Mariana Oliveira, mais conhecida como
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- Raphael Affonso Santos
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1 Entrevista: Mariana (Mainha) e Cleusa Oliveira, Baianas do Acarajé Mariana Oliveira, mais conhecida como a baiana da torre de TV, é uma das personagens mais conhecidas de Brasília. Há quase quarenta anos na capital brasileira, a Barraca da Mainha, como é conhecido seu pequeno empreendimento, faz sucesso entre os turistas brasileiros e estrangeiros que visitam a Capital Federal. Indicativo desse prestígio são os convites que tanto Dona Mariana como sua filha Dona Cleusa recebem de diversas autoridades para fazerem o famoso acarajé em cerimônias públicas. Nesta entrevista cedida a Textos do Brasil, Dona Cleusa comenta algumas peculiaridades de seu ofício, registrado, recentemente, como Patrimônio Histórico Imaterial. Sabores do Brasil 123
2 Foto: Anneluize Shmeil TB: A senhora sabe o que significa a palavra acarajé? Baiana: A origem é da África. Vem de acará, que significa bola de fogo. Jé quer dizer comer. TB: Apenas os filhos-de-santo podem fazer o acarajé? Baiana: Sim. Os filhos-de-santo fazem acarajé para oferenda. Quando estão fazendo a cabeça, fazem oferenda para Iansã. É aconselhável que seja feito por quem é filha de Iansã. TB: Quais são os rituais de uso do acarajé no candomblé? Baiana: É a comida de Iansã. A gente faz os bolinhos e oferece para ela. Na origem assim conta a história, que não é da minha época, nem da minha mãe, foi da minha bisa as africanas vinham e faziam. Você sabe que a religião delas 124 Textos do Brasil. Nº 13
3 era o candomblé. E só recebiam a graça se elas rezassem, dançassem para o santo e oferecessem o acarajé. Umas oferecem só o bolinho cru. Depende do que o santo pede. Outras oferecem frito também, puro, sem nada. Oferecem no bambuzal. Isso é para Iansã, isso não é trabalho! A gente vende o acarajé como trabalho também. Mas, primeiro, nós damos a graça e, depois, nós trabalhamos. E as africanas segundo as histórias que ouço desde que nasci eram muito maltratadas pelas sinhás. Então, elas faziam o acarajé para comer e davam um pouco para Iansã para que ela desse uma surra na iaiá. A fé remove montanha, né? Elas tinha fé de que a sinhá ficaria mansinha, ficaria boa, acalmaria. Iansã é dona do vento, é Santa Bárbara. Então elas faziam essa oferenda. É igual a quem tem fé em Santo Antônio. O que dar para Santo Antônio?! Um pãozinho. Ofereço um pãozinho para uma criança e Santo Antônio me dá uma graça. As negras, as africanas que vieram para o nosso país, davam um bolinho para Iansã acalmar a sinhá. Não era fazendo o mal, era fazendo o bem, para que ela, a sinhá, não judiasse tanto delas. E, na mediação da fome, fritava e comia. A nossa história é linda! TB: O acarajé utilizado no candomblé é diferente do que é vendido nos tabuleiros? Baiana: Depende do orixá que pedir. Alguns pedem frito, outros pedem cru. Iansã gosta bem pequeno e frito. Puro, sem recheio. TB: Quais são os segredos para se fazer um bom acarajé? Baiana: Bom, é segredo, né? (risos) As negras, as africanas que vieram para o nosso país, davam um bolinho para Iansã acalmar a sinhá. Não era fazendo o mal, era fazendo o bem, para que ela a sinhá não judiasse tanto delas. E, na mediação da fome, fritava e comia. A nossa história é linda! TB: Como o acarajé é servido? Baiana: Quando eu nasci, minha mãe fazia o bolinho de feijão, fritava três camarõezinhos, cortava, botava uma pimentinha e vatapá. Só isso! Agora, não, como muita gente não come camarão, muitas baianas preparam tudo separado: vatapá, camarão e salada. Em Salvador, tem muita gente que já serve com caruru outra comida de orixá que não tem nada a ver com o acarajé. Isso é para o turista aprender a comer caruru. TB: O modo de se fazer acarajé se tornou patrimônio cultural do Brasil... Baiana: Graças a Deus! Principalmente ao nosso esforço, porque se a gente não corresse atrás!... Havia pessoas fazendo a farinha de feijão de qualquer jeito para exportação. Na embalagem tinha a figura de uma baiana, para dizer que Sabores do Brasil 125
4 A nossa culinária tem mil e tantos pratos, então com um pedacinho de pimenta, um pouquinho de dendê e uma água de peixe, a gente faz diversas comidas. foi uma baiana que fez. Foi a nossa associação, lá de Salvador, que correu atrás para ser patrimônio nosso, para patentear a nossa culinária. Porque, se não, ia ser igual ao açaí, que o japonês patenteou. E não tem nada a ver! Veio aqui no Brasil, comprou o açaí, patenteou e é dele! O acarajé é nosso com muito orgulho! TB: Por que a receita do acarajé não pode ser modificada? Baiana: Porque não dá certo. Primeiro, porque é uma comida sagrada. Além disso, se modificasse não teria graça, ficaria ruim. Por exemplo, tinha uma propaganda que nós, baianas, lutamos para tirar. Era uma propaganda de uma fábrica de frios em que se colocava lingüiça no acarajé. Aquilo foi um deboche! Por ela ser de uma nação, por ela ser de uma religião, ninguém deixa modificar a receita. TB: Qual a importância da regulamentação da profissão de baiana do acarajé, como acontece em Salvador? Baiana: Para nós isso é muito importante. Até porque já somos muitas. Muitas pessoas falam que o baiano é mais preguiçoso. Ele não gosta de levantar cedo, ele não gosta muito do batente. São as baianas as que vão à luta. Levantam cedo. Algumas vão lavar roupa na Lagoa do Abaeté. Outras vão para a casa da sinhá trabalhar. Outras são ótimas cozinheiras porque a nossa culinária tem mil e tantos pratos, então com um pedacinho de pimenta, um pouquinho de dendê e uma água de peixe, a gente faz diversas comidas. Por isso, ficamos felizes com essas iniciativas. O acarajé é nosso, das baianas do acarajé. Agora, no resto do Brasil ainda falta regulamentação. Tem gente de todas as partes do Brasil falando que é baiano e vendendo acarajé feito de qualquer jeito. Eu não sei porque eles não regularizam. Já tem muito acarajé na rua. Tem muito, muito mesmo. Antigamente, muita gente olhava para o acarajé e dizia: ai, eu não como esse bicho!. Hoje o Brasil inteiro come acarajé. TB: Quais são os adereços típicos da baiana do acarajé? Baiana: A nossa farda. É importante a nossa farda. Tem gente que gosta de estampada; outros branca. Como a baiana geralmente é bem pretinha, ela fica o máximo com a farda toda branquinha. Tem também as nossas guias-de-santo. Tem muitas que usam guia e nem sabem quem é o santo! Aí não dá, né? É só para enfeite! Tem que falar logo que é só para enfeite. Tem algumas baianas que também colocam uma folhinha de arruda na cabeça, para afastar mau-olhado. As pessoas acham que é para tirar a dor-de-cabeça, mas é contra quebranto. E seca rapidinho... TB: O que mais existe no tabuleiro da baiana além do acarajé? Baiana: Ah! Tem muita coisa! Pode ter abará, vatapá, cuscuz, cocada. No tabuleiro da 126 Textos do Brasil. Nº 13
5 baiana não pode faltar cocada. Inclusive quando a gente faz eventos, onde muitas vezes não querem cocada porque tem muita sobremesa, eu levo pelo menos 30, e se o freguês panha, tem que pagar! (risos). Tabuleiro sem cocada não tem graça! TB: Como a senhora vê a concorrência da venda de acarajé em bares e supermercados? É uma coisa boa ou ruim? Baiana: Para nós, não prejudicou em nada. Só expandiu a exposição do nosso produto, que é maravilhoso. É igual a churrasquinho que tem em todo lugar e todo mundo vende. Mas o bom acarajé, só o feito na hora, pela baiana. TB: As novidades tecnológicas, como o liqüidificador, facilitaram o preparo do acarajé? Baiana: Não. A gente não usa nada disso. Liqüidificador a gente só usa para bater a mandioca e fazer o bobó. Até para bater o pão, a gente deixa de molho e bate com a mão. Nós temos que manter a tradição. A gente não usa muito o liqüidificador, principalmente para bater a massa. E tem mais: quando se começa a bater a massa, não se pode passar para outra. Quando começa a bater, tem que bater até o fim. TB: Qual a reação dos estrangeiros ao provar o acarajé? Baiana: Ah! Ficam encantados! Muito encantados. Às vezes chega um ônibus, uma van de estrangeiros. Eles vêem e começam a provar desconfiados, porque têm medo de azangar a barriga. Aí pedem um, e fazem hummm, igual a Ana Maria Braga, e, então, todo mundo come. Os estrangeiros ficam encantados! Muito encantados. Às vezes chega um ônibus, uma van de estrangeiros. Eles vêem e começam a provar desconfiados, porque têm medo de azangar a barriga. Aí pedem um, e fazem hummm TB: E eles costumam pedir quente (apimentado)? Baiana: Não. Eles têm medo. Só quem pede apimentado é o indonésio e o africano. Eles comem o bolinho puro, puro com pimenta. Aí eles falam bagadu, bagadu. Sei lá o que é bagadu. Tô botando é pimenta!... (risos) TB: A senhora poderia nos dar a receita do acarajé? Baiana: Na medida do possível, posso. Até porque, o acarajé depende sobretudo da mão da baiana! Você compra o feijão-fradinho. Melhor comprar muito (uns dois quilos) porque a gente quebra um saco por dia. Quebra e deixa de molho para tirar a casca. Depois, você mói e bota tempero: sal e cebolinha branca. Cebola de cabeça. Não é a verde! Você pode bater bastante. Bota um pouquinho de sal, cebola e bate. O segredo é a batida! Depois faz o bolinho e frita no dendê para dar cor. No óleo, fica branquinho. Sabores do Brasil 127
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