ARTE LITERÁRIA. Compreender a literatura como arte. Ao final desta aula, você deverá:
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- Gustavo Camilo Laranjeira
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1 4 aula ARTE LITERÁRIA Meta Compreender a literatura como arte. Objetivos Ao final desta aula, você deverá: z perceber como a literatura se consolida como expressão artística; z reconhecer os pressupostos básicos das teorias que buscam explicar a obra literária.
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3 AULA IV Aula 4 ARTE LITERÁRIA 1 INTRODUÇÃO Nesta aula, você verá que a obra artística literária convive e se relaciona com outras obras de arte, pois todas fazem parte do ato criador artístico. Perceberá que, em virtude de fatores variados, tais como o público, o meio e até a subjetividade do artista, elas podem apresentar elementos distintos na sua formulação mais profunda. Conhecerá, também, alguns pressupostos teóricos que explicam sobre o funcionamento da obra literária. UESC Letras Vernáculas 51
4 Fundamentos de Teoria da Literatura Arte literária 2 CONSTRUINDO A LITERATURA Assim como as expressões da arte ou suas manifestações foram se consolidando ao longo do tempo, tais como a pintura, a escultura, a música, a dança, entre outras, a literatura se consolida também como expressão artística. Entre tais expressões artísticas há pontos comuns e outros tantos distintos, sendo o principal elemento desta distinção a própria matéria com que é produzida a arte. Esta matéria-prima, que é essencial na produção artística, é o que chamamos linguagem e que particulariza a manifestação artística. Deste modo, a escultura se concretiza a partir do espaço tridimensional, a pintura se vale do espaço da tela, caracterizado como bidimensional. Podemos dizer, então, que a matériaprima da escultura é o próprio espaço tridimensional que pode ser utilizado, preenchido a partir de vários materiais: argila, gesso, ferro, madeira etc. Já a pintura se utiliza das formas em cores, da linha, do contorno, em um espaço bidimensional, valendo-se para isto de técnicas, tais como tinta a óleo, que é sobreposta à tela, daí advindo a pintura a óleo. As artes, de forma geral, utilizam os vários materiais na sua criação, como vimos com a escultura (figura 1) e a pintura (figura 2), ocorrendo o mesmo com a literatura, considerada, então, uma arte literária. Mas qual é a matéria-prima, o material da literatura como arte? Do mesmo modo que a música se utiliza da associação do som, a dança do movimento, a literatura se utiliza da palavra para sua criação. No entanto, você deve atentar que não basta o Figura 1: A escultura O pensador, do artista francês Auguste Rodin, foi criada em 1904, utilizando bronze como matéria-prima. Fonte: simples uso da palavra para fazer literatura; pois, na feitura do texto literário, deve-se considerar a intenção do escritor na percepção da realidade. A intenção do escritor normalmente é voltada para a elaboração de um conteúdo, através de uma escolha e associação de palavras que deem um efeito específico. 52 Módulo 1 I Volume 4 EAD
5 A linguagem literária, assentada na palavra, carrega em si, como todas as linguagens artísticas, uma mistura ou associação de diversos códigos, constituindo a heterogeneidade tipicamente artística. Esta constatação ganha impulso com os estudos formalistas, ainda na primeira metade do século XX, que buscam classificar a arte literária através de códigos específicos e de determinados domínios de conteúdo e forma, para, ao final, ironicamente, constatar que tal arte pode ser híbrida. Você já sabe, desde a primeira aula, que a discussão sobre a natureza literária data de vários anos, fincando raízes mesmo na Antiguidade Clássica, com Aristóteles e Platão. A tradição iniciada na Antiguidade se constrói e se estabelece em muitos anos de discussão, adquirindo base nos manuais de poética e retórica ao longo do tempo. No entanto, vamos encontrar nos movimentos de crítica, já no século XIX, o claro momento de aprofundamento e definição das poéticas que buscam as qualidades específicas da linguagem literária, aquilo que ficaria conhecido mais tarde como literariedade, ou seja, uma possível capacitação do literário como atributo particular. Ainda hoje, um dos problemas fundamentais de toda teoria da literatura, independente da origem da crítica, diz respeito à natureza do discurso literário. Neste sentido, diversos autores insistiram nos estudos sobre a natureza da literatura, numa possível literariedade, como sendo a manifestação de uma das funções da linguagem verbal. 3 O FUNCIONAMENTO DA OBRA LITERÁRIA Em princípio, três funções presentes na linguagem poderiam especificar o discurso literário, conforme Karl Buhler: a representação, a expressão e o apelo. Some-se a esses o acréscimo da função estética, sugerida pelos formalistas do Círculo Linguístico de Praga. Figura 2: A pintura a óleo sobre tela intitulada Mona Lisa, também conhecida como La Gioconda, é a mais notável e conhecida obra do pintor italiano Leonardo da Vinci e data de Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/monalisa SAIBA MAIS a U V F CA R K M Karl Buhler, psicólogo, nascido na Alemanha em 1879 e falecido em 1963, foi obrigado a emigrar para os Estados Unidos da América, fugindo do Nazismo. Desenvolveu trabalhos experimentais nas áreas da linguística e estilística. Fonte: karl-buhler Aula 4 UESC Letras Vernáculas 53
6 Fundamentos de Teoria da Literatura Arte literária Figura 3: Pintura de Peter Paul Rubens, pintor flamengo inserido no contexto do Barroco. Fonte: Onipresença é a capacidade de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Em teologia, a onipresença é um atributo divin segundo o qual Deus está presente em todos os pontos da criação. Em conjunto à simplicidade divina, pode-se dizer que Deus está totalmente presente em cada ponto do universo. Ora, a função estética abre substancialmente as possibilidades de abrangência do literário, visto que sua estabilidade está diretamente relacionada ao contexto, ao público, enfim, à sociedade. É notória a configuração estética dominante na pintura até o século XIX, em que as representações femininas eram invariavelmente mulheres gordas. Esta constatação atesta o modelo estético vigente à época, que veio a se modificar ao longo dos tempos. A grande modificação advinda com a função estética vem do fato de não ser uma função observável, parecendo inserir uma subjetividade que, ao contrário das outras funções que se mostram mais práticas, vem à tona. Deste modo, podemos qualificar as funções de apelo e expressão como funções práticas, enquanto a função estética, como subjetiva. Há certo consenso que aponta no sentido de existir uma função estética que perpassa todo o discurso linguístico, logo, também, o discurso literário, visto que potencialmente a estética é onipresente. A teoria da função estética na arte, conforme Roman Jakobson,é fundamental para o desenvolvimento posterior. Nela, são apresentadas seis funções na linguagem. São elas: Função referencial ou denotativa SAIBA MAIS Linguista russo, Roman Osipovich Jakobson, nasceu em 11 de outubro de 1896, vindo a falecer em 18 de julho de Tornou-se um dos maiores linguistas do século XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte. Fonte: wiki/roman_jakobson Busca transmitir uma informação objetiva, expõe dados da realidade de modo objetivo, não faz comentários, nem avaliação. Geralmente, o texto apresenta-se na terceira pessoa do singular ou plural, pois transmite impessoalidade. A linguagem é denotativa, ou seja, não há possibilidades de outra interpretação além da que está exposta. Aparece geralmente em textos científicos, jornalísticos, técnicos, didáticos ou em correspondências comerciais. Por exemplo: Bancos terão novas regras para acesso de deficientes. (jornal O Popular). 54 Módulo 1 I Volume 4 EAD
7 Função emotiva ou expressiva O objetivo do emissor é transmitir suas emoções e anseios. A realidade é transmitida sob o ponto de vista do emissor, a mensagem é subjetiva e centrada no emitente e, portanto, apresenta-se na primeira pessoa. Essa função é comum em poemas ou narrativas de teor dramático. Por exemplo: Porém meus olhos não perguntam nada./ O homem atrás do bigode é sério, simples e forte./ Quase não conversa./ Tem poucos, raros amigos / o homem atrás dos óculos e do bigode. (Poema de sete faces, Carlos Drummond de Andrade). Função conativa ou apelativa O objetivo é de influenciar, convencer o receptor de alguma coisa por meio de uma ordem (uso de vocativos), sugestão, convite ou apelo (daí o nome da função). Os verbos costumam estar no imperativo (Compre! Faça!) ou conjugados na 2ª ou 3ª pessoa (Você não pode perder! Ele vai melhorar seu desempenho!). Esse tipo de função é muito comum em textos publicitários, em discursos políticos ou de autoridade. Por exemplo: Não perca a chance de ir ao cinema pagando menos! Aula 4 Função metalinguística É quando o emissor explica um código usando o próprio código. Quando um poema fala da própria ação de se fazer um poema, por exemplo: Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Este trecho da poesia, intitulada Para fazer um poema dadaísta, utiliza o código (poema) para explicar o próprio ato de fazer um poema. Função fática O objetivo dessa função é estabelecer uma relação com o emissor, um contato para verificar se a mensagem está sendo transmitida ou para dilatar a conversa. Quando estamos em um diálogo, por exemplo, e dizemos ao nosso receptor Está entendendo?, ou quando atendemos o celular e dizemos Oi ou Alô, estamos usando essa função. UESC Letras Vernáculas 55
8 Fundamentos de Teoria da Literatura Arte literária Função poética É a função que se assenta na própria mensagem. É a função predominante na linguagem literária e em letras de música. Por exemplo: negócio/ego/ócio/cio/0. Na poesia Epitáfio para um banqueiro, José de Paulo Paes faz uma combinação de palavras que passa a ideia do dia a dia de um banqueiro, de acordo com o poeta. Fonte: SAIBA MAIS Louis Hjelmslev, linguista dinamarquês, foi precursor das modernas tendências da linguística e propositor do termo glossemática, para designar o estudo e a classificação dos glossemas, as menores unidades linguísticas que podem servir de suporte a uma significação. Fundou o Círculo Linguístico de Copenhague, em Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/ Louis_Hjelmslev Estas funções da linguagem propostas por Jakobson, em seu livro Linguística. Poética. Cinema (1970), ainda hoje, são válidas e têm norteado os estudos linguísticos e mesmo os literários no modo de ver a obra literária. Importa saber, outrossim, que a linguagem literária, assim como outras linguagens artísticas, não faz uso somente de um tipo de função. Normalmente, mais de uma pode estar presente, sendo que uma pode ser predominante. Contribuiu para essa dimensão de conhecimento, a distinção estabelecida por Louis Hjelmslev, entre linguagem denotativa e conotativa. A primeira diz respeito à natureza primária e concreta da linguagem, enquanto a segunda estabelece um sentido figurado que se relaciona à linguagem natural. Deste modo, a linguagem literária constitui, sobretudo, uma linguagem conotativa, pois trata de uma forma figurada ou conotada, que é a expressão artística. Assim, no sentido que foi dado por Hjelmslev, todo sistema literário é conotado, pois expressa diversos outros códigos, tais como: o estilístico, relacionado à maneira especial com que o autor expõe sua arte; o ideológico, relacionado a sistemas de ideias e mentalidades presentes num determinado contexto, entre outros. Podemos, neste sentido, afirmar que todo texto literário se situa num espaço intertextual, pois abarca outros códigos e discursos que o enriquecem. É consequente inferir que, a partir das informações dadas até aqui, o escritor, o poeta ou artista da escrita literária se situa numa determinada tradição linguística que conflui com outras tradições, tais como a retórica, a temática, a psicológica etc., com a qual ele se relaciona, transformando, aceitando, 56 Módulo 1 I Volume 4 EAD
9 recusando, enfim, interagindo. O texto literário depende de múltiplos códigos culturais não literários, tais como os código ideológicos, éticos e sociopolíticos, que se relacionam e acrescentam ao texto literário sentidos diversos. Assim, a combinação dos vários elementos codificadores resulta no discurso literário. Daí, a análise linguística do plano literário ser perfeitamente possível, mas não alcançar o nível especificamente literário. fenomenológica Roman Roman Ingarden (1893- a estrutura essencial da obra 1970) foi um filósofo e literária, aprofundando os estudos formalistas previstos em usualmente associado à Ingarden busca apreender encetada por teórico literário polonês Para Ingarden, a estrutura específica consiste na corrente fenomenológica. razão de a obra literária ser constituída por vários estratos estudiosos como o pai da Jakobson. heterogêneos, que, por sua vez, se distinguem entre si pela matéria e pela função de que são revestidos, seja em relação a outras instâncias, seja em relação à totalidade da obra. De É reconhecido por alguns estética de recepção. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/ Roman_Ingarden acordo com Ingarden, os vários estratos, ou seja, as camadas, que esquematizam e dão heterogeneidade à obra literária, dão um caráter polifônico, de múltiplas vozes à mesma. A concepção de objeto literário, a partir de um sistema de estratos esquematizantes e heterogêneos, recusa as interpretações de cunho político, ideológico, bem como o rigor formalista advindo das teorias de Jakobson quanto às funções da linguagem. Parece haver, nesta perspectiva, uma maior objetividade na apreensão do fenômeno literário e sua implicações, bem como na sua própria constituição. Enfim, podemos depreender que a obra literária é constituída por diversos elementos que concorrem e acrescentam à sua forma final. Os estudos das funções da linguagem e, posteriormente, dos estratos da linguagem, fizeram com que identificássemos de maneira mais clara e particular como a literatura se vale de múltiplos aspectos na sua formulação. Chegou a hora de colocar em prática o que aprendeu! Figura 4: Os vários níveis de informação e códigos fazem com que a obra de arte literária seja constituída em sua forma polifônica. Fonte: openphotonet_zquish4.jpg UESC Letras Vernáculas 57 4 análise Aula A PARA CONHECER
10 Fundamentos de Teoria da Literatura Arte literária ATIVIDADES 1. De acordo com a teoria encetada por Roman Jakobson, há seis funções da linguagem. Cite-as, exemplificando. 2. Das funções da linguagem, qual se relaciona à obra literária, por aparecer em predominância? Explique. 3. Do mesmo modo que a música se utiliza da associação do som, a dança do movimento, a literatura se utiliza da palavra para sua criação. No entanto, devemos atentar que não basta o simples uso da palavra para fazer literatura. Assim, que outros elementos podemos considerar na criação artística literária? 4. Em que consiste a teoria de Roman Ingarden? Procure exemplificar. RESUMINDO Nesta aula, você viu, primeiro, como a literatura se consolida como expressão artística; depois, a concepção de literatura a partir de alguns dos mais importantes teóricos do século XX: Roman Jakobson, Louis Hjelmslev e Roman Ingarden. Com o primeiro, viu as funções da linguagem; com o segundo, a distinção entre denotação e conotação; com o terceiro, a noção de estrutura. LEITURA RECOMENDADA Para complementar esta aula, recomendo a leitura de HAUSER, Arnold. História social da literatura e da arte. Lisboa: Mestre Jou, (sd) e SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da literatura. São Paulo: Ática, Na próxima aula... iniciaremos o estudo dos Gêneros literários. 58 Módulo 1 I Volume 4 EAD
11 BERRIO, Antonio Garcia; FERNANDEZ, Teresa Hernández. Poética: tradição e modernidade. São Paulo: Littera Mundi, R E F E R Ê N C I A S GOMES, Heidi Strecker. Análise de texto: teoria e prática. 10. ed. São Paulo: Atual, GONÇALVES, Magaly Trindade; BELLODI, Zina C. Teoria da literatura revisitada. Petrópolis: Vozes, JAKOBSON, Roman. Linguística. Poética. Cinema. Trad. de Haroldo de Campos. São Paulo: Perspectiva, LIMA, Luiz Costa. Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, Aula 4 SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 5. ed. Coimbra: Almedina, UESC Letras Vernáculas 59
12 Suas anotações
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