Exmos. Srs. Professores, Advogados, Magistrados Judiciais e do M P Meus senhores e
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- Levi Assunção Fagundes
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1 Exmos. Srs. Professores, Advogados, Magistrados Judiciais e do M P Meus senhores e minhas senhoras Neste colóquio cumpre - me falar sobre a impugnação da matéria de facto, no processo laboral. Porque relativamente a este ponto tenho encontrado sensibilidades diversas e porque na secção a que pertenço, existem - para além de muitos pontos de vista perfeitamente concordantes - algumas pequenas diferenças dificilmente concretizáveis, mas que têm dado origem a trocas de impressões teórica, que não praticamente divergentes, resolvi expor aqui a minha opinião pessoal e como tal arcar com a inerente e exclusiva responsabilidade. Direi pois o que penso acerca deste tema, não com certezas absolutas, que não as tenho, não procurando grandes princípios e doutrinas, para o conhecimento dos quais aliás, - sem falsas modéstias o digo - não me considero grandemente habilitado mas apoiando - me essencialmente na prática que necessariamente a minha vida profissional de trinta e tal anos a exercer funções sempre em tribunais (mais de 27 dos quais a julgar), sou obrigado a possuir. E tudo isto até porque a Vida é efectivamente em todos os domínios a grande mestra. Ora bem. Como é consabido desde há muito que a relação podia modificar a matéria de facto assente na I a instância. Todavia, tal apenas sucedia em casos muito restritos e que constavam do antigo art 712 docpc. Com as alterações introduzidas a este código pelos D.Is 329 -A/ de 12/12 (redacção do D.L. 180/96 de 25/9) houve uma evidente ampliação da possibilidade do recurso sobre a
2 2 factualidade, concretizada essencialmente através da gravação dos depoimentos oralmente prestados em audiência e sua análise pelo tribunal imediatamente superior Deste modo permitiu-se às partes vir com muito mais facilidade recorrer da matéria de facto. Claro que o legislador impôs certo ritualismo processual, para que os litigantes exercessem esse direito e que consta em síntese dos arts 690- A e 522 do CPC. No domínio do CPT, por aplicação subsidiária daquele, a possibilidade de impugnação fáctica a que nos referimos passou igualmente a ser possível. Contudo, por jurisprudência que se foi formando, se não por todas, pelos menos por algumas relações (Coimbra e Lisboa), foi-se entendendo que esta ampliação somente Era aplicável no domínio do CPT de 1999, que rege apenas como se sabe para os processos entrados em juízo a partir de 1/1/00 (art 3 o do D.L. 480/99 de 9/11). Pese embora este facto, a verdade é que, o lapso de tempo já decorrido - e embora não possuindo eu dados estatísticos - permite uma análise razoavelmente firme sobre esta problemática. Vejamos pois, não podendo deixar de ter em conta que como quase tudo na vida, qualquer medida não é totalmente boa, nem totalmente má, sendo que o bem e o mal são faces da mesma moeda. Pode constatar-se que inicialmente houve como que uma certa inibição por parte dos litigantes de recorrer da matéria de facto. Porém com o decurso do tempo tal prática tornou-se vulgar, de tal forma que pode-se dizer, sem medo de errar muito, que hoje é normalíssimo os recursos visarem também esse ponto.
3 3 Ora para mim, o problema essencial da impugnação da matéria de facto está em saber-se até onde (se é que há limite), pode ir a 2 a instância, na modificação dos factos considerados no tribunal recorrido. Na verdade se é certo que, em termos formais, não haverá grandes dúvidas sobre as exigências feitas pelo legislador no que concerne á admissibilidade deste tipo de recurso e que estão plasmadas como supra referimos nos art s 690- A e 522 c) citados, sendo que a inobservância do ritualismo processual a eles atinente, implica, a meu ver necessária e imediatamente a respectiva rejeição liminar, já no que concerne á conjugação da possibilidade deste tipo de impugnação com o princípio da livre apreciação probatória (que não é livre arbítrio obviamente) que continua a ser concedido ao julgador da I a instância (art 655 do CPC), se reveste de alguma dificuldade. Cremos, salvo o devido respeito, que a possibilidade de impugnar a matéria de facto, com base nos depoimentos oralmente prestados em audiência, constitui uma limitação a este princípio. Todavia tal limitação, não é absoluta e deve ser criteriosamente usada. Julgamos ser isso mesmo que o legislador pretendeu, pois se nos servirmos dos critérios de interpretação dos textos legais ínsitos no art 9 o do CCv, é essa a conclusão a que temos que chegar. Na realidade e logo no preâmbulo desse D.L. se pode ler: " a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de
4 4 facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso". Ora se assim é logo se vê, que apenas é possível a alteração da matéria de facto, nestes casos, quando o julgador por distracção, lapso ou qualquer outro motivo errou E errou sobre certos e determinados pontos em concreto, erros esses que são considerados pelo legislador como excepcionais. Está assim desde logo afastada a hipótese de um novo julgamento de toda a prova produzida em audiência. Mas também está - em meu modesto entender - afastada a possibilidade de alterar a matéria de facto, só porque por hipótese a parte vem invocar que o juiz não valorou determinado depoimento, ou deu crédito a certa testemunha e não o devia ter dado ou vice versa etc. Se a fundamentação do recurso é apenas esta- e quantas vezes isso acontece- então cremos- salvo o devido respeito- que a impugnação está desde logo votada ao fracasso, não por razões de forma, mas de substância. É que certa valoração (salvo os casos em que a lei como que impõe uma determinada força probatória, ver p. ex. a prova por confissão - art s 352, 358 do CCv e 563 n l do CPC), a atribuição (ou não) de credibilidade a um depoimento, não traduz, não pode demonstrar por si só um erro na apreciação da prova oral produzida em julgamento. Como é consabido a convicção do julgador, sobre a fundamentação de facto resulta da análise de uma série de elementos, uns de ordem lógica e racional, mas outros também de natureza meramente perceptiva e emocional e por isso desde logo insindicáveis, seja por quem seja.
5 5 Além de que na 2 a instância o juiz não está perante o depoente, não vê as suas reacções, ou seja não tem a faculdade de imediação, que o julgador na I a instância, possui. E quantas vezes, todos nós o sabemos, tal é decisivo para formação da convicção de quem julga. Por isso, dizemos que nestes casos, terá que continuar a vigorar de forma plena o princípio da livre apreciação da prova, constituindo quiçá ousadia, a relação alterar a matéria de facto, nestas situações. Então quando é que essa modificação é possível? Pois nos tais casos de erros pontuais, concretos, notórios. Ou seja e para exemplificar, quando o juiz dá como provado certo facto, que ninguém referiu ou baseando-se no depoimento de alguém que disse o contrário, ou quando há evidente violação das regras relativas á força probatória legal de um depoimento ou então (mas isso já é dado assente há muito), quando o facto provado (ou mesmo a não prova) vai contra todas as regras da experiência comummente vivida pela generalidade das pessoas, e em outras situações similares. Aliás, se a parte pretende abalar a credibilidade de um depoimento tem sempre a possibilidade de no julgamento em I a instância utilizar o incidente da contradita, figura, que a minha experiência pessoal me diz estar em completo desuso, pois em centenas de julgamento que fiz, como juiz singular, como adjunto ou como presidente de tribunal colectivo nunca (que me recorde), nenhuma parte a ela recorreu. E claro se a testemunha não é credível, não o é logo no julgamento e não apenas em sede de recurso e porque as coisas correram mal ao impugnante. Por tudo isto, só dentro dos limites referidos é que - penso eu - será possível a 2 a instância sindicar a fundamentação de facto sem ofender de modo grave o tal princípio
6 6 da livre apreciação da prova, ofensa essa que a meu ver o próprio legislador não permite e não quis. Acresce ainda que a modificação da matéria de facto pela relação sofre de uma outra dificuldade. É que por impossibilidade prática que todos conhecemos, os depoimentos gravados, não são ouvidos em conjunto por todos os desembargadores, mas isoladamente e á vez por cada um deles. Ora bem. Pode acontecer que o que a mim me parece certo, a um Sr. adjunto pareça errado. E então como resolver a questão, sendo evidente que necessariamente a audição da prova, tem que englobar todos os depoimentos prestados sobre aquele assunto e não apenas aquele, ou aqueles que o impugnante pretende, ou a parte que deles respiga, em seu benefício? Apenas ouvindo a prova em conjunto. Mas como isso é praticamente impossível em tempo útil, até pela inexistência de meios técnicos disponíveis para tal, uma de duas: ou por motivos práticos se confia num dos julgadores, ou então tem que se recorrer á transcrição de todos esses depoimentos com todos os custos que isso implica e que - segundo cremos - foi o motivo que levou o legislador a terminar com a sua obrigatoriedade, que inicialmente existia (ver o D.L. 183/00 de 10/8). Eis aqui uma falha do sistema, ou pelo menos a existência de algo que pode frustrar na prática e de certo modo a tal possibilidade de efectivamente deforma colectiva, sindicar a matéria de facto.
7 7 Embora que noutro domínio não podemos deixar de referir aqui um ponto em que a falibilidade do sistema tal como está, nos parece evidente. Na verdade exige-se á parte que indique a localização dos depoimentos em que se baseia (as denominadas rotações). A razão é óbvia - permitir a quem ouve chegar directa e com relativa facilidade a tal depoimento - assim obstando a demoras escusadas que não beneficiam ninguém. Só que, não só no meu caso, mas no de outros colegas, o que se verifica é que os aparelhos leitores de cassetes, não coincidem nesse ponto, o que obriga à procura por quem ouve, em toda a cassete do tal depoimento, com a evidente perda de tempo que daí resulta, sem proveito seja para quem for. Noutro aspecto, não posso deixar de realçar e porque não se percebe o motivo, o seguinte: Porque implica maior morosidade e estudo, o legislador - e muito bem - concedeu às partes mais prazo, para recorrerem e alegarem, no caso da impugnação da matéria de facto (art 80 n 3 do CPT). Mas essas maiores morosidade e estudo também existem para o julgamento do recurso, quer para o relator, quer para os respectivos adjuntos. Apesar disso para esses os prazos mantiveram-se. Incompreensível, a nosso ver. Claro que o prazo dos juízes não é peremptório, assumindo natureza meramente aceleratória e/ou disciplinar. Mas exactamente por causa desta última característica - e para obviar a situações sempre incómodas - é que dever-se-ia também seguir igual critério, para quem julga e para quem emite obrigatoriamente parecer.
8 8 Por fim apenas uma ideia relativa á formalidade do recurso. Exigindo a lei, que o recorrente apresente conclusões das suas alegações (art 690 n 1 do CPC) e sendo por elas que se delimita o âmbito do recurso, estas não podem deixar de mencionar também, de forma muito sucinta claro (são conclusões), a parte relativa à impugnação da factualidade. Se tal não suceder, em meu modesto entender, deve o relator convidar a parte a apresentá-las e se isso não vier a acontecer, deve o mesmo ser rejeitado, nos termos do art 690 n 4 do CPC. É tempo de terminar estas irrelevantes e despretensiosas considerações. Em síntese direi que a possibilidade de impugnação da matéria de facto, com o âmbito que hoje o art 712 do CPC permite, ou seja com a possibilidade de censura sobre a fundamentação de facto, com base na gravação de depoimentos orais, não é um mal em si mesma. Mas também não é a panaceia para todos os julgamentos incorrectos que existem e sempre existirão, porque julgar não é actividade dos deuses mas de seres humanos. Além disso, da minha experiência resulta que só em raríssimos casos, essas impugnações têm sucesso, o que por si só talvez não justifique, para além dos custos que acarretam, o maior esforço de todos os interveniente processuais e a maior morosidade na resolução dos recursos, que necessariamente elas implicam. Não defendo aqui e agora de forma radical eliminação deste sistema, embora cerca de 13 anos a participar, como juiz de I o instância em tribunais colectivos cerca de 3 dos quais na qualidade de presidente, me permitem concluir que o sistema de juízes de círculo, com a lógica restrição da sindicabilidade da matéria de facto, funcionava muito razoavelmente, quer em termos de celeridade, quer mesmo em termos de decisão.
9 9 E na comparação desses dois regimes legais não vejo que o actual seja mais perfeito e proteja melhor os direitos dos cidadãos. Mas a continuar o que hoje vigora, pelo menos (até por uma questão de lógica) devem aumentar-se também os prazos quer para decisão, quer para vistos, quer para a emissão do parecer dos Exmos. Magistrados do M P, deve regressar-se ao sistema da obrigatoriedade das transcrições estendendo- o às " contra transcrições", procurando - se soluções técnicas de forma a que as rotações das gravações dos depoimentos, efectivamente coincidam e principalmente dotando as relações (ou os magistrados) de equipamentos que permitam uma audição atempada e simultânea deles. Serão medidas que por um lado, permitirão uma mais cuidada, célere e colegial decisão sobre a matéria de facto e assim, em minha modesta opinião, sempre tendo em conta o relativismo das decisões humanas, contribuir para que os litígios sejam melhor resolvidos tendo sempre presente que nunca se agradará a todos e que o conceito / valor "justiça " não é eterno, nem absoluto, nem universal. Disse.
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