O autógrafo de lei em análise, ao criar o dever de os estacionamentos, públicos e privados,

Transcrição

1 Vitória, 08 de janeiro de Mensagem n º 12 / 2009 Senhor Presidente: Levo ao conhecimento dessa ilustre Casa de Leis que vetei parcialmente o Projeto de Lei nº 351/2008, de autoria do Deputado Cacau Lorenzoni, aprovado pelos Senhores Deputados e transformado no Autógrafo de Lei nº 336/2008, cujo teor Dispõe sobre período mínimo de gratuidade em estacionamentos para veículos automotores utilizados por pessoas com deficiência. O veto que ora aponho ao projeto de lei em exame cinge-se, tão-somente, ao parágrafo único do seu artigo 1º, posto que afronta o disposto no artigo 22, I da CF/88, conforme conclusão do parecer exarado pela Procuradoria do Estado, adiante transcrito, cujo teor aprovo: O autógrafo de lei em análise, ao criar o dever de os estacionamentos, públicos e privados, concederem às pessoas portadoras de necessidades especiais período mínimo de gratuidade equivalente ao dobro daquele concedido aos demais, não apresenta pecha de inconstitucionalidade formal ou material. Do ponto de vista formal, não se nega que a questão da validez do texto normativo em disquisição é espinhosa, já que estamos num terreno onde se imiscuem competência legislativa privativa e competência legislativa concorrente. Com efeito, num primeiro conspecto, na hipótese em causa digladiam-se a competência privativa da União para legislar sobre direito civil1 (art. 22, I, CF/88) com a competência legislativa concorrente de todos os entes da federação, para tratar da proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XXIV, da CF/88). Eis o conteúdo prescritivo das normas de competência que estão em potencial conflito: CF/88 Art Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; [... ] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

2 [...] Porém, a meu sentir, esse aparente conflito é dirimido pela constatação de que o vertente autógrafo não se ocupa de estabelecer uma limitação genérica ao exercício do direito de propriedade, não interferindo, pois, nos elementos essenciais desse ingente direito constitucional (aspectos esses que foram justamente as razões erigidas pela jurisprudência do STF para afastar ingerências normativas dos Estados-membros na cobrança de estacionamentos). Tal ilação fica mais clara quando se tem em mente que as normas sob exame não tratam de uma gratuidade generalizada. Ao contrário, tais preceitos visam, tão-somente, a adequar uma gratuidade, já estabelecida, às necessidades especiais de locomoção dos portadores de deficiência física. Seu escopo é, portanto, concretizar os valores indicados no inciso XIV do art. 24 da CF/88. Esse posicionamento é o que melhor se coaduna com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já enfrentou em três oportunidades o choque de competências legislativas privativas com a competência legislativa concorrente prevista no inciso XIV do art. 24 da Carta da República, havendo, em todas, conferido primazia a esta última. Assim ocorreu na AOI-MC 903, AOI 451 e AOI 2.477, cujas decisões são as seguintes: Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALlDADE - LEI /92 DO ESTADO DE MINAS GERAIS - PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA - TRANSPORTE COLETIVO INTERMUNICIPAL EXIGÊNCIA DE ADAPTAÇÃO DOS VEíCULOS - MATÉRIA SUJEITA AO DOMíNIO DA LEGISLAÇÃO CONCORRENTE POSSIBILIDADE DE O ESTADO-MEMBRO EXERCER COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PLENA - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA POR DESPACHO - REFERENDO RECUSADO PELO PLENÁRIO. - O legislador constituinte, atento à necessidade de resguardar os direitos e os interesses das pessoas portadoras de deficiência, assegurando-ihes a melhoria de sua condição individual, social e econômica - na linha inaugurada, no regime anterior, pela E.C. n. 12/78 -, criou mecanismos compensatórios destinados a ensejar a superação das desvantagens decorrentes dessas limitações de ordem pessoal. - A Constituição Federal, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente à proteção e à integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV) -, deferiu ao

3 Estado-membro, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, 3 ). A questão da lacuna normativa preenchível. Uma vez reconhecida a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal em temas afetos às pessoas portadoras de deficiência, e enquanto não sobrevier a legislação de caráter nacional, é de admitir a existência de um espaço aberto à livre atuação normativa do Estado-membro, do que decorre a legitimidade do exercício, por essa unidade federada, da faculdade jurídica que lhe outorga o art. 24, 3, da Carta Política. [...] (ADI MC. 903/MG, Relator(a): Min. CELSO DE MEllO, Julgamento: 14/10/1993, Órgão Julgador: Tribunal Pleno) Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. lei n , de 19 de novembro de 1990, do Estado do Rio de Janeiro, a qual dispõe sobre medidas de segurança nos estacionamentos destinados a veículos automotores. Pedido de liminar. - Não ocorrência, no caso, de manifesta relevância jurídica de impugnação. - Por outro lado, não se evidencia a existência de periculum in mora. Pedido de concessão de liminar indeferido. (ADI-MC 451, Relator(a): Min. MOREIRA AlVES, Julgamento: 22/03/1991 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO) INFORMATIVO N 265 TíTULO Assentos para Obesos: Periculum in Mora Inverso PROCESSO ADI ARTIGO O Tribunal, por maioria, negou referendo à decisão proferida pelo Min. limar Galvão que deferira em parte o pedido de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Paraná contra os artigos 1, 2 e 3 da lei /2001, do mesmo Estado ["Art. 1 As salas de projeções, teatros e os espaços culturais no Estado do Paraná que utilizam assentos para platéia deverão reservar 3% (três por cento) desses lugares para utilização por pessoas obesas. Art. 2 As empresas concessionárias de transporte coletivo municipal e intermunicipal com sede no Estado do Paraná deverão reservar no mínimo 02 (dois) lugares em cada veículo, para atendimento do disposto nesta lei. Art. 3 Os lugares reservados de que tratam os artigos anteriores consistirão em assentos especiais, de forma a garantir o conforto físico compatível para as pessoas objeto desta lei."]. Considerou-se que, à primeira vista, a lei impugnada está inserida na competência concorrente dos Estados e Municípios para legislar sobre a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência prevista no art. 24, XIV, da CF (haja vista que a obesidade mórbida é uma forma de deficiência física), e, que, na hipótese, há a inversão de

4 riscos, visto que a irreparabilidade dos prejuízos recairia sobre pessoas desfavorecidas por estado patológico que devem merecer tratamento especial por parte do Poder Público. Vencidos os Ministros limar Galvão, relator, e Ellen Gracie, que referendavam a medida cautelar, nos termos em que concedida, ou seja, tão- somente para suspender a eficácia do art. 1 e da expressão "municipal e" constante do art. 2 da Lei /2001 por entenderem que tais matérias são de interesse local e conseqüentemente, da competência legislativa municipal (CF, art. 30, I e V), excluídas, portanto, da competência legislativa do Estado. ADlnMC PR, rei. Min. limar Galvão, (ADI-2477) Resolvida a grande questão que se impõe no caso, que era identificar a higidez formal do autógrafo sob exame, tem-se que a aferição de sua validade material é tarefa mais singela. Isso porque o seu conteúdo prescritivo encontra claro respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1, inc. 111, da CF/88) e da igualdade (art. 5, caput, da CF/88). De fato, basta dizer que se caracteriza um tratamento ofensivo à isonomia material conceder o mesmo período de gratuidade (em estacionamento) destinado a uma pessoa sem dificuldades de locomoção a uma pessoa com dificuldades de locomoção por força de deficiência física. Portanto, nada mais fez o legislador capixaba do que tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, a fim de que todos possam fruir, na máxima igualdade de condições, os direitos e prerrogativas que se encontram à disposição dos cidadãos. Tais conclusões, que afiançam a constitucionalidade formal e material do presente texto normativo, não se aplicam, todavia, ao parágrafo único de seu art. 1. Esse preceito concede gratuidade de estacionamento de forma inaugural, não procurando, tão-somente, adequar uma benesse prévia às especificidades de um dado segmento social, para que este possa fruí-ia efetivamente e de forma igualitária. Bem por isso é que o sobredito parágrafo único, sobre não encontrar calço nos princípios constitucionais acima citados, fique bem enquadrado na competência legislativa privativa da União para legislar sobre direito civil (CRFB/88, art. 22, I), já que ele configura mais uma interferência em direitos de caráter essencialmente patrimoniais do que uma promoção ao direito de locomoção dos deficientes físicos. Assim também decidiu o T J-RJ ao apreciar a constitucionalidade de lei fluminense que

5 concedia gratuidade de estacionamento a deficientes físicos. Confira-se: Direito Constitucional estadual. Controle concentrado de constitucionalidade. Representação por inconstitucionalidade. Competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar originariamente a representação de inconstitucionalidade ou ato normativo, estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual (Constituição do Estado, art. 161, IV, a). A A sanção tácita ocorre quando o Chefe do Poder Executivo deixa de manifestar o veto ou a sanção ao projeto de lei no prazo de 15 dias úteis. Tal fato indica a anuência ao referido projeto e legitima passivamente o agente político para a representação por inconstitucionalidade (Constituição do Estado, art. 115, 30). Preliminar de carência acionária rejeitada. ADln estadual, posta por sindicato integrante da atividade econômica de empresas de garagens e estacionamentos, impugnando a Lei estadual n 4.049, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a concessão, pelo DETRAN, de cartão especial de estacionamento para deficientes e maiores de sessenta e cinco anos, sob o fundamento de invasão da competência da União para legislar sobre o Direito Civil e transgressão ao direito de propriedade. A Constituição da República defere competência comum ao entes federativos (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal) de cuidar da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências (art. 23,.11) e também dos idosos (art. 230, caput). Tal competência comum, no entanto, não exclui a competência da União de legislar sobre o Direito Civil e sobre as políticas, públicas específicas, como, no caso, as leis federais sobre deficientes e idosos. A gratuidade de estacionamento indiscriminadamente concedida aos portadores de deficiência e aos maiores de sessenta e cinco anos se mostra vulneradora do princípio de igualdade material decorrente do disposto nos arts. 8, parágrafo único, e 9 caput, da Constituição fluminense. A distribuição dos encargos sociais deve se dar de forma justa, atendendo suficientemente ao critério de adequadas contribuições individuais e coletivas para o custeio das atividades públicas e privadas que a Constituição sistematizou no título referente à organização social. A lei impugnada viola o principio da igualdade material ao conceber que a deficiência e a idade sejam suficientes para a obtenção do beneficio do estacionamento gratuito em locais privados e públicos, sem adotar critérios que indiquem a real necessidade do beneficiário ao amparo da sociedade e do Poder Público. Procedência da representação de inconstitucionalidade. (T J-RJ, AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALlDADE - ia Ementa, DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 21/12/ ORGAO ESPECIAL) Conclui-se, dessarte, que o Autógrafo de Lei nº. 336/2008 não apresenta vício de inconstitucionalidade formal ou material, à exceção do parágrafo único de seu art. 1, que afronta o disposto no art. 22, I, da CF/88, de acordo com a fundamentação acima esposada.

6 Do exposto, conclui-se que o Autógrafo de lei não apresenta qualquer vício caracterizador de inconstitucionalidade, à exceção do parágrafo único de seu art. 1º, que afronta o disposto no art. 22, I, da CF/88. Atenciosamente RICARDO DE REZENDE FERRAÇO Governador do Estado - Em exercício