Fraturas do terço distal do rádio na criança *
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- Vinícius Gabeira Regueira
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1 Fraturas do terço distal do rádio na criança * C. SANTILI 1, G. WAISBERG 2, M. AKKARI 2, R.M.V. MOTA 3, L.M.B. LEITE 3, J.C.L. PRADO 4 RESUMO As fraturas do antebraço na criança são freqüentes e, dentre estas, as mais comuns são as que acometem seu terço distal. De evolução normalmente favorável, poucos cuidados demandam além da correta imobilização, que pode ser ou não precedida de redução. Algumas vezes, no entanto, podem sofrer uma deformidade dorsal típica, que, dependendo do grau de angulação volar, leva à indicação de procedimentos corretivos sob anestesia, como a caloclasia e redução, ou a redução aberta ou fechada seguida de fixação. Os autores discutem os mais conhecidos fatores causais relacionados com o aparecimento do desvio dorsal e sugerem a possível influência mecânica do comprimento relativo da ulna em relação ao rádio, com especial enfoque à articulação radioulnar distal. Recomendam maior atenção nas fraturas do terço distal do antebraço, especialmente nas fraturas isoladas do rádio nos pacientes portadores da variante ulna minus, em que permanece íntegra a articulação radioulnar distal. * Trab. realiz. no Grupo de Ortop. Pediátr. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Fac. de Ciências Méd. da Santa Casa de Miseric. de São Paulo, Pav. Fernandinho Simonsen (Diretor: Prof. Dr. José Soares Hungria Neto). 1. Prof. Dr.; Chefe do Grupo de Ortopedia Pediátrica (GOP). 2. Médico Assist. do GOP e Pós-Graduando da FCMSCSP. 3. Médico Estagiário do Grupo de Ortopedia Pediátrica. 4. Prof. Dr.; Consultor e Livre-Docente do Departamento. SUMMARY Fractures of the distal third of the radium in children Forearm fractures in children are frequent and the most frequent among them are those that occur on the distal third. Usually of favorable evolution, they hardly demand anything beyond immobilization whether or not preceded by reduction. However they can at times suffer a deformity, typically volar, that depending on the degree will require the use of procedures under anesthesia, such as caloclasia and reduction, or open or closed reduction followed by internal fixation. The authors discuss the best known causal factors that lead to deviation and suggest the possible mechanical influence of the relative length between the radio and ulna, with special focus on the distal radio-ulnar joint. They recommend better attention to the isolated fractures of the radium in patients that have the variant ulna minus, in whom the distal radio-ulnar joint is preserved normal. INTRODUÇÃO As fraturas mais freqüentes nas crianças são as do terço distal do antebraço (3,6,7,12,13,20,23). Na análise de 568 fraturas do terço distal do antebraço em crianças, Chess et al., em 1994 (5), encontraram que 78% delas eram isoladas do rádio, 8% acometiam rádio e ulna e 14% eram descolamentos epifisários distais. De evolução costumeiramente favorável (6), essas fraturas podem, no entanto, sofrer desvios angulares importantes, implicando, por vezes, procedimentos subseqüentes, como a manipulação sob anestesia, a caloclasia ou mesmo a redução aberta com ou sem osteotomia, seguida de fixação interna dos fragmentos (6,11-14,18). Os fatores descritos como causadores desses desvios podem ser subdivididos em estáticos e dinâmicos. São agentes dinâmicos os músculos pronador quadrado e braquiorradial (3,6,12,13) e os fatores estáticos são a membrana interóssea (14) e a fibrocartilagem triangular do carpo (complexo triangular fibrocartilaginoso) (4). No tratamento, objetiva-se a neutralização desses fatores mediante técnicas de imobilização (3,5,12,13), mas devido à persistência de altas taxas de perda da redução (6,11,23), cabe questionar se existe algum outro fator que possa atuar como agente mecânico, predispondo à instalação da deformidade. O desvio dorsal com angulação volar é característico e ocorre entre a primeira e a terceira semanas após a fratura; na grande maioria dos casos, sofre correção espontânea mediante a remodelação (6-9,14,19,20). Esse desvio dorsal ocorre muito mais comumente nas fraturas isoladas do terço distal do rádio (11,20,23) e, assim, os au- Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 Janeiro,
2 C. SANTILI, G. WAISBERG, M. AKKARI, R.M.V. MOTA, L.M.B. LEITE & J.C.L. PRADO Fig. 1 Articulação radioulnar distal tores formulam a hipótese de que estejam particularmente propensos a sofrerem-no os pacientes portadores da variante anatômica ulna minus (15) e que tenham íntegra a articulação radioulnar distal. ASPECTOS ANATÔMICOS ENVOLVIDOS O arcabouço ósseo do antebraço é formado pelo rádio e ulna, que se articulam ao nível do cotovelo e do punho, através das articulações radioulnar proximal (RUP) e radioulnar distal (RUD), respectivamente (10). Hultén (15), em 1928, realizou um estudo anátomo-radiográfico embasado em 400 punhos, nos quais analisou as relações entre o rádio e a ulna, ao nível da articulação RUD. Encontrou que em 61% dos indivíduos o rádio e a ulna são do mesmo comprimento e, assim, foram chamados de variante zero, em 23% a ulna era menor que o rádio, considerados variante minus, e em 16% a ulna era maior que o rádio, sendo estes variante plus. Na variante minus encontrou que 8% deles eram portadores de encurtamentos maiores do que um milímetro. A articulação RUD é do tipo trocóide ou em pivô, sendo formada pela cabeça da ulna e pela incisura ulnar da extremidade distal do rádio. A junta radiocárpica tem a forma elipsóide e é composta pela superfície articular do rádio distal, disco articular e fileira proximal dos ossos do carpo. O disco articular é uma forte lâmina triangular de tecido fibroso denso, cuja base é inserida no rádio e seu vértice na face lateral do processo estilóide ulnar (4) (fig.1). A cabeça da ulna apóia a cartilagem triangular, que é o principal estabilizador da articulação RUD. Essa cartilagem é dividida em três porções: dorsal, central e palmar. As porções dorsal e palmar são ligamentares e unem diretamente o rádio e a ulna, estabilizando-os, enquanto a porção central participa do anel que apóia e circunda o carpo. Fig. 3 Anatomia do antebraço: A) músculo braquiorradial; B) músculo pronador quadrado. Fig. 2 Membrana interóssea A membrana interóssea, por sua vez, é a estrutura anatômica que efetivamente une e estabiliza os ossos do antebraço. Trata-se de uma forte lâmina fibrosa que interliga as diáfises do rádio e da ulna, oferecendo-se ainda como plano de inserção para vários músculos (10) (fig. 2). Nos movimentos de pronação e supinação do antebraço, permite pequenos deslizamentos longitudinais de acomodação entre os dois ossos (16). O músculo pronador quadrado localiza-se na face volar do antebraço, com origem no quarto distal da ulna e inserção no quarto distal do rádio. Quanto ao músculo braquiorradial, uma parte tem origem na crista supracondilar na face lateral do úmero e outra no septo intermuscular, indo inserir-se no processo estilóide do rádio (10) (fig. 3). 10 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 Janeiro, 1999
3 Fig. 4 Paciente: MWE, variante ulna-minus com fratura isolada do rádio. Início da angulação volar, na busca da equalização dos dois ossos do antebraço, entre a 1ª e a 2ª semanas após a lesão. Resolução, com o resgate da condição anatômica prévia. A, B, C, D, E: seqüência radiográfica na projeção ânteroposterior. A, B, C, D, E : seqüência no perfil. Na reparação óssea fisiológica das fraturas através do calo ósseo, ocorre a substituição das bordas ósseas avasculares por osso novo e viável. O processo dá-se mediante reabsorção e aposição óssea. Na fase inicial, entre a primeira e terceira semanas após a lesão (22), com o predomínio da reabsorção cria-se uma zona de tecido fibrocartilagíneo imaturo que, apesar de unir os fragmentos, é plasticamente deformável e corresponde ao aumento da transparência óssea radiográfica, tornando a linha de fratura mais visível. MECANISMO HIPOTÉTICO DO DESVIO As crianças portadoras da ulna variante minus, quando sofrem fraturas do terço distal do antebraço, e especialmente as isoladas do rádio, caso não tenham a lesão concomitante da articulação radioulnar distal, são altamente suscetíveis à instalação do desvio característico. A explicação é simplesmente mecânica. Na variante minus a ulna é mais curta que o rádio. Na fase inicial da reparação, com o predomínio da reabsorção óssea, a tendência à equalização no comprimento entre os dois ossos só será possível através da angulação, que significa o encurtamento relativo do rádio, com fulcro de alavanca na RUD e ulna intactas (fig.4). O que leva à tração do fragmento distal do rádio, certamente está relacionado com um ou mais dos fatores descritos anteriormente. O grau de angulação será tanto maior quanto mais curta for a ulna e, ao atingir o mesmo comprimento entre rádio e ulna, consegue-se o repouso mecânico ao nível da lesão e, assim, a consolidação viciosa. DISCUSSÃO De todas as fraturas dos ossos longos na criança, 45% acometem o rádio (18) e, apesar dessa elevada incidência, os resultados no tratamento ainda estão aquém do ideal (21). Segundo Davis & Green (6), muito pouco tem sido escrito em relação às complicações que se seguem às fraturas do antebraço na criança. É fato que, na maior parte das vezes, essas fraturas evoluem bem e sem complicações ou limitações funcionais, mesmo quando consolidam viciosamente (6,14). No entanto, a má evolução no tratamento, embora seja habitualmente relatada nos trabalhos atinentes a este assunto, aplicam-se muito mais às análises dos potenciais de remodelação nos casos desviados (7-9,14,19,20) e às propostas de soluções para as complicações (1,5,6,13,17), do que ao reconhecimento dos fatores predisponentes (11,14,19). Blount (3), em 1979, já advertia que o risco do desvio ocorre especialmente nas fraturas isoladas do rádio e, sem aprofundar-se em explicações ou justificativas, recomenda maiores cuidados na modelagem adequada dos pontos de apoio ao confeccionar o gesso. Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 Janeiro,
4 C. SANTILI, G. WAISBERG, M. AKKARI, R.M.V. MOTA, L.M.B. LEITE & J.C.L. PRADO Fig. 5 Paciente LFSB, com fratura dos dois ossos do antebraço no terço distal, em que se constata variante minus após a redução anatômica da ulna. Início do desvio com cinco dias até o ápice na 5ª semana e depois a gradativa remodelação. A, B, C, D, E : seqüência radiográfica na projeção ântero-posterior. A, B, C, D, E : seqüência no perfil. Sempre que houver a fratura de um dos ossos do antebraço, mesmo com moderada angulação e sem a fratura do outro osso, observe com maior cuidado as articulações radioulnar distal e proximal, aconselha Hughston (14). A exemplo do que ocorre na fratura-luxação de Monteggia ou mesmo de Galeazzi, conclui: É impossível o encurtamento de um dos ossos sem o resultante encurtamento ou deslocamento do outro. Admitindo-se esse fato físico mecânico isoladamente, dever-se-ia esperar que a deformidade se instalasse de imediato ou nos primeiros dias após a lesão; no entanto, o desvio acontece geralmente entre a primeira e segunda semanas. Apesar disso, de forma incoerente, a maioria dos autores, ao admitir o risco do desvio, pede o controle radiográfico apenas entre a segunda e terceira semanas (3,12,14,20,21,23), quando, então, já existe estabilidade no foco de fratura com ossificação do calo. Davis & Green (6) observaram que cerca de 10% das fraturas do terço distal do rádio evoluem com desvio dorsal e que isso ocorre geralmente entre a primeira e a segunda semanas após a lesão traumática. Tachdjian (23) recomenda radiografias entre o quinto e décimo dias e na terceira semana após a lesão, aconselhando maior cautela com as fraturas em galho-verde do terço distal do rádio, com a ulna íntegra, pois, embora aparentemente muito simples de tratar, essas fraturas pouco deslocadas podem tornar-se muito anguladas com deformidade inaceitável. E finaliza: São lobos em pele de carneiro. Gibbons et al. (11), no estudo de 175 fraturas do antebraço na criança, encontraram que as isoladas do terço distal do rádio são instáveis e sujeitas à reangulação, sendo importante distingui-las do tipo mais comum, as fraturas distais do rádio e ulna, pois naquelas a ulna intacta funcionaria como alavanca, levando à angulação do rádio. 12 Rev Bras Ortop _ Vol. 34, Nº 1 Janeiro, 1999
5 Apenas a integridade ou não da ulna não faz com que essa afirmação seja sempre verdadeira. Se assim fosse, nas fraturas-luxações do tipo Galeazzi haveria sempre a tendência à angulação e isso não ocorre. Por outro lado, esse desvio pode ocorrer também nos casos de fraturas do terço distal dos dois ossos do antebraço, quando se obtém a redução anatômica da ulna (fig. 5). A melhor explicação para essas constatações não se baseia simplesmente no comprometimento ou não da ulna e, sim, na importância do comprimento relativo entre os dois ossos. Assim, quando a ulna for mais curta (variante ulnaminus) e o rádio estiver fraturado isoladamente, para atingir o repouso mecânico no foco de fratura é necessário que haja lesão concomitante da articulação RUD ou, então, caso a articulação RUD não esteja lesada, deverá ocorrer obrigatoriamente a angulação do rádio (mais longo) para que se consiga a equalização longitudinal entre os dois ossos. Assim, os autores propõem nas fraturas do terço distal do rádio, mesmo naquelas com traço incompleto, isoladas ou não, que se efetue a radiografia comparativa do antebraço contralateral. Na presença da variante minus da ulna com integridade da articulação RUD, que se proceda à imobilização gessada longa (gesso axilopalmar), com modelagem adequada dos pontos de apoio da redução. O antebraço deve ser colocado em pronação média, com discreto desvio ulnar e volar do punho. O controle radiográfico deve ser repetido entre o 5º e 10º dias após a lesão, no final da terceira semana e depois ao término do período de gesso, com seis semanas. A deformidade com angulação volar exagerada tem aspecto clínico grosseiro, por isso surpreende tanto o médico quanto os familiares, podendo levar à perda de confiança no profissional, e daí suas implicações legais (2), principalmente se os pais não estiverem preparados para essa eventualidade (3). Portanto, a orientação dos familiares quanto ao risco de ocorrência dessa deformidade é tanto prudente quanto necessária. Caso se constatem desvios consolidados de até 30 graus, os pacientes devem ser acompanhados, pois existe o potencial de remodelação no primeiro ano após a fratura, restituindo muitas vezes a anatomia normal, inclusive retornando à condição de variante ulna-minus (fig.4). A intervenção cirúrgica pode ter sua indicação (17), mas é excepcional (12,20) e deve ser muito bem avaliada, pois são muitos os colegas que optaram pelo caminho mais fácil, recolocando os fragmentos na posição anatômica pela via aberta, e que depois confessaram várias complicações (3). REFERÊNCIAS 1. Aminian, A. & Schoenecker, P.L.: Premature closure of the distal radial physis after fracture of the distal radius metaphysis. J Pediatr Orthop 15: , Bitar, G.: Boletim SBOT, nº 17 ano VI, março-abril/ Blount, W.P.: Fraturas do antebraço e do punho, in : Fraturas na criança, 2ª ed., São Paulo, Editora Manole, p Bowers, W.H.: The distal radioulnar joint, in Green, D.P.: Operative hand surgery, NewYork, Churchill Livingstone, p Chess, D.G., Hyndman, J.C., Leahey, J.L. et al: Short arm plaster cast for distal pediatric forearm fracture. J Pediatr Orthop 14: , Davis, D.R. & Green, D.P.: Forearm fractures in children: pitfalls and complications. Clin Orthop 120: , Friberg, K.S.I.: Remodelling after distal forearm fractures in children. Acta Orthop Scand 50: , Friberg, K.S.I.: Remodelling after distal forearm fractures in children. Acta Orthop Scand 50: , Friberg, K.S.I.: Remodelling after distal forearm fractures in children. Acta Orthop Scand 50: , Gardner, E., Gray, D.J. & O Rahilly, R.: O membro superior, in : Anatomia: estudo regional do corpo humano, 4ª ed., Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, p Gibbons, C.L.M.H., Woods, D.A. Pailthrope, C. et al: The management of isolated radius fractures in children. J Pediatr Orthop 14: , Guero, S.: Fractures and epiphyseal fracture-separation of the distal bones of the forearm in children, in Saffar, P. & Cooney III, W.P.: Fracture of the distal radius, 1 st ed., Philadelphia, J.B. Lippincott, p Holmes, J.R. & Louis, D.S.: Entrapment of pronator quadratus in pediatric distal-radius fractures: recognition and treatment. J Pediatr Orthop 14: , Hughston, J.C.: Fratures of the forearm in children. J Bone Joint Surg [Am] 44: , Hultén, O.: Über anatomische variationen der Handgelenkknochen. Acta Radiol Scand 9: , Jacoby, A.W.: Note on the interosseous membrane of the forearm: the direction of its fibers in surgical anatomy. Bull Hosp Jt Dis 32: , Kapandji, A.: Treatment of non-articular distal radial fractures by intrafocal pinning with arum pinus, in Saffar, P. & Cooney III, W.P.: Fracture of the distal radius, 1 st ed., Philadelphia, J.B. Lippincott, p King, R.E.: Fraturas das diáfises do rádio e da ulna, in Rockwood Jr, C.A., Wilkins, K.E. & King, R.E.: Fraturas em crianças, 3 rd ed., São Paulo, Manole, p Larsen, E., Vittas, D. & Torp-Pedersen, S.: Remodelling of angulated distal forearm fractures in children. Clin Orthop 237: 12, Morrissy, R.T. & Weinstein, S.L.: Forearm and wrist fractures, in Lovell & Winter: Pediatric orthopedics, 4 th ed., Philadelphia, Lippincott-Raven, p Ogden, J.A.: Radius and ulna, in : Skeletal injury in the child, 2 nd ed., Philadelphia, W.B. 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