O BOM JESUS DO SAIVÁ: MEMÓRIA E IDENTIDADE EM ANTONINA/PR
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- Rosa de Barros Avelar
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1 O BOM JESUS DO SAIVÁ: MEMÓRIA E IDENTIDADE EM ANTONINA/PR Gabriela Cubaski Sala (IC/ARAUCÁRIA/UEL) Profª. Drª Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez (orientadora) Resumo Segundo Funari e Pelegrini, o patrimônio rompeu com suas bases aristocráticas, e hoje é resultante de transformações nas sociedades modernas. Com o surgimento dos estados nacionais, houve uma transformação no conceito de patrimônio, e ele foi amplamente utilizado para esta invenção de cidadãos. Porém, fizemos um recorte desta ampla abrangência que o termo patrimônio possui, e direcionamos está pesquisa ao patrimônio cultural religioso, mais especificamente. A imaterialidade dos sentimentos religiosos associa-se também a materialidade das igrejas e objetos sacros, isto tudo mesclado com o referencial identitário de cada fiel, com suas memórias. É assim também a relação que os fiéis Antoninenses possuem com a Igreja do Bom Jesus do Saivá, localizada em Antonina/PR, e com o seu santo padroeiro. A Capela do Bom Jesus do Saivá, segundo tradição oral, teria sido construída pelo Capitão Mor Manoel José Alves, por volta de 1789, fruto de uma promessa. O método do paradigma indiciário de Ginzburg será utilizado para investigar a forte relação de memória e identidade que a comunidade local possui com este bem patrimonial, e com a imagem de seu santo de devoção. PALAVRAS-CHAVE: Identidade; Patrimônio Religioso; Antonina 81
2 Conclusão de Curso. Este trabalho é uma adaptação do meu a Projeto do Trabalho de A questão patrimonial tem se tornadoum assunto muito discutido na ultima década. Porém a preocupação dos historiadores não estão apenas centradas em prédios antigos que tenham sido cenários de acontecimentos grandiosos, ou representem a glória de governantes ou da classe privilegiada, entre outras coisas. Deixando de lado isso, a historiografia em geral, não só a referente ao patrimônio, tem se voltado para o micro, e não para o macro. Ao observarmos os tombamentos de bens mais recentes, conseguimos notar a mudança que houve nos tipos de tombamento e registros. Como já mencionado, havia antes uma preocupação com acontecimentos marcantes e atrelados na maioria das vezes à classe hegemônica. Assim, o conceito Patrimônio se expandiu e hoje pode ser dividido em dois tipos: Material e Imaterial (ou intangível). O Patrimônio Imaterial é um registro de uma cultura, uma crença, um saber. E o Material, mas relevante nesta pesquisa, divide-se em quatro diferentes Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; e belas artes. O termo patrimônio tem origem na sociedade clássica romana, onde patrimonium designava os bem pertencentes a um pai de família (pertences materiais, como imóveis e escravos), ou seja, referente a elite romana. No medievo passou a designar igrejas e catedrais. Passou a ser algo coletivo, entretanto permaneceu aristocrático. Segundo os historiadores Pedro Funari e Sandra Pelegrini, o patrimônio rompeu com suas próprias bases aristocráticas e hoje resulta da transformação das sociedades modernas, ou seja, do surgimento dos estados nacionais. A revolução francesa é um marco para a formação do Estado Nacional. Quando a 82
3 revolução acabou, era preciso que os habitantes desta nova república se unissem e se sentissem pertencentes a ela, era necessário forjar seus cidadãos. Essa união deveria ser feita, sobretudo em um âmbito cultural, pois somente a cultura poderia [...] fornecer meios para que compartilhassem valores e costumes, para que pudessem se comunicar entre si, para que tivessem um solo e uma origem supostamente comuns. (FUNARI; PELERINI, 2006, p. 15). Pra que a França que conhecemos hoje fosse consolidada, foi necessário investir em políticas educacionais, para que as crianças já aprendessem sobre essa nação que pertenciam. Os estados nacionais tiveram que primeiramente investir nos cidadãos, e por meio da educação por exemplo, foi possível difundir a língua nacional. Os estudiosos do assunto denominam isto de introjeção ou doutrinação interior, que insere nos jovens sentimentos e conceitos que passam a fazer parte do que compreendem do mundo. No pós guerra esse nacionalismo foi superado. Após a destruição de bairros e cidades inteiras na Guerra, como a cidade de Varsóvia, capital da Polônia, houve uma conscientização e posteriormente uma maior preocupação com os valores identitários que lugares como estes, com um vinculo muito maior com a população, possuíam. Desta forma, passou-se a observa-los como lugares [...] socialmente produzidos, privilegiados pelo acumulo de experiências humanas [...], resultante da permanente apropriação das coisas do passado. (FUNARI; PELERINI, 2006). Assim, a definição moderna de patrimônio se pauta muito mais neste âmbito cultural, superando aquele forjamento da Revolução Francesa. Torna-se algo mais concreto para a população, pois agora ele está vinculado a algo do qual participaram. Mercados, estações de trem, bairros residenciais, os verdadeiros lugares de memória, tendo por conceito de memória o estoque material daquilo que nos é difícil ou impossível lembrar, aquilo que tínhamos a necessidade de nos recordarmos. A medida que nossa memória tradicional vai se extinguindo, acabamos por acumular coisas, documentos, imagens, e os materializando (NORA, 1993). Inserida nesta nova temática da historiografia, a pequena cidade de Antonina, localizada no litoral paranaense teve importante participação na história do 83
4 Paraná, pois foi uma importante produtora de erva mate no sul do Brasil, além de ser uma cidade portuária, por onde majoritariamente a produção da Capital da Província e de toda região era exportada. Antonina foi uma cidade muito próspera, e ainda podemos ver as reminiscências de suas construções pelo casario que ainda é conservado no centro histórico da cidade. A Igreja sempre foi uma instituição muito presente na sociedade brasileira, ditadora e mantenedora de costumes. Em Antonina não foi diferente, tendo ainda conservado alguns dos templos da época de ouro da cidade, que são símbolo de fé e principalmente de identidade. Entre estes templos está a Igreja do Bom Jesus do Saivá, objeto desta pesquisa. Segundo Simone Nolasco (2010, p.121), A religião (...) foi utilizada ora como definidora de identidades (a aproximação e redefinição de representações), ora como mantenedora de tradições culturais, ou mesmo formas de sobrevivência, resistência, um abrandamento do processo de dominação colonial, elemento na busca de status e ascensão social, auxílio material e benesses espirituais. Segundo a tradição oral, a Igreja do Bom Jesus do Saivá teria sido construída para o pagamento de uma promessa. A esposa do Capitão Manoel Alves adoentada, e ele teria prometido ao Bom Jesus, seu santo de devoção, que caso ela se curasse da enfermidade, construiria uma capela como forma de agradecimento. Acredita-se que a construção tenha se iniciado por volta de Verdade ou não, o fato é que até hoje Manoel Alves é tido como patrono da igreja e seu corpo encontra-se enterrado em sua soleira. Segundo consta no livro Tombo, o capitão Manoel Alves faleceu no ano de 1837 e deixou donativos para o término da construção da igreja. Porém, o dinheiro não foi suficiente para tal, e foi necessária a criação da Irmandade do Senhor Bom Jesus do Saivá, em 1866, com o intuito de angariar fundos para concluir as obras. A igreja teria funcionado regularmente de 1866 a 1900, quando a irmandade teria entrado em declínio. No ano de 1910, não possuindo mais fundos para a manutenção da 84
5 capela e tendo a situação se agravado após um desmoronamento na fachada, o templo foi enfim fechado para o uso dos fiéis. A constituição da igreja do Bom Jesus do Saivá foi um caso incomum, pois normalmente as Irmandades nascentes, reuniam-se em altares laterais de outras igrejas até que obtivessem dinheiro suficiente para construir a sua própria igreja. Para a historiadora Françoise Choay (2010), os locais de culto religioso seriam testemunhos de um passado secular, construindo através da acumulação de vestígios e conquistas, uma imagem da identidade humana. Nas palavras de Pierre Nora, são marcos testemunhais de outros tempos, sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa sociedade [...], e neste ponto, a memória torna-se instrumento fundamental da história. Cada um quer se lembrar dos momentos bons vividos, quer ser historiador de si mesmo (NORA, 1993), redefinindo sua identidade e sua história. A imagem do Bom Jesus do Saivá, é uma imagem setecentista em madeira, e nota-se que foi feita por um hábil artesão. Sendo assim, ela possui também valor artístico, como a maioria das imagens que adornavam os altares país a fora. Em janeiro de 1984, alguns anos após a reabertura da igreja, a comunidade foi surpreendida pelo roubo da imagem do seu Senho do Bom Jesus do Saivá, que foi levado durante a noite. O acontecimento fui muito traumático para todos os fiéis, e 20 anos depois do ocorrido, ainda se recordam horrorizados de tal acontecimento. Mediante tudo isto, tenho como objetivo principal constatar o vinculo e identitário entre comunidade e Igreja, através de sua memória. Pensar através deste ocorrido, o significado simbólico da peça sacra, o que ela representa para a sociedade, bem como o que sua ausência pode sucitar (MARTINEZ, 2013). 85
6 A documentação utilizada para tal, é a documentação a cerca do tombamento da igreja e seus anexos, que encontram-se na Secretária de Patrimônio Cultural do Estado, além de relatórios de presidente de província, relatório de viajantes e relatos orais. Para dar conta desta documentação, serão realizadas leituras sobre a história do Paraná e sobre a patrimonialização do bem destacado neste projeto, afim de conhecer melhor o objeto e o lugar de estudo. Para a análise dos documentos, objetos e imagens sacras da Igreja Bom Jesus do Saivá, em Antonina, a metodologia de Carlo Ginzburg dará suporte à pesquisa. O conceito do paradigma indiciário, abordado por Ginzburg em Sinais: raízes de um paradigma indiciário é muito pertinente para o estudo da história da arte e do patrimônio. O italiano Giovanni Morelli foi o primeiro a utilizar tal método, no final do século XIX. Ele propôs uma nova maneira de classificar quadros antigos, observando exatamente os pormenores mais negligenciáveis [...] : os lóbulos das orelhas, as unhas, as formas dos dedos das mãos e dos pés. (GINZBURG, 1989, p. 144), reconhecendo deste modo, a individualidade do artista. O método indiciário pode ainda ser comparado ao método de Sherlock Holmes, pois o conhecedor de arte é comparável a um detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios imperceptíveis para a maioria. (GINZBURG, 1989, p. 145). Ainda segundo Ginzburg, sempre existem sinais e indícios que podem nos levar a decifrar a verdade, e do paradigma nada se escapa. Deste modo, o paradigma indiciário se faz fundamental para analisarmos bens patrimoniais, seu suporte material e também imaterial, e o lugar onde está inserido. 86
7 Também será feita a utilização dos relatos de viajantes estrangeiros que passaram pela região e os Relatórios dos Presidentes de Província do Paraná, imprescindíveis para a compreensão de aspectos culturais e políticos da época em que a igreja foi construída. Ulpiano Meneses de Bezerra em seu texto A problemática da identidade cultural no museus: de objetivo (de ação) a objetivo (de conhecimento), utiliza o conceito de fetiche de identidade, que será utilizado para análisar este vinculo que a comunidade possui com o referido bem. Segundo ele, a identidade é um processo incessante de construção/reconstrução, e é fruto da interação das sociedades. Ela é sempre uma construção que ocorre no presente, porém sua raiz se encontra no passado. Um passado que através desse fetiche de identidade, é reconstruido no presente (MENESES, 1993). ANEXO Imagem: Igreja Bom Jesus do Saivá. Antonina/Pr Foto: Cláudia Eliane Parreiras Marques Martinez, acervo pessoal. 87
8 Imagem do Bom Jesus do Saivá, madeira, século XVII. Foto: Cláudia Eliane P. M. Martinez 88
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHOAY, Françoise. Alegoria do Património. Lisboa: Edições 70. FUNARI, Pedro Paulo A. ; PELEGRINI, Sandra C. A. O que é patrimônio cultura imaterial.são Paulo: Brasliense, Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., GINZBURG, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário.. In: Mitos emblemas e sinais: morfologia e história. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, MENESES, Ulpiano Bezerra Toledo de. A problemática da identidade cultural no museus: de objetivo (de ação) a objetivo (de conhecimento). Anais do Museu Paulista Nova série, N. 1,1993. NOLASCO, Simone Ribeiro. Patrimônio Cultural Religioso: A herança portuguesa nas devoções da Cuiabá Colonial. Cuiabá: Entrelinhas: EdUFMT, MARTINEZ, Cláudia Eliane P. Maques. Cronologia de um crime no século XX. O roubo do senhor Bom Jesus do Saivá, em Antonina, Paraná, Brasil. Diálogos (Maringá Online), set.-dez/ 2013, v. 17, n. 3, p
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