A GUERRA DO FUTURO UM APORTE CONCEITUAL SIGNIFICATIVO
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1 A GUERRA DO FUTURO UM APORTE CONCEITUAL SIGNIFICATIVO Ricardo Vélez Rodríguez Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa, da UFJF. A atual campanha para a indicação dos candidatos democrata e republicano à Casa Branca está a revelar a grande vitalidade da sociedade americana. Há crise econômica? Sim. Mas isso não é motivo para que os estadunidenses joguem a toalha, no que tange a discutir as questões essenciais relativas à vida nacional, incluindo, entre elas, as relativas à segurança. Uma prova dessa vitalidade da sociedade americana é dada pelos numerosos estudos que aparecem todos os anos sobre temas estratégicos. A obra que comentarei a seguir reforça esta opinião. Trata-se do livro de John B. Alexander, intitulado: Winning the War Advanced Weapons, Strategies and Concepts for the Post- 9/11 World (New York: St. Martin s Press, 2004, 304 p.). O Coronel John B. Alexander, oficial aposentado do Exército dos Estados Unidos, é conhecido estudioso da guerra contemporânea, com ampla obra publicada a respeito dos novos armamentos e da estratégia que deve ser seguida nos conflitos no mundo globalizado. Doutorado pela Walden University, possui estudos de pós-graduação na Escola de Governo da Universidade de Harvard. É oficial de longa trajetória em assuntos militares na área internacional, tendo servido ao seu país em múltiplas missões na Europa,
2 bem como na Ásia, na África e na Oceania. É membro do Council on Foreing Relations, na Comissão que estuda a uso de armas não letais. É autor de numerosos artigos e ensaios que abarcam temas variados relacionados à guerra contemporânea, destacando-se a sua preocupação com a racionalidade no uso da variada gama de armamento de que pode dispor a grande potência americana, desde as armas convencionais, passando pelas armas utilizáveis na guerra psicológica, abrangendo os armamentos não letais e chegando até o uso de armas tecnologicamente sofisticadas, no contexto do que passou a ser denominado de Guerra nas Estrelas. A obra em apreço possui a seguinte estrutura: Primeira Parte: Os instrumentos da guerra. 1) A linha Phasers on Stun ; 2) Você pode fugir, mas não se esconder; 3) A herança letal. Segunda Parte: O mundo real. 4) O Nilo; 5) Portos de visita; 6) Um outro mundo; 7) Festa do Himalaia; 8) A guerra que esperamos combater. 9) A guerra que vamos combater. Terceira Parte: Vencer a guerra contra o Terrorismo. 10) O caminho de todas as desgraças; 11) O poder da Imprensa: uma arma estratégica; 12) A síntese da precisão. Quarta Parte: Plano B O evento que se anuncia no horizonte. 13) Repensando as missões espaciais; 14) Seis Soluções Sigma; 15) Vencendo a X Guerra Mundial. Epílogo. Apêndice: A importância de definir o conflito. O autor coloca-se no contexto da hodierna discussão que toma conta do debate estratégico americano, em torno às novas modalidades de luta na guerra contra o terrorismo, ensejada a partir dos atentados de 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos, perpetrados pela rede Al Qaeda. Mudaram os parâmetros da guerra com a virada do Milênio. Mudaram também as estratégias a serem desenvolvidas pelas Potências Mundiais nesta nova era. O debate é amplo e diversificado no meio da Inteligentsia americana, e toma conta de Universidades, Centros de Pesquisa, Imprensa, opinião pública em geral. Muito diferente do que ocorre no Brasil, onde as questões estratégicas ainda se circunscrevem a seletos grupos ligados às Forcas Armadas e a algumas Universidades. Não que não haja interesse no assunto. É cada vez maior o número de Faculdades dedicadas ao estudo das Relações Internacionais. Hoje, no Brasil, os cursos nessa área somam 98. Mas ainda está para acontecer o debate aprofundado acerca das nossas prioridades estratégicas. De um lado, o tradicional autoritarismo republicano, levou a que se pensasse a estratégia nacional no contexto de um modelo autoritário. Isso aconteceu no seio do Estado Getuliano e no Ciclo Militar. Está para se consolidar, ainda, o amplo debate democrático em relação às nossas prioridades estratégicas. Na tentativa de que aconteça essa realidade, tem sido de grande valor a iniciativa da Eceme de atrair para os debates nesse terreno as Universidades Brasileiras. Desse esforço dá testemunho o conjunto de cinco Encontros Estratégicos que aconteceram ao longo dos últimos anos. Também deve ser mencionado como iniciativa de peso, o esforço empreendido por algumas editoras nacionais, notadamente a Bibliex, no sentido de divulgar, para o público brasileiro civil e militar, estudos de reconhecidos especialistas nas questões estratégicas, tanto nacionais quanto estrangeiros. Uma outra iniciativa importante é a empreendida pela Universidade Federal de Juiz de Fora, ao albergar o Portal Defesa, órgão de divulgação do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa, criado em 2005 com a finalidade de estimular os
3 estudos e as pesquisas estratégicas no meio universitário. O volume dos trabalhos publicados, na sua grande maioria de alunos e professores da UFJF, bem como de especialistas de outras Universidades, está a revelar a grande importância que os estudos estratégicos têm hoje para a sociedade brasileira. De outro lado, a insana ideologização esquerdizante e o espírito de revanchismo contra as Forças Armadas, imperantes nos Partidos políticos e nas Universidades Públicas, têm criado barreiras e preconceitos contra o sereno estudo das questões estratégicas. É verdade que começam a ser quebradas essas barreiras, mas ainda há muita falta de informação e ausência de vontade política, para percorrer o longo caminho em direção ao estabelecimento de uma sedimentada tradição de pensamento estratégico no Brasil. O debate que ocorre no seio da sociedade americana é rico e aberto. Percebe-se uma mudança de rumo quanto aos esforços em torno à identificação dos conflitos, nas políticas desenvolvidas pelo Departamento de Estado. Diferentemente da política que pretendia identificar e apoiar grupos que estudassem o surgimento de situações conflituosas pelo mundo afora (são conhecidas, por exemplo, as generosas verbas distribuídas a pesquisadores de esquerda, na América Latina, pela Ford Foundation, para identificar focos de conflito, sendo a questão agrária uma das que mais verbas canalizou ao longo dos últimos trinta anos), o apoio hoje está sendo dado a indivíduos que tenham capacidade de detectar, a nível global, as novas modalidades de conflito, notadamente no que diz relação às ações dos grupos terroristas. Trata-se de uma significativa mudança de orientação, dirigida especificamente a responder ao terrorismo em rede. A obra do coronel John B. Alexander que ora é objeto de análise, situa-se nesse ágil contexto da hodierna modalidade estadunidense de estudos acerca do terrorismo. O livro em apreço critica de forma corajosa as políticas desenvolvidas pelo governo Bush na guerra contra o terror, não porque não devessem ter sido deslanchadas, mas porque o enfoque do atual governo americano tem sido simplório demais. Na parte introdutória da obra, já fica clara a posição do autor: Segundo o meu ponto de vista, enveredamos em direção à X Guerra Mundial. Chamo esta de X Guerra Mundial, porque ninguém sabe, com certeza, quantos conflitos mundiais ocorreram a ainda acontece um debate acadêmico acerca de como deve ser entendida a Guerra Fria. Esta nova guerra travar-se-á ao longo das linhas dos sistemas de crenças, não apenas no patamar das Nações- Estados. A idéia do Presidente Bush de Eixo do Mal é insuficiente, tanto geográfica quanto conceitualmente. Como tentativa para classificar cômoda e distintamente adversários, essa idéia se não ajusta adequadamente à complexidade do terrorismo. Em outras palavras, convidar para identificar melhor os adversários pode, com certeza, suscitar o ódio em muitos Americanos. Isso também espelha o ponto de vista politicamente correto de que todas as religiões podem se acomodar numa coexistência de diferentes sistemas de fé e funções fixas, num mundo que é dependente do
4 comércio mundial e dos interesses econômicos. Mas, infelizmente, a realidade não é tão simples. Quando aconteceu o 11 de Setembro, o futurólogo John Peterson considerou esse fato como um simples ponto na história, destacando que se tratava de apenas um entre vários eventos que nos foram envolvendo num conflito global. O aparente sucesso militar no Afeganistão pode ter dispersado temporariamente a liderança de Al Qaeda, mas é de fato insuficiente para debelar as causas ocultas que fizeram com que essa rede fosse gerada e florescesse. A obsessão com o politicamente correto levará ao fracasso e à morte de muitos civis inocentes. Em face desse risco, decidimos agir. No entanto, nas ações propostas, alertamos para o uso indiscriminado da força e, também, para o sacrifício das vidas de não combatentes. As leis da guerra existentes certamente serão desafiadas e poder-se-á acha-las inadequadas. América será forçada a fazer algumas escolhas duras. Se isso for feito com suficiente coragem e com rigor, é possível garantir a sobrevivência nacional e os nossos aliados, também, beneficiar-se-ão de nossa posição de força. Atrasos criarão um intransponível pântano que certamente dificultará nosso sucesso, pondo em risco a preservação da qualidade de vida, bem como as liberdades civis concomitantes (p. 5). Em oito pontos podem ser resumidas as recomendações do autor, no que tange à estratégia que deve ser seguida na guerra contra o terrorismo: 1. América deverá agir unilateralmente, em muitos casos que comprometam os seus interesses nacionais. Isso decorre de vários aspectos: a complexidade do mundo contemporâneo, a agressividade do terrorismo atual que simplesmente olha para a destruição da civilização americana e ocidental e o fato de a América ser, hoje, a única superpotência no mundo. 2. As alianças internacionais são passageiras e inviabilizam-se no momento em que são desconhecidos, sumariamente, os interesses americanos por governos, ou à sombra destes, por culturas familísticas, tribais ou por grupos comandados pelos senhores da guerra. 3. Num mundo com recursos naturais escassos, que são cobiçados por outras potências e em meio a um discurso que assinala os Estados Unidos como país que gasta esses recursos de forma desmedida, América deverá intervir com força quando lhe for negado o acesso a esses recursos, a fim de manter a sua soberania e garantir a sua capacidade de ajudar ao desenvolvimento do resto do mundo. 4. Na luta em prol da sobrevivência por parte das Nações, no mundo atual, ocorrerá, necessariamente, choque de culturas, na medida em que outros países estiverem inspirados em valores não compatíveis com os que animam aos Americanos e aos seus
5 aliados. Os Estados Unidos devem se aparelhar para este tipo de combate, no terreno das idéias e das crenças. 5. Na escolha das estratégias defensivas da soberania americana, devem ser levados em consideração os aspectos que tangem diretamente a segurança interna dos Estados Unidos, bem como aqueles que se relacionam aos interesses globais no meio ambiente, no progresso social em saúde e educação, e que se encontram intimamente vinculados à economia mundial. 6. Entre os aspectos táticos a serem levados em consideração, hoje, deve ser dada grande importância à utilização de armas não letais na resolução de conflitos, como foi destacado no livro do autor, já publicado sob o título de Future War. 7. Deve ser levada em consideração, também, a necessidade imperiosa de agilizar o deslocamento de forças rápidas de ataque, e de garantir a sua segurança ao longo das operações em execução. Deve-se planejar a proteção necessária para derrotar ameaças assimétricas à nossa infra-estrutura. 8. Deve ser incluída a utilização unilateral de armas colocadas no espaço para garantir a segurança nacional quando a rapidez e a certeza de destruição (dos alvos inimigos) for necessária (p. 6). O autor lembra as palavras de Caspar Weinberger, pronunciadas em entrevista concedida logo após os ataques de 11 de Setembro de 2001: A coisa que as pessoas pelo mundo afora estão sempre falando é que a América é forte demais e isso é tudo. Mas o que realmente todos temem é uma América frágil.
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