Comissão de Permanência.

Transcrição

1 Comissão de Permanência. Ilan Goldberg 1 Úrsula Santos de Ávila Goulart 2 EMENTA: (i) (ii) Considerações quanto à legalidade da cobrança da comissão de permanência promovida por instituições financeiras; Entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Superior Tribunal de Justiça; 1. Conforme consulta que nos foi formulada por V. Sa., no sentido de que fosse apresentado o nosso posicionamento quanto à legalidade de que se promova a cobrança de comissão de permanência por instituições financeiras, vimos pelo presente trabalho apresentar-lhe considerações relacionadas ao conceito, à instituição, à natureza e à aplicabilidade da comissão de permanência à luz dos entendimentos que, hodiernamente, vêm sendo adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e pelo Superior Tribunal de Justiça. 2. Introduzindo o assunto, entende- se necessário observar o conceito técnico do que representa a comissão de permanência. Esta taxa 3 tem como objetivo remunerar os serviços prestados pelo estabelecimento creditício (instituição financeira) pela cobrança dos títulos descontados / caucionados ou em cobrança simples, a partir de quando ocorrerem os seus vencimentos. A Lei de 1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências, considera as comissões no plano de "remuneração de operações e serviços bancários e financeiros" (art. 4º, IX), atentando, aliás, ao sentido estrito da expressão que é a de "designar a remuneração ou a paga que se promete a pessoa, a quem se deu comissão ou encargo, de fazer alguma coisa por sua conta" (Cfr. De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico). 1 Ilan Goldberg é advogado, pós-graduado em Direito Empresarial pelo IBMEC-RJ, Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados ilan@cgvadvogados.com.br 2 Úrsula Santos de Ávila Goulart é advogada, pós-graduada em Direito do Consumidor pela EMERJ, associada a Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados ursula@cgvadvogados.com.br 3 Utiliza-se da expressão taxa por entender-se que a cobrança da comissão de permanência ocorre como contra-prestação a serviço prestado pelas instituições financeiras.

2 2 3. Neste passo, cumpre trazer à tona os dispositivos legais bem como as considerações doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do tema. 4. A comissão de permanência foi instituída pela Resolução nº /86 do Banco Central do Brasil, o qual, munido de poderes conferidos pelo Conselho Monetário Nacional, através do referido norma tivo, na forma do art. 9º da Lei 4.595, de , facultou aos bancos e sociedades de arrendamento mercantil o direito de promoverem a cobrança de comissão de permanência. Diante deste aspecto legal, entende-se que sua cobrança se afigura legal, sobretudo considerando-se que a norma foi editada por órgão competente. 5. Quanto à sua natureza, alguns autores, equivocadamente, denominam a comissão de permanência de juros remuneratórios ou, ainda, de juros convencionais. Todavia, ao editar a Súmula nº 30 a comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis - o STJ firmou entendimento no sentido de que a comissão de permanência e a correção monetária são faces da mesma moeda, ou seja, possuem a mesma natureza e, portanto, devem obedecer aos mesmos índices. 6. Dessa forma, pode-se concluir que a comissão de permanência constitui-se em instrumento de atualização monetária do saldo devedor e, não, em juros moratórios ou compensatórios. 7. O TJRJ, seguindo o posicionamento do STJ, vêm entendendo, quase que de maneira uniforme, pela licitude da cobrança da comissão de permanência, não o sendo, tão somente, quando ultrapasse a correção indicada pelo INPC, ou, noutra hipótese, caso haja cumulação com a cobrança de correção monetária. 8. Neste sentido, leiam-se as deci sões abaixo proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO AO QUAL SE NEGOU SEGUIMENTO. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. I - No entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça, a comissão de permanência, por si só, é legal, não cumulada com a correção monetária (Súmula nº 30/STJ), nem com os juros remuneratórios, devendo ser calculada considerando a taxa média do mercado, segundo a espécie de operação, apurada pelo Banco Central do Brasil (REsp nº /RS, 2ª Seção, julgado em 12/3/03), limitada à taxa contratada; II. Inexistindo na cláusula que a previu, opção pela correção monetária, não há que se falar em interpretação mais benéfica para o consumidor, simplesmente porque não há como se fazer opção;

3 3 III - Improvimento do agravo. (TJRJ Apel , 13ª C. Cível, Des. Ademir Pimentel, j ). Não se pode olvidar que o Direito é processo social de adaptação e a taxa de juros depende do conjunto de elementos do equilíbrio econômico, financeiro, social e jurídico. Por seu turno, a cobrança de juros capitalizados, de mora e a comissão de permanência ancorada na resolução nº do Conselho Monetário Nacional (de ) encontra respaldo no contrato, bem como no art do Código Civil, e os parágrafos 1, 2, 3, e incisos do art 192 da CRFB/88 resultaram revogados pela emenda Constitucional 40 de PROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ Apel , 6ª C. Cível, Des. Roberto de Abreu e Silva, j ). CÍVEL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. JUROS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ARTIGO 192, 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E "LEI DE USURA". ANATOCISMO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE SUA PRÁTICA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE, DESDE QUE NÃO CUMULADA COM CORREÇÃO MONETÁRIA (VERBETE Nº 30 DA "SÚMULA" DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA). (...) Não há na lei óbice à cobrança de comissão de permanência, que apenas não pode ser cumulada com correção monetária, consoante entendimento sumulado do Colendo Superior Tribunal de Justiça Igualmente, nada obsta que façam as partes representar o débito consolidada por notas promissórias, para facilitar a cobrança, o que é praxe em nosso meio financeiro. Provimento do recurso, para julgar-se maprocedente o pedido da exordial. (TJRJ Apel , 15ª C. Cível, Des. Sérgio Lúcio Cruz, j ). AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PREVISÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. POSSIBILIDADE DA INCLUSÃO NO VALOR DAS PRESTAÇÕ ES INADIMPLIDAS. Inexiste óbice à cobrança simultânea da comissão de permanência com os juros da mora e a multa contratual. Enquanto os juros correspondem ao preço do dinheiro e a multa à sanção pelo descumprimento do contrato, a comissão de permanência reflete a variação do dinheiro, sendo vedada, apenas, sua cumulação com a correção monetária (Súmula 30 do STJ). A providência determinada pelo Juízo é prematura, posto que inicialmente deve haver purga da mora. Além disso, eventual excesso ou

4 4 extorsão praticada pelo credor poderá ser objeto de apreciação pelo Juízo ao final do processo. Recurso provido. (TJRJ Apel , 11ª C. Cível, Des. José C. Figueiredo, j ). 9. Vale trazer à colação os recentes julgados do STJ que, consoante afirmado anteriormente, corroboram a validade da cláusula que institui a cobrança da comissão de permanência: CIVIL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ABUSIVIDADE. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA. EXCESSIVIDADE. LUCRO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EQUIVALÊNCIA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.INADMISSIBILIDADE. CUMULAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. (...).3 - A comissão de permanência, para o período de inadimplência, é cabível tão-somente quando não cumulada com a correção monetária (súmula 30/STJ) nem com os juros remuneratórios, devendo ser calculada pela taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil para operação semelhante, limitada, entretanto,àquela pactuada no contrato (Resp /RS, julgado pela Segunda Seção em ). 4 - Recurso conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido. (STJ RESP , Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j ). Ação de revisão. Embargos à execução. Contrato de abertura de crédito. Juros. Correção monetária. Capitalização. Comissão de permanência. Multa. Precedentes. 1. O contrato de abertura de crédito não é hábil para ensejar a execução, não gozando a nota promissória vinculada de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou, nos termos das Súmulas nºs 233 e 258 da Corte. 2. O Código de Defesa do Consumidor, como assentado em precedentes da Corte, aplica-se em contratos da espécie sob julgamento. 3. Havendo pacto, admite a jurisprudência da Corte a utilização da TR como índice de correção monetária. 4. A Lei nº 9.298/96 não se aplica aos contratos anteriores, de acordo com inúmeros precedentes da Corte. 5. Os juros remuneratórios contratados são aplicados, não demonstrada, efetivamente, a eventual abusividade. 6. A comissão de permanência, para o período de inadimplência, é cabível, não cumulada com a correção monetária, nos termos da Súmula nº 30 da Corte, nem com juros remuneratórios, calculada pela taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, não podendo ultrapassar a taxa do contrato.

5 5 7. Recurso especial conhecido e provido, em parte. (STJ RESP , Rel. Min.Carlos Alberto Menezes Direito, 2ª Seção, j ). CONTRATO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA MÉDIA DE MERCADO. LEGALIDADE. INACUMULABILIDADE COM A TR. RECURSO ACOLHIDO. I - Consoante se tem proclamado, a comissão de permanência é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto, e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante que a impõe. II - Não é a contratação da comissão de permanência que impõe sacrifício desmedido ao mutuário, mas a sua cumulação com a TR, que traz em sua composição alguns dos fatores que influem na taxa média de mercado. (STJ - RESP , Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 2ª Seção, j ). 10. Não se pode olvidar, outro ssim, que corrente minoritária advoga entendimento no sentido de que a cláusula contratual que estabelece a cobrança da comissão de permanência seria nula na medida em que seria abusiva, com fundamentação no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, transcrevendo-se abaixo julgados neste sentido: Correta a decisão da juiza "a quo" no tocante à exclusão da comissão de permanência, posto ser a compra e venda com a garantia de alienação fiduciária, operação de crédito que envolve relação de consumo, sendo, portanto, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, razão pela qual não pode prevalecer, no caso "sub judice", a comissão de permanência à taxa do dia do pagamento. Provimento parcial ao recurso. (TJRJ Apel , 1ª C. Cível, Des. Maria Augusta Vaz, j ). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. PURGA DA MORA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Correta a decisão que determinou fosse excluída do cálculo a comissão de permanência, determinando a elaboração do "quantum debeatur", com a exclusão desta. Embora contratualmente tenha o devedor pactuado tal encargo, tal pacto não expressa, em se tratando de contrato de adesão, vontade realmente autônoma, eis que as cláusulas são impostas pelo economicamente mais forte. Não pode prevalecer a incidência da comissão de permanência nos moldes ajustados, pois potestativa.

6 6 Preceito contido no art. 51, VI, do CDC, que proclama a nulidade das cláusulas que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé, reprimindo de uma forma genérica, outrossim, as cláusulas que estejam em desconformidade com o sistema protetivo por ele adotado. Os índices para comissão de permanência não são predeterminados, deles não tendo, pois, conhecimento a parte devedora quando da contratarão, e são deixados ao sabor da flutuação do mercado bancário, sofrendo mutações praticamente diárias, jungidas, com exclusividade, ao volume dos negócios bancários neste ou naquele dia. Nesse contexto, registre-se que a comissão de permanência, é verba totalmente potestativa e que, por isso mesmo, não pode incidir nos contratos, devendo ser substituída pelos Índices atualizatórios oficiais. Decisão que se mantém. (TJRJ Apel , 1ª C. Cível, Des. Maria Augusta Vaz, j ). Conclusão: 11. Diante dos elementos acima ap resentados, entende-se, respeitadas as opiniões minoritárias em sentido oposto, que a cobrança de comissão de permanência, como instrumento de atualização monetária do saldo devedor, deve ser tida como legal, desde que não cumulada com a cobrança de correção monetária nem com os juros remuneratórios (Súmula 30 STJ), devendo ser calculada pela taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil para operação semelhante, limitada, entretanto, àquela contratualmente ajustada.