Câmara dos Deputados Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação Escrevendo a História - Série Estrangeira

Transcrição

1 Discurso proferido na sessão de 08 de maio de 1991, publicado no DCN de 09 de maio de 1991, página O SR. PRIMEIRO-MINISTRO ANÍBAL CAVACO SILVA (Primeiro-Ministro de Portugal) Sr. Presidente do Senado Federal, Mauro Benevides, Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, Sr. Cardeal de Brasília, Dom José Freire Falcão, Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Sydney Sanches, Srs. Senadores, Srs. Deputados, minhas Senhoras e meus Senhores. Queria começar por agradecer a Vossa Excelência, Senhor Presidente, as palavras de saudação com que quis honrar o Chefe do Governo de Portugal, palavras que eu entendo como uma homenagem ao meu País e ao povo português. Tocaram-me fundo, do mesmo modo, as intervenções realizadas, em nome do Senado e da Câmara dos Deputados, pelos ilustres oradores que antecederam, e que foram testemunho vivo da forma como se reforçam e se sublinham as relações ímpares e perenes que unem o Brasil e Portugal. O Parlamento é a essência da própria democracia, é por definição o ponto fulcral de um sistema democrático onde se exprimem, em liberdade, os anseios, as causas e os desígnios de todo um povo. Por isso, ao dirigir-me a Vossas Excelências, vejo diante de mim o povo brasileiro, a Nação hospitaleira e irmã, cujas raízes históricas mergulham na História do meu próprio país, cuja cultura foi caldeada com a própria cultura portuguesa, e cuja língua é, afinal o idioma que une perto de duzentos milhões de pessoas em todos os azimutes. Pela primeira vez, em simultaneidade, e desde a década dos anos vinte, os regimes políticos dos nossos países assentam na verdade democrática e na livre expressão da vontade popular. Desta tribuna simbólica saúdo os parlamentares brasileiros, representantes legítimos de um povo livre, e rendo uma homenagem de respeito as instituições democráticas brasileiras, cuja credibilidade saiu reforçada no último pleito eleitoral. Senhores Senadores e Senhores Deputados: O mundo de hoje caracteriza-se pelo rigor e pela exigência, pela competividade em todos os setores, sejam eles de índole política, social, econômica, ou ainda cultural e científica. Por isso se impõe a nossa cooperação, entre portugueses e brasileiros, 1

2 somando esforços, mobilizando e integrando vontades numa obra que é de inteligência, mas deve também ser de coração. Estou em Brasília numa visita que creio ser importante para os nossos dois países. O relacionamento privilegiado que mantemos viveu largos anos adormecido sob um sentimentalismo que repousava na ausência de conflitos políticos, na contemplação da história e no idioma que nos aproximava sem escolhos. Julgo que já navegamos essas águas, que esses são fatores que podemos bem considerar como adquiridos, e que outros horizontes se impõem para responder aos desafios do século XXI. É hoje reconhecido que ocorreu nos últimos anos uma viragem qualitativamente importante nas relações entre Brasil e Portugal. Desde logo, no plano político, pela reconquista simultânea da ênfase democrática. Mas também na esfera cultural, como o prova o Acordo Ortográfico que recentemente assinamos, e no campo econômico, como atestam as estatísticas e sobretudo, as intenções do futuro nos investimos e na balança comercial. Um dos setores para o qual essas relações privilegiadas se devem orientar é evidentemente o do idioma, instrumento de cultura e de civilização. Entendo que o Acordo Ortográfico, recentemente assinado e neste momento em análise pela Assembléia da República portuguesa, é um verdadeiro instrumento de defesa da nossa língua, de prestígio do idioma português no mundo. Por tudo isso, foram sete os países que o assinaram, já que contamos com a vontade, eu diria mesmo como o entusiasmo, dos países africanos de língua portuguesa. O idioma português já não pertence só a Portugal e ao Brasil, expandiu-se, enriqueceu-se, rejuvenesceu, é patrimônio do mundo. Assistimos cada vez mais a afirmação da presença dos países e das comunidades que falam a nossa língua, o que nos impõe o dever a todos os que estamos neste hemiciclo de contribuir para a crescente afirmação da língua que a todos nos une. Também no plano econômico os nossos dois países devem intensificar a sua cooperação, cimentando este momento de mudança. Partidário da liberdade do comércio, da livre iniciativa e do progresso sustentado, entendo que o caminho indicado passa por estimular o aprofundamento das relações entre os empresários do Brasil e de Portugal. Os empresários devem sentir que o comportamento dos Governos favorece a cooperação empresarial. Não há nunca bons 2

3 negócios por decreto. Os empresários devem procurar os caminhos certos, e os Governos devem ajudar, criando as condições favoráveis a esses caminhos. Muitos fizemos já nesse campo. O Brasil é hoje o maior investidor não europeu em Portugal, o que significa que os empresários brasileiros encontram condições em Portugal para prosperar. Mas não devem olhar apenas para o mercado português. Devem ver além, devem ver os horizontes da Europa Comunitária, da Europa Central e do Leste, da própria África onde poderemos em conjunto contribuir decisivamente para o progresso e o desenvolvimento e com vantagens para os nossos próprios países. Senhor Presidente, Senhores Senadores e Senhores Deputados: Portugal e o Brasil institucionalizaram, nesta minha visita oficial a Brasília, as cimeiras, as reuniões de cúpula anuais entre os Governos dos dois países, que, estou certo, passarão a ser um marco na teoria e, sobretudo, na prática das nossas relações. Manifestamos ontem a intenção, o Presidente Collor e eu próprio, que destas cimeiras resultará um renovado dinamismo baseado em realizações concretas. Vim acompanhado por nove membros do Governo português, que participaram ativamente nos trabalhos da cimeira. Talvez pareça ambicioso dizê-lo, mas poderia afirmar que desde D. João VI que não estavam no Brasil, ao mesmo tempo, tantos membros de um Governo português, hoje no pleno respeito das soberanias de cada um dos nossos países. Acredito que as fórmulas que adotamos, na cooperação política, econômica e cultural, são portadoras de esperança e de sucesso, desenhando com clareza os contornos desta nova relação, deste novo espírito de Brasília que irá marcar as nossas relações. Temos também outras convergências nas nossas perspectivas estratégicas e nas políticas externas que prosseguimos. Portugal afirma-se na Europa e no Atlântico, favorecendo os ideais de integração regional que o Brasil incentiva na América do Sul. Iremos assumir a Presidência do Conselho das Comunidades Européias no primeiro semestre do próximo ano. Durante esses seis meses, seremos o porta-voz da Europa, imprimindo o ritmo dos trabalhos e dos avanços da CEE. E posso afirmar aqui solenemente, perante os representantes do povo brasileiro, que ocuparão lugar cimeiro nas prioridades portuguesas a aproximação entre a Europa e 3

4 o Brasil, entre a Europa e a América Latina; que importa reforçar e diversificar. Creio mesmo que uma oportunidade única ocorrerá durante a Conferência Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento em junho de 1992, cuja importância não é demais sublinhar, e durante a qual será Portugal a assumir a Presidência da representação dos Estado-Membros da Comunidade Econômica Européia. Senhores Senadores, Senhores Deputados: Portugal tem no Atlântico o eixo prioritário da sua política externa, num feixe de convergências que engloba a Europa, o Brasil, os Estados Unidos e a África. O Atlântico é também parte determinante da própria identidade brasileira, oceano que o aproxima de outros continentes e através do qual se expandem os seus interesses. Gostaria de lançar aqui, no Congresso, a idéia de escrevermos, em colaboração, uma história do Atlântico, a organizar por acordo entre os Parlamentos e os Governos de Portugal e do Brasil, envolvendo historiadores conceituados, e em colaboração com os países africanos de língua portuguesa. Seria uma oportunidade rara para analisar os fatores históricos, culturais e geoestratégicos que nos unem, desde a navegação para o sul de Bartolomeu Dias, à viagem de Pedro Álvares Cabral, cujo percurso de Belmonte ao Brasil é um marco decisivo da própria História de Portugal, até a chamada diáspora negra que unem os continentes africano e americano. É um projeto de horizontes largos, mas seria uma forma única de contribuirmos para a celebração dos cinco séculos da descoberta do Brasil, que irá culminar o ciclo das comemorações das navegações portuguesas do século XV. E daria atualidade ao reencontro dos nossos países e à associação dos nossos irmãos africanos, que conosco partilham a mesma língua e as mesmas raízes culturais. Portugal procura estar presente em África, nomeadamente na África Austral. O processo de paz em Angola, após longas e difíceis negociações que a mediação portuguesa contribui para tornar positivas, abre perspectivas renovadas àquela região africana, à qual estamos historicamente ligados. A paz em Angola tornará mais fácil o progresso e o desenvolvimento de toda a região e cabe-nos a todos o dever de solidariedade, contribuindo para a melhoria do bem-estar dos angolanos. Outras regiões do mundo há onde os direitos do homem continuam a ser objeto de violações grosseiras. Sublinho aqui o caso de Timor Leste, território de língua portuguesa, ocupado pela Indonésia em clara violação dos princípios do direito internacional e das decisões das Nações Unidas, e cujo povo é impedido de expressar 4

5 livremente a sua vontade soberana. É responsabilidade de toda a comunidade internacional defender o direito inalienável do povo de Timor Leste a decidir livremente o seu futuro. Senhores Senadores, Senhores Deputados: As relações entre Portugal e o Brasil são hoje mais intensas na política, na economia, na cultura. É o início de uma viragem qualitativa que aponta para um esforço conjunto. E é muito importante que o Senado e a Câmara dos Deputados do Brasil, com o dinamismo da sua ação política, possam responder a esta velocidade da história, tal como eu espero que o parlamento português saiba assumir estes novos desígnios. Pelo meu lado, posso garantir que o meu governo tudo fará para dar conteúdo e eficácia aos novos planos que se abrem. Permita-me que termine, Senhores Senadores e Senhores Deputados, com uma palavra de confiança, que gostaria de associar à presença e à determinação da comunidade portuguesa no Brasil, que tem filhos ilustres nesta Câmara, e que é motivo de orgulho para portugueses e para brasileiros. Os portugueses e os luso-brasileiros são o espelho de Portugal no Brasil, são poderoso fator de aproximação entre as duas nações. São o passado, o presente e o futuro no nosso relacionamento. Para eles vai a minha derradeira homenagem. Muito Obrigado. (Palmas.). 5