluição dos Rios Brasileiros, garantindo a futura captação de recursos financeiros para obras de saneamento nos municípios das referidas bacias. A partir da constatação da importância cultural do rio para a população local, revelada em estudo antropológico 11 realizado em 2001, o Projeto Beira Rio foi ampliado, resultando no Plano de Ação Estruturador (PAE), que contém objetivos e diretrizes para a recuperação do rio Piracicaba. Figura 102: Vista das margens do rio para o centro de Piracicaba. Em destaque o edifício Prefeitura Fonte: Levantamento fotográfico realizado em 10 jul. 2007, pela autora. Figura 103: Vista das orlas do rio Piracicaba Fonte: Levantamento fotográfico realizado em 10 jul. 2007, pela autora. 11 A elaboração do estudo antropológico foi coordenada pelo antropólogo Arlindo Stefani, que animou encontros, seminários, percursos e viagens a pé e de barco por toda a orla municipal, coletando informações e redescobrindo uma Piracicaba da qual os próprios piracicabanos não se lembravam mais. Ao final, a extensa gama de informações foi sintetizada no volume A cara de Piracicaba (PAE, p.14). 161

5 4.1.3 Atores A mobilização inicial pró-recuperação do rio partiu da população, da imprensa e de indústrias locais, resultando no Projeto Beira-Rio, mais tarde ampliado para o PAE Plano de Ação Estruturador com a participação do Poder Público e da Sociedade Civil. O Poder Municipal atuou por meio do Instituto de Pesquisas e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP), da Secretaria Municipal de Defesa do Meio Ambiente e da Secretaria Municipal de Planejamento. Já a participação da Sociedade Civil ocorreu por meio do tripé empresas, organização não-governamental (ONG - Piracicaba 2010) e instituição de ensino (ESALQ/ USP Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz). Além disso, o projeto contou com o monitoramento do Ministério Público do Estado de São Paulo (ator Indireto do processo). São também importantes atores nesse processo o CBH-PCJ e o Consórcio Intermunicipal Objetivos O PAE estabelece seis objetivos principais que correspondem, cada qual, a diretrizes específicas: Recuperar a qualidade da água; Preservar o Cinturão meândrico; Reestruturar o tecido urbano; Incentivar o rio como caminho; Conservar a Paisagem; Conectar o cidadão ao rio Diretrizes Diretrizes para recuperar a qualidade da água: Recuperar a qualidade da água priorizando o saneamento, concluindo o sistema de interceptores paralelos ao rio e a construção da ETE Estação de Tratamento de Esgotos, e implantando a coleta seletiva, a reciclagem do lixo e a industrialização dos resíduos sólidos. Diretrizes para preservar o cinturão meândrico: Preservar o cinturão meândrico recuperando-o onde necessário e promovendo a conservação ambiental da faixa territorial envolvente ao cordão meândrico do Rio Piracicaba, criando um corredor biológico. 162

6 Diretrizes para reestruturar o tecido urbano: Reestruturar o tecido urbano adotando o rio Piracicaba como curso principal para a implantação de projetos e, posteriormente, os seus afluentes, e elaborando um zoneamento ecológico-econômico do município, visando um novo paradigma de ocupação antrópica do meio físico. Diretrizes para incentivar o rio como caminho: Incentivar o rio como caminho explorando a visão da cidade a partir do rio Piracicaba, com a implementação da navegação fluvial e de novos sistemas de transporte urbano multimodal, com ênfase nos veículos movidos a energia limpa e a implementação de circuitos de um bonde turístico. Diretrizes para conservar a paisagem: Conservar a paisagem protegendo o patrimônio cultural e ambiental da cidade, por meio de instrumentos de uso e ocupação do solo (diretrizes de gabarito e de densidade) ao longo da faixa de proteção do rio, de modo articulado ao novo Plano Diretor. O objetivo é manter e recuperar as paisagens memoráveis da cidade, e, em alguns casos, até acrescer novas obras de arte urbana. Este item previa a geração de emprego e renda, para evitar a gentrificação. Diretrizes para conectar o cidadão ao rio: Conectar o cidadão ao rio por meio da criação de um Corredor Ecossocial, que inclui trilhas urbanas, e do incentivo de percursos a pé, coordenando meios de transporte motorizados com o pedestre Propostas Assim como as diretrizes, as propostas também foram agrupadas segundo os seis objetivos estabelecidos no PAE. Propostas referentes à qualidade da água: Redução do escoamento do lixo e resíduos para o leito do rio por meio de coleta seletiva e reciclagem e industrialização dos resíduos sólidos; implantação de coletor tronco como medida de infra-estrutura de saneamento; uso de pisos drenantes nas áreas de estacionamento como medida de ampliação da drenagem superficial por infiltração e plantio de árvores. 163

7 Figura 104: Proposta de recuperação do rio Piracicaba sobre a foto aérea 2000 Fonte: Proposta de Adequação Ambiental e Paisagística do Trecho Urbano do Rio Piracicaba e Entorno in IPPLAP (2003, Anexo 8) Propostas referentes à preservação do cinturão meândrico: Criação de APAs (Áreas de Proteção Ambiental) ao longo do cinturão meândrico do rio Piracicaba, do tributário Corumbataí e demais microbacias inseridas no âmbito do município. Propostas referentes à reestruturação do tecido urbano: Criação de comportas ao lado do rio para controle das enchentes; dinamização dos usos na Rua do Porto; conexão da Rua do Porto com o Parque Beira-Rio, com o Paço Municipal e com o tecido urbano central; valorização dos percursos de pedestres e melhoria da acessibilidade por meio de redutores de velocidade nas áreas de travessia das avenidas paralelas à orla; valorização das vias transversais, visando a integração do tecido urbano; criação de áreas destinadas a estacionamentos de veículos; desenvolvimento de novos sistemas de transporte urbano multimodais, com ênfase nos movidos à energia limpa; implementação de circuitos de um bonde turístico e ônibus ou trólebus para integrar as áreas perimetrais ao eixo principal de influência do rio e para valorizar os circuitos turísticos; tombamento das quadras adjacentes à Rua do Porto e incentivo à restauração das fachadas das edificações; adequação imobiliária e controle da verticalização; multiplicação das áreas públicas e implantação e melhoria de equipamentos esportivos. 164

8 Figura 105: Escala Urbana do Projeto Beira-Rio, dividido em oito trechos Disponível em: < Acesso em 12 jul