O ESPAÇO CRIATIVO NA EDUCAÇÃO: CADERNOS DE ARTISTA/PROFESSOR/PESQUISADOR.
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- Edite Corte-Real da Silva
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1 O ESPAÇO CRIATIVO NA EDUCAÇÃO: CADERNOS DE ARTISTA/PROFESSOR/PESQUISADOR. Carolina Ramos Nunes Marisete Colbeich, FATENP RESUMO: Este artigo pretende dialogar sobre os processos criativos dentro da educação traduzidos nos cadernos de artistas participantes de um mesmo grupo de pesquisa, porém, com trajetórias pessoais, profissionais e estéticas diversas. Pretendemos ainda pensar na importância, significado e motivação nos escritos dos cadernos para os educadores do grupo de estudos diante dos encontros do grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke, refletindo sobre a escrita, processo criativo, pintura e educação. Entendendo ambos, caderno/ diário, grupo (atelier) e educação como espaços criativos e propositivos. Palavras-chave: processos criativos, cadernos, educação, entrelaçamentos. 17 A educação no espaço tempo hoje permite ao mesmo tempo que solicita ao educador proposições que reflitam sobre sua atividade docente e o ser docente tanto dentro do espaço escola, como no campo da pesquisa ou produção artística. A necessidade de estar em constante contato com o meio e produção artística conduzem a busca de formações que relacionem a teoria e a prática, e neste encontro surgem proposições que reverberam junto ao ser docente, como a cartografia e a narrativa. Torna-se portanto, relevante considerar o espaço criativo, pensando sobre seu campo expandido, como um elo que relaciona o educador, artista, pesquisador propiciando questionamentos e problematizando teorias que venham de encontro com o universo da educação de arte. Esta relação onde o pensar sobre o mundo educacional que envolva criar sobre este possíveis visualidades é concordante com Lampert, 2010 que justifica: Se pensarmos o artista e sua obra, a poética enquanto relação de diálogo do processo criativo no fazer plástico e em correlação, pensarmos a questão do professor e suas articulações na ação pedagógica, certamente encontraremos o processo criador. (Lampert in Barbosa e Cunha 2010, p. 443)
2 Estar entre espaços é visível nos cadernos de artistas e nas proposições pedagógicas de alguns dos participantes do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, coordenado pela Professora Doutora Jociele Lampert. Durante os encontros semanais que dialogam com o conceito de experiência e a pintura, os participantes elaboram narrativas pessoais que culminam na reflexão das potências do ser artista, professor e pesquisador tanto de forma individual como no coletivo. As escritas em alguns momentos ultrapassam o suporte papel e lápis, moldando-se na prática artística proposta para o encontro e convergindo com as poéticas de cada integrante. Os encontros semanais transformam-se em alfinetes de cabeças vermelhas como aqueles que demarcam lugares viajados em um mapa. Cada encontro é um novo universo dentro da técnica e dentro da perspectiva como educador. Colaborando a esta reflexão Barrio in. Camongia, 2002, argumenta. 18 Cadernos livros tem como conteúdo textos/projetos/documentos/trabalhos/reflexões/contos/ideias/fragmentos de ideias/desenhos/colagens/etc. Cadernos livros tem em si quase a totalidade da documentação.(bairro, 2002, p. 95) A culminância de algumas dessas narrativas surgem no âmbito escolar, através de planos de aulas, proposições artísticas e oficinas. Dentro do espaço pictórico e do território educação formal as experiências teorizadas e problematizadas dentro do grande grupo se torna práticas em outros grupos dentro da sala de aula.
3 Figura 1: Alunos do Curso de Design de Interiores FATENP em oficina de aquarela ministrada pela professora Marisete Colbeich. Arquivo da professora. 19 Diante da reflexão da experiência com o processo pictórico, há esse espaço de criação docente, que vem de encontro com a narrativa e caderno/diário de artista professor, que entrelaça a própria atividade de registro de aulas e diários de classe com um entre que permite ao educador exercer sua potencia criativa. Permeando a pintura, o espaço criativo e a educação, há de se considerar o conceito de experiência de Dewey, 2010, que coloca a experiência pela arte e a arte pela experiência, confrontando o ser com um sujeito subjetivo e com relações particulares sobre e com o mundo. Estar consciente desta relação faz com que essa experiência torne-se singular para que então possa se construir na realidade uma nova relação com o mundo. A experiência ocorre continuamente, porque a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver. Nas situações de resistência e conflito, os aspectos e elementos do eu e do mundo implicados nessa interação modificam a experiência com emoções e ideias, de modo que emerge a intenção consciente. (Dewey, 2010, p. 109) Pensar a experiência junto do Estúdio de Pintura Apotheke e da educação gestam bolsões de possibilidades docentes. Ainda sobre o espaço criativo, o conceito de ateliê contemporâneo, conforme Pequeno (2011), estrutura e conecta o
4 espaço da sala de aula e da atividade docente, como um lugar de troca de experiências, um lugar múltiplo e sem forma premeditada. Em consonância, o grupo de estudos Apotheke realiza encontros nos ateliês dos participantes e de outros artistas da região, possibilitando reflexões variadas sobre o processo criativo e construção criativa do pensamento utilizando o suporte caderno ou livro de artista. O ateliê se caracteriza, então, como fluxo e, para além de suas dimensões espaciais adquire, também, aspectos temporais. Muito mais do que entre, ou sem paredes, o ateliê contemporâneo se caracteriza pelo fluxo de tempo e de pessoas, trânsito e a troca com o outro. Se a contemporaneidade discute o ser exclusivo e induz a pensar um ser múltiplo e provisório, provisoriedade e processo, são instâncias a serem valorizadas, tornando-se evidentes. (Pequeno, 2011, p.14) Na atividade docente o constante trabalho de escritura e registro por parte dos educadores possuem potencias criativas que podem ser desdobradas para reflexos dentro das suas próprias ações educativas. Os cadernos/diários tendem a mesclarem as anotações de técnicas e receitas de pintura com subjetividades dentro do espaço criativo dos encontros do grupo. Ao modo que cada participante desenvolve suas perspectivas de forma a vir de encontro com a proposta de criar experiências significativas em arte. Pensando nas metáforas propostas do Deway, 2010, permite-se criar um elo com os escritos de Preciosa, 2010, que reflete sobre a subjetividade na identidade e na escrita criativa: 20 O aprendizado assume a forma de um circulo, onde o movimento é de reincidir retornar, renovar, reinventar, reiterar, recomeçar. Em última analise a lógica circular do aprender aponta para o inacabamento do processo. (Preciosa, 2010, p.4) Bachelard, 1993, descreve o homem como um ser entreaberto. Assim, na medida em que saímos de nós mesmos para visitar o mundo e retornar trazendo novas leituras e entrelaçamentos estamos nos reconstruindo significativamente, reformulando aquilo que chamamos de EU. Nesse sentido, não abordaremos aqui os cadernos e ou diários de aulas e artistas como os indivíduos e seus objetos, mas, algo como os sujeitos e suas extensões bem como reflexões pedagógicas. O que nos importa, é a grande malha de experiência, que se desdobra continuamente.
5 As práticas afetivas e criativas com o caderno de artista são constantes nos encontros do grupo Apotheke, sendo que em um destes, uma proposição da extensão, recebeu-se o artista, professor, pesquisador, doutor Fernando Augusto da Universidade Federal do Espírito Santo a fim de conversar sobre a escrita criativa e sobre o processo de continuidade do caderno como um objeto artístico. Durante a atividade a proposição (Figura 2) era refletir sobre o caderno de artista como uma extensão do pensamento criativo, mas visando essa criatividade como algo inerente a vida cotidiana voltada para as ações automáticas e necessárias como desde andar de ônibus ou ler um livro. O olhar atento atravessa o corpo, onde o ser passa a ser por completo atento ao seu espaço, e este momento deu-se na oficina aos participantes serem instigados a desenhar aquilo que os atravessa. 21 Esta experiência reflete dentro dos escritos pedagógicos como proposições criativas que colocam o ensino próximo ao ato criativo na escrita. Ao trazer para sala de aula a escrita juntamente com o desenho permite-se criar uma conexão com o modo de se expressar e compreensão sobre temas abordados na história da arte.
6 Figura 2. Encontro com o artista Fernando Augusto no grupo Apotheke, Florianópolis, Pode-se considerar que o encontro permeou os conceitos de experiência, processo criativo e livro de artista, como interligados e complementares ao pensar em um artista pesquisador propositor, sendo afetivamente e subjetivamente ligado aos seus escritos/desenhos. Falar sobre processo criativo não é tarefa fácil, tamanha a subjetividade que o envolve assim como na educação. Os cadernos enquanto documento de registro nos ajudam a traçar caminhos percorridos, estes caminhos dentro da escola são encontrados como processos de aprendizagem através da continuidade do trabalho seja em uma pasta de projetos, no próprio caderno de aula/desenho/matéria ou um compendio particular do estudante. Conforme Salles, 2008, o artista constrói uma linha de pensamento na medida que registra em forma de esboço, diários gráficos, rascunhos, projetos, etc. Tal pensamento, em construção durante o processo de criação dará suporte ao artista e também a quem está de fora para entender melhor o gesto criador. Já no espaço da educação essa relação é possível para compreender o processo cognitivo do aprendizado em artes tanto como forma avaliativa da disciplina como espaço de registro e construção de saberes. Conforme o autor: 22 O artista observa o mundo e recolhe aquilo que, por algum motivo, o interessa. Trata-se de um percurso sensível e epistemológico de coleta: o artista recolhe aquilo que de alguma maneira toca sua sensibilidade e porque quer conhecer. Às vezes, os próprios objetos, livros, jornais ou imagens que pertencem à rua são coletados e preservados. Em outros casos, é encontrada uma grande diversidade de instrumentos mediadores, como os cadernos e desenhos ou anotações, diários, notas avulsas para registrar essa coleta que pode incluir, por exemplo, frases entrecortadas ouvidas na rua, inscrições em muros, publicidades, fotos ou anotações de leitura de livros ou jornais. Esse armazenamento parece ser importante, pois funciona como um potencial a ser, a qualquer momento, explorado; atua como uma memória para obras. (SALLES, 2008, p. 51) Percebemos ainda, no caso dos integrantes do Apotheke como cada caderno se parece com seu dono, reflete uma estética pessoal, o modo de ser/estar no
7 mundo de cada um além do valor intimo dado ao objeto. Dentro do grupo o caderno toma a dimensão também de ateliê, um ateliê movente. Os cadernos fazem parte do processo de cada artista não só como exercício, mas como obra em si se pensada pelo viés do livro de artista e como potencia poética para construções físicas e matéricas do pensamento. Entre aqueles que são professores/artistas/pesquisadores percebe-se uma vertente do caderno voltada para a prática educativa nas escolas, onde as experiências pictóricas transformamse em planejamentos e proposições pedagógicas que venham a colaborar com o ensino e aprendizagem em artes na educação formal de escolas públicas estaduais. Conforme a imagem (figura 3) podese visualizar o registro de um dos 23 participantes.
8 Figura 3. Escritos pedagógicos registros como potências criativas, Florianópolis, Observando os cadernos quase como extensão de seus donos/artistas observamos as capas, o cuidado com as páginas, elementos agregados, destacados. A pressa ou a calma na caligrafia, o reflexo de momentos, fragmentos de vida eternizados em palavras, esboços, colagens, cores e afetos. Memória afetiva diluída em paginas. Lembranças eternizadas, coisas que fizeram ou não sentido, que serão obras ou falas em algum momento pregresso. 24 Dessa forma, podemos pensar no caderno de artista como uma grande colcha de retalhos. Esses fragmentos para outros tão insignificantes acabam por traçar a identidade de cada individuo que os mantém. O conteúdo do caderno é algo que somente faz sentido ao artista, esse conforme citou o professor doutor Fernando Augusto, é um desenho com palavras que leva o artista a fluir esteticamente para não se torne apenas um fazedor. Tal pensamento nos leva a ultrapassar a mera visão funcional do caderno de simples objeto de registro verbal ou visual. Na imagem abaixo (Figura 4), registro de importante momento de discussão do grupo de estudos Apotheke, o caderno é flagrado como além de um objeto uma extensão do ser e do pensamento, torna-se importante constar que cada integrante vê seu trabalho de escritura e composição no caderno de artista de forma particular, vinculando à suas pesquisas pictóricas, escultóricas, cartográficas ou pedagógicas, o que torna mais significativa a estruturação do processo criativo.
9 Figura 4. Escritos no caderno de artista durante encontro do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke. Florianópolis, Considerações finais Até o momento, foi possível constatar que alguns dos artistas envolvidos possuem grande apego afetivo os seus diários, cada caderno tem realmente a expressão de seu dono. Alguns dos participantes do grupo presencial, no total de onze, demonstram maior intimidade com o caderno, tendo sempre em mãos e que esse material serve tanto para esboços quanto para anotações de diversos tipos. Em contrapartida notamos aqueles que não são tão apegados ao caderno também como objeto de interesse. Nos participantes educadores percebe-se uma ênfase ao aproximar suas experiências a vivencias educativas, onde o espaço possibilitado pelo grupo é gerador de uma potência criativa que vincula suas experiências com a uma reflexão e produção sobre o ensino de arte no hoje. Entendemos que manter um caderno de artista também é uma forma de se expor, de se mostrar e exige do individuo reflexão constante onde a memória é parte
10 requisitada. Ainda se percebe que os encontros permanecem constantes e de certa forma documentados a partir dos escritos e relatos de cada participante, remodelando-se em processos colaborativos criativos. Pois, os cadernos de artista apresentam aspecto narrativo e abrigam a ideia primeira da obra, sua representação que poderá ou não vir a ser reprodução. Portanto, os cadernos acabam se transformando em uma forma de auto registro dos processos individuais de trabalho. Tais processos efetivamente se refletem no fazer de sala de aula, nas práticas cotidianas, anotações e conteúdos dos cadernos viram ações efetivas e formativas. Já nas escolas e nos registros dos educadores participantes do grupo, perceber-se um desdobramento das oficinas e proposições que ampliam suas percepções pedagógicas e reaproximam os conceitos da proposta triangular disposta em documentos educacionais adotados pela Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina com suas práticas em sala de aula. 26 Quanto ao grupo, em si, podemos constatar que para muitos é uma possibilidade impar de manter, resgatar e/ou pensar constantemente seus processos criativos visando que seus integrantes são compostos desde artistas, professores de artes de escola públicas, a pesquisadores do mestrado em artes. Ser parte ativa de um grupo de pesquisa que mescla teoria e prática parece estar sendo a mola motivadora de todos os envolvidos. As trocas de experiências e mesmo os encontros são formas de dividir e construir novas amizades, experiências e aprendizagens. É sem dúvida um motivo a mais para criar. Nossas reflexões, mesmo que parciais demonstram que o artista contemporâneo possui uma diversidade de recursos em sua produção criativa. E o caderno, mesmo não pensado/planejado para esse fim, traz grande possibilidade de autocrítica e reflexão. Também, favorece o amadurecimento artístico dos indivíduos envolvidos através de sua própria experiência de grupo e refletida nos cadernos, materiais também estéticos.
11 Com isso torna-se relevante aos professores/artistas/pesquisadores a construção de diários/ cadernos de artistas que reaproximem suas práticas pedagógicas ao exercício criativo por meio da escrita e da experiência proporcionadas pelos encontros do grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke. REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, CAMONGIA, Ligia. Barrio Dinamite. In. Artur Barrio. Rio de janeiro: Modo, DEWEY, John; BOYDSTON, Jo Ann; KAPLAN, Abraham. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, BARBOSA, Ana Mae Tavares Bastos; Cunha, Fernanda Pereira da. A abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. São Paulo: Cortez, PRECIOSA, Rosane. Rumores Discretos da Subjetividade: Sujeito e Escritura em Processo. Porto Alegre: Sulina, SALLES, Cecília Almeida. Redes de criação: construção da obra de arte. 2ª Ed. São Paulo: Horizonte, SILVA, Fernanda Pequeno da. Ateliês Contemporâneos: Possibilidades e Problematizações. Anais do 56o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, Rio de Janeiro, p.59-73, Disponível em: < Acesso em: 10 maio Carolina Ramos Nunes. Educadora de Artes Visuais na Rede Estadual de SC, Licenciada em Artes Visuais pela UDESC, cursando especialização em Mídias na Educação pela UAB/IFSC. Integrante do grupo de estudo e pesquisa em pintura UDESC Apotheke, Diretório CNPq. c_nunesra@hotmail.com Marisete Colbeich. Especialista em Mídias na Educação pela FURG (2012), Especialista em Gestão Educacional pela UFSM (2005). Bacharel e Licenciada em Desenho e Plástica pela UFSM (2003). Professora efetiva do Estado de SC. Professora do Curso de Design de Interiores FATENP. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura (UFSM), Diretório CNPq. Integrante do grupo de estudo e pesquisa em pintura UDESC Apotheke, Diretório CNPq. mcolbeich@gmail.com
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