Impactos dos benefícios governamentais sobre a decisão de investimento em campos de petróleo e gás: uma abordagem de Opções Reais
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1 Impactos dos benefícios governamentais sobre a decisão de investimento em campos de petróleo e gás: uma abordagem de Opções Reais Fernando Antonio Slaibe Postali Departamento de Economia, USP Resumo: O objetivo deste trabalho é avaliar o impacto dos benefícios governamentais os royalties e as participações especiais sobre a decisão de investir em desenvolvimento de jazidas de petróleo e gás no Brasil. Utiliza-se a abordagem das opções reais, que leva em conta as flexibilidades gerenciais. O modelo proposto admite a opção esperar para investir e a opção de interrupção (shutdown) da produção como flexibilidades presentes no projeto, resultando em um sistema não linear cuja solução permite simular o impacto de diferentes alíquotas de royalties e de participações especiais sobre os valores críticos de indução do desenvolvimento e de paralisação. Através de replicações de um experimento de Monte Carlo, simulamos também uma trajetória de preços e custos com vistas a avaliar as receitas do governo sob cada alíquota. Os nossos resultados mostram que a flexibilização das alíquotas, com mais ênfase em participações especiais, é preferível a uma estrutura centrada em royalties, tendo em vista o menor impacto sobre a decisão de investir, bem como potencial maior de arrecadação por barril extraído. Palavras-chave: opções reais, investimento, petróleo, tributos. JEL Classification: Q30, G31, G Introdução Com vistas a evitar possíveis ineficiências produtivas resultantes de common pool, a Constituição brasileira estabelece que a União é a proprietária de todos os recursos naturais do subsolo e da plataforma continental. Assim ela tem direito de usufruir suas rendas e, para isso, constrói um sistema próprio de tributação sobre o setor. No entanto, a incerteza da atividade exploratória é bastante peculiar, de modo que a modalidade tributária escolhida tende a afetar a percepção de risco dos agentes e, conseqüentemente, a sua decisão de investir. Por outro lado, as análises convencionais de investimento, baseadas no valor presente líquido, não incorporam as flexibilidades gerenciais na avaliação do projeto. O objetivo deste trabalho é avaliar o impacto dos Benefícios Governamentais 1 notadamente os royalties e as participações especiais sobre a decisão de investir em desenvolvimento de jazidas de petróleo e gás no Brasil, quando duas importantes Av. Prof. Luciano Gualberto, 908, FEA-II. Cidade Universitária. CEP , São Paulo-SP. Fone: (11) postali@usp.br. 1 Benefícios Governamentais são a denominação genérica da estrutura tributária específica sobre o setor de petróleo e gás, de acordo com a Lei 9478/97.
2 flexibilidades gerenciais são admitidas: a opção de adiamento do desenvolvimento da jazida e a opção de saída da indústria. Para isso, utiliza-se a ferramenta das opções reais (Dixit & Pindyck, 1994), um instrumento poderoso que permite quantificar o valor das opções gerenciais presentes em um projeto de investimento. A metodologia consiste em simular os impactos de combinações de alíquotas de royalties e de participações especiais sobre a razão preço-custo crítica que desencadeia a decisão de investir ou de encerrar a produção. Além disso, através de um experimento de Monte Carlo, simula-se uma trajetória de preços e custos com vistas a estimar a receita com cada modalidade. O trabalho contém cinco seções, além desta introdução: na seção 2, apresentamos uma revisão da literatura sobre neutralidade e distorções tributárias sobre investimentos no setor de extração de recursos não renováveis e a seção 3 descreve o sistema de benefícios governamentais no Brasil de acordo com a Lei do Petróleo (nº 9478/97); na seção 4, apresentamos um modelo de opções reais com vistas a embasar as simulações; na seção 5, apresentamos os resultados das simulações do impacto distorcivo e da receita esperada de acordo com algumas combinações de alíquotas. A seção 6 traz as considerações conclusivas. Nossos resultados mostram que algumas conclusões baseadas na análise convencional do valor presente líquido são modificadas quando as opções são incorporadas. 2. Literatura A análise convencional de investimentos é baseada no conceito de Valor Presente Líquido (VPL), o qual é definido pela diferença entre o valor atual dos fluxos de caixa gerados pelo projeto e o custo do investimento inicial. Trata-se de encontrar uma regra de decisão objetiva quanto a investir ou não em um determinado projeto. De acordo com esta análise, o investimento deve ser aceito sempre que VPL > 0; investimentos com VPL negativo devem ser descartados. Segundo Dixit & Pindyck (1994) e Pindyck (1991), apesar da facilidade operacional, a avaliação tradicional por Valor Presente Líquido apresenta três deficiências fundamentais: i) não incorpora a incerteza de forma satisfatória, limitando-se a um prêmio 2
3 de risco sobre a taxa de desconto; ii) não avalia o custo de oportunidade do investimento, decorrente de sua irreversibilidade e iii) não incorpora o valor de diversas flexibilidades admitidas por um projeto de investimento, sobretudo a possibilidade de adiamento da tomada de decisão. Na realidade, o agente dispõe de certa margem para alterar o timing de uma seqüência de decisões irreversíveis e esta flexibilidade gera valor, o qual não pode ser medido sob uma análise de VPL. Assim, um investimento com valor presente líquido negativo não deve ser necessariamente descartado, já que o agente tem a opção de esperar pela chegada de informações adicionais antes de tomar a decisão irreversível. As deficiências do VPL como critério de decisão contribuíram para o desenvolvimento da abordagem das Opções Reais 2, uma ferramenta útil que permite incorporar os gastos irreversíveis, a incerteza e as flexibilidades sobre a decisão de investir. Trata-se de encarar o investimento como uma opção americana de compra 3 cujo ativo subjacente é o valor do projeto e o preço de exercício é o gasto com o investimento. Tomar a decisão de investir significa exercer a opção de compra, sendo, por conseqüência, irreversível. A literatura de opções reais cresceu fortemente nos últimos 20 anos, através da incorporação gradativa diversas opções estilizadas em contribuições seminais, como opção de fechamento (McDonald & Siegel, 1985), de expansão da capacidade (Pindyck, 1988), de investir (Paddock et. Al, 1988; Abel et. Al., 1996), de abandonar (Myers & Majd, 1990). A ferramenta das opções reais se expandiu em direção a aplicações nas mais diversas áreas [ver Schwartz & Trigeorgis (2001) para uma coleção de aplicações] como poluição (Edleson & Reinhardt, 1995), desenvolvimento de terras (Quigg, 1995; Capozza & Li, 1994), mercado imobiliário (Grenadier, 1996), investimentos em estoques (Cortazar & Schwartz, 1993), construção de ferrovias (Emery & McKenzie, 1996), dentre outros. No que se refere à tributação de recursos naturais, a literatura também se encontra consolidada. Na tentativa de solucionar problemas de common pool (Libecap & Wiggins, 1984), as legislações de diversos países (inclusive o Brasil) estabelecem que todos os 2 Além de Dixit & Pindyck (1994), bons panoramas podem ser encontrados em Pindyck (1991), Trigeorgis (1995, 1996), Brennan & Trigeorgis (2000), Schwartz & Trigeorgis (2001), Minardi (2004). Uma abordagem mais aplicada encontra-se em Copeland & Antikarov (2002). Para um panorama sobre aplicações em petróleo e gás, ver Dias (2001). 3 Hull (1993). 3
4 recursos minerais do subsolo e da plataforma continental são de propriedade da União, cabendo à mesma usufruir suas rendas nos moldes da regra de Hartwick (1977). A regra de Hartwick parte da constatação de que as rendas das atividades extrativas apresentam conseqüências de bem estar entre gerações: em decorrência da finitude do recurso, o poder público deve investir sua renda na diversificação da economia rumo a atividades menos dependentes de recursos exauríveis, a fim de que não haja queda de bem estar das gerações futuras. Neste contexto, como o setor extrativo apresenta peculiaridades quanto à incerteza (Garnaut & C. Ross, 1983), a carga tributária sobre esta atividade afeta diretamente a percepção de risco dos agentes, o que pode afetar a decisão de investir. Assim, a questão que se coloca é: qual a melhor estrutura de tributos que minimiza a distorção dos impostos sobre a decisão de investir? Em uma análise tradicional de valor presente líquido, a literatura [e.g.: Leland (1978), Mayo (1979); Campbell & Lindner (1985), Garnaut & C. Ross (1983), Fraser (1993), Fraser & Kingwell (1997), Zhang (1997), Fraser (1998)] traz boas evidências teóricas de que uma estrutura tributária baseada em royalties isto é, uma alíquota sobre a receita é mais distorciva que um imposto sobre a renda do recurso incidente sobre a receita bruta descontada de todos os custos. Em sua forma ideal imposto de Brown 4 o imposto sobre a renda não apresenta qualquer impacto distorcivo sobre o investimento. Sob VPL, os critérios de neutralidade baseiam-se na capacidade do imposto em alterar o sinal do valor presente líquido esperado, alterar a trajetória ótima de extração ou em alterar a ordem de elegibilidade dos projetos de investimento. Neste sentido, o imposto sobre a renda do recurso é não distorcivo na medida em que não é capaz de transformar um empreendimento de VPL positivo em negativo. Entretanto, quando se incorpora a interação entre a irreversibilidade e a incerteza, bem como as flexibilidades gerenciais 5, a tributação neutra na avaliação tradicional pode não ter o mesmo efeito sobre a percepção de risco do agente e, conseqüentemente, sobre a decisão de investir. O objetivo seguinte é apresentar um modelo de investimentos em 4 Ver Postali (2002). 5 Bradley (1998) simula o impacto de uma estrutura não-linear de royalties sobre o valor de um projeto de desenvolvimento de gás. 4
5 flexibilização das alíquotas pode ser um poderoso instrumento para preservar projetos menos lucrativos evitando seu abandono. 6. Conclusões O objetivo deste trabalho foi reavaliar as conclusões sobre os impactos distorcivos dos royalties e das participações especiais sobre a decisão de investir no desenvolvimento de jazidas de petróleo e gás, tendo como base a metodologia das opções reais, que permite incorporar, no valor do projeto, as flexibilidades de esperar para investir e de paralisar. A literatura tradicional mostra que os royalties tendem a ser mais distorcivos que o imposto sobre a renda na medida em que são capazes de afetar o sinal esperado do valor presente líquido dos projetos. Quando se levam em conta as opções de investir e de paralisar, observa-se que alíquotas altas de participações especiais podem ser tão distorcivas quanto os royalties, sobretudo sobre a faixa de histerese, isto é, p (p S, p E ) que caracteriza inação da firma. Do ponto de vista de coleta de rendas, o imposto sobre a renda do recurso é mais vantajoso quanto maior a qualidade da jazida. Os resultados das simulações empreendidas mostram que existem combinações de royalties e participações especiais melhores que a adoção de uma alíquota única de 10% sobre o valor do barril, tanto do ponto de vista da distorção sobre a decisão de investir quanto do potencial de arrecadação por barril. Desta forma, a autoridade reguladora seria capaz de aumentar o nível dos investimentos em desenvolvimento de campos de petróleo sem perdas de arrecadação através de uma flexibilização das alíquotas, permitindo que estas se encaixem melhor em projetos com diferentes níveis de qualidade. 23
6 Referências ABEL, A.B., A. DIXIT, J.C. EBERLY & R. PINDYCK, Options, The Value of Capital, and Investment. The Quartely Journal of Economics 111 (3), pp BRADLEY, P.G, On the use of modern asset pricing theory for comparing alternative royalty systems for petroleum development projects. Energy Journal 19, nº 1, Jan/98, pp BRENNAN, M. J. e L. TRIGEORGIS (orgs.), Project Flexibility, Agency, and Competition: New Developments in the Theory and Aplication of Real Options. Nova York: Oxford University, CAMPBELL, H.F. e. R.K. LINDNER, 1985 a. Mineral Exploration and the Neutrality of Rent Royalties. Economic Record 61, nº 172, Mar/85, CAMPBELL, H.F. e. R.K. LINDNER, 1985b. A Model of mineral Exploration and Resource Taxation. Economic Journal 95, nº 377, Mar/85, CAPOZZA, D. e Y. LI, The Intensity and Timing of Investment: The Case of Land. American Economic Review 84, (4) pp COPELAND, T. e V. ANTIKAROV, Opções Reais. Rio de Janeiro, Ed. Campus, CORTAZAR, G. e E. SCHWARTZ, A Compound Option Model of Production and Intermediate Inventories. Journal of Business 66 (4) pp DIAS, M.A.G., Investimento sob Incerteza na Exploração e Produção de Petróleo. Dissertação de Mestrado, PUC/RJ. DIAS, M.A.G. e K.M.C. ROCHA, Petroleum Concessions with Extendible Options: Investment timing and Value using Mean Reversion and Jump Processes for Oil Prices. IPEA, Rio de Janeiro, texto para discussão nº 620. DIAS, M.A.G., Real Options in Upstream Petroleum: Overview of Models and Applications. Mimeo. DIXIT, A. K. e R. S. PINDYCK, Investment under Uncertainty. Princeton University Press. Nova Jersey. EDLESON, M. E. e F. REINHARDT, Investment in Pollution Compliance Options: The Case of Georgia Power. In TRIGEORGIS, L. (org.), Real Options in Capital Investment: Models, Strategies, and Applications. Praeger Ed., EMERY, J.C. e K.J.McKENZIE, Damned If You Do, Damned If You Don't: An Option Value Approach to Evaluating the Subsidy of the CPR Mainline. Canadian Journal of Economics 29 (2) (May, 1996), pp FRASER, R., On the neutrality of the Resource Rent Tax. Economic Record 69, nº 204, março/1993,
7 FRASER, R. e R. KINGWELL, Can expected tax revenue be increased by an investmentpreserving switch from ad valorem royalties to a resource rent tax? Resources Policy 23, nº 3, set./1997, pp FRASER, R., An analysis of the relationship between uncertainty-reducing exploration and resource taxation. Resources Policy 24, nº 4, dez./1998, GARNAUT, R. e A. CLUNIES ROSS, Taxation of Mineral Rents. Oxford University Press, Nova York. GRENADIER, S., The Strategic Exercise of Options: Development Cascades and Overbuilding in Real Estate Markets. Journal of Finance 51 (5), pp HARTWICK, J.M., 1977, Intergenerational Equity and the Investing of Rents from Exhaustible Resources. American Economic Review 67, nº 5, dez/1977, HULL, J. (1993). Options, Futures and other Derivative Securities. Prentice-Hall, LELAND, H. E., 1978, Optimal Risk Sharing and the Leasing of Natural Resources, with Application to Oil and Gas Leasing on the OCS. The Quartely Journal of Economics 92, nº 3, agosto/1978, pp LIBECAP, G. D. & S. N. WIGGINS, 1984, Contratual Responses to Common Pool Prorationing of Crude Oil Production. American Economic Review 74, nº 1. Março/1984, MAJD, S. e R. PINDYCK, Time to build, Option Value and Investment Decisions. Journal of Financial Economics 18 (march), pp MAYO, W Rent Royalties. Economic Journal 55, nº 150, set/1979, McDONALD, R. L. e D.R. SIEGEL, Investment and the Valuation of Firms when there is an option to shut down. International Economic Review 26, Nº 2, Jun/85, pp MINARDI, A.M.F Teoria de opções aplicada a projetos de investimento. São Paulo: Atlas, MYERS, S.C. e S. MAJD, Abandonment Value and Project Life. Advances in Futures and Options Research 4, pp OSMUNDSEN, P., Dynamic taxation of non-renewable natural resources under asymmetric information about reserves. Canadian Journal of Economics 31, nº 4, out./98, pp PINDYCK, R.S., Irreversible Investment, Capacity Choice, and the Value of the Firm. American Economic Review 78, nº 5 (December), pp PINDYCK, R. S., Irreversibility, Uncertainty, and Investment. Journal of Economic Literarture 29, 3 (Sept.), pp POSTALI, F.A.S Renda Mineral, Divisão de Riscos e Benefícios Governamentais na Exploração de Petróleo no Brasil. Rio de Janeiro, BNDES,
8 POSTALI, F.A.S. e P. PICCHETTI, Irreversibilidade dos investimentos versus opção de interromper: medindo a importância da flexibilidade. Anais do V Encontro Brasileiro de Finanças, 2005, São Paulo. Sociedade Brasileira de Finanças. QUIGG, L., Optimal Land Development. In TRIGEORGIS, L. (org.), Real Options in Capital Investment: Models, Strategies, and Applications. Praeger Ed., SCHWARTZ, E. S. & L. TRIGEORGIS (orgs.), Real Options and Investment under uncertainty: classical readings and recent contributions. Cambridge: MIT, TRIGEORGIS. L., 1995 (org.). Real Options in Capital Investment: Models, Strategies and Applications. Praeger, TRIGEORGIS. L., Real Options managerial flexibility and strategy in resource allocation. MIT Press, ZHANG, L., Neutrality and Efficiency of Petroleum Revenue Tax: A Theoretical Assessment. Economic Journal 107 (443), jul/97, pp
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