PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP. Paulo Fernando Souto Maior Borges
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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Paulo Fernando Souto Maior Borges Sobre o princípio democrático na fundamentação da atividade tributária Uma proposta hermenêutica de utilização de seus desdobramentos no âmbito do direito tributário MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO MARÇO DE
2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP Paulo Fernando Souto Maior Borges Sobre o princípio democrático na fundamentação da atividade tributária Uma proposta hermenêutica de utilização de seus desdobramentos no âmbito do direito tributário Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito do Estado Área de Concentração Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho MESTRADO EM DIREITO DO ESTADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO MARÇO DE 2008
3 BANCA EXAMINADORA:
4 À Escola de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que, pelas lições de seus ilustres Professores, promove reflexão aprofundada sobre os valores fundamentais à manutenção e aprimoramento do Regime Democrático viga mestra do Estado de Direito.
5 Não poderia deixar de manifestar os meus sinceros agradecimentos àqueles que me apoiaram ao longo do curso. A despeito de usualmente feitos por um dever de gratidão, são imprescindíveis e faço-os de coração: Primeiramente, Àquele que tudo criou e que, por todas as razões metafísicas, deve ser sempre glorificado. À minha família, especialmente, aos meus pais, que sempre estiveram presentes nas diversas etapas de minha vida pessoal e acadêmica, apoiando e incentivando de forma constante o meu desenvolvimento espiritual e profissional. À Márcia Maria, a quem devo a lição de amor, carinho,.serenidade.e.delicadeza.incondicionais Aos meus ilustres Mestres, que nunca faltaram na orientação de minha atividade intelectual, na pessoa do Prof. Paulo de Barros de Carvalho, que sempre me atendeu com pronta gentileza e conselhos de absoluta propriedade. Aos meus verdadeiros amigos - aqueles com quem sempre pude compartilhar minhas dúvidas e incertezas. Aos colegas do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Leonardo da Matta, Diego Calandrelli, Diana Lobo, Adriano Gonzales, e Ricardo Fernandes; aos sócios: Marcelo Fortes, pela orientação e apoio constantes; Daniella Zagari, Ivandro Sanchez e Celso Costa, pela compreensão; e, por fim, à Dra. Raquel Novais, que me proporcionou a aplicação da teoria ministrada no curso, além de distinguir-se como profissional que tenho como modelo na advocacia, por executar com altivez e seriedade diárias o seu ofício, seja perante os clientes, seja perante os órgãos judicantes.
6 Yo soy yo y mi circunstancia (José Ortega y Gasset) E se não ousarmos atacar problemas tão complexos que o erro da solução seja quase inevitável, radicalmente, não haverá progresso do conhecimento científico (José Souto Maior Borges, Ciência Feliz) Eu vim com a Nação Zumbi Ao seu ouvido falar: Quero ver a poeira subir E muita fumaça no ar Cheguei com meu universo E aterriso no seu pensamento Trago as luzes dos postes nos olhos Rios e pontes no coração Pernambuco embaixo dos pés E minha mente na imensidão ( Mateus Enter - Chico Science) Open mind for a different view and nothing else matters ( Nothing else matters - James Hetfield e Lars Ulrich)
7 RESUMO CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO NORMA JURÍDICA - HERMENÊUTICA O trabalho tem como objetivo precípuo a demonstração do Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal, por se tratar de norma de habilitação ao exercício dos demais poderes constitucionalmente instituídos. Além disso, o trabalho objetiva a possibilidade de adoção de um método hermenêutico de aplicação de seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário.
8 ABSTRACT CONSTITUCIONAL TAX PRINCIPLE DEMOCRATIC JURIDICAL NORM - HERMENEUTIC The work has the main objective of demonstrate the democratic principle as the fundamental juridical norm in the state tax activity, as a rule of competence to the exercise of state power, and also to present an alternative of juridical interpretation and application considering its developments in the brazilian constitutional text, based on its supremacy.
9 SUMÁRIO RESUMO...7 ABSTRACT...8 PARTE I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PREMISSAS METODOLÓGICAS AO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCINIO Intróito e apresentação As marcas da enunciação Prólogo - Thomas Kuhn a estrutura das revoluções científicas: a ciência em prol da sociedade Para além do apenas dogmático Apologia à Dogmática Jurídica (na sua acepção lata) e crítica à aplicação equivocada da Dogmática Jurídica (na sua acepção estrita): os valores juridicamente positivados Sistema da Ciência do Direito e Sistema de Direito Positivo Da metodologia científica utilizada na presente dissertação: do sistema jurídico à norma jurídica Do contrato social A norma geral e abstrata como norma jurídica de previsão da conduta convencionalmente prescrita e eventual sanção aplicável na hipótese do seu não-cumprimento A norma individual e concreta como norma jurídica específica de imposição da conduta convencionalmente prescrita e imputação da sanção, na hipótese do não-cumprimento da norma geral e abstrata...39
10 PARTE II - UMA BREVE TEORIA DOS PRINCÍPIOS A contraposição: normas-princípio versus normas-regra Da hierarquia entre normas-princípio e normas-regra Da suposta existência de uma hierarquia entre os princípios constitucionais no ordenamento brasileiro Da ponderação de princípios Da norma hipotética fundamental de Kelsen análise de suas implicações no ordenamento jurídico positivo Do "Princípio do Consentimento à Tributação"...56 PARTE III - DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO COMO NORMA JURÍDICA FUNDANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO E DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL Do Princípio Democrático como norma jurídica fundante de toda a atividade jurídica "estatal" (norma jurídica de habilitação ao exercício do poder estatal) a.) Análise no nível semântico do ordenamento a.1.) Análise do vocábulo Princípio a.2.) Análise do vocábulo Democrático b.) Análise no nível sintático do ordenamento b.1.) Evolução do tratamento normativo-constitucional do Princípio Democrático b.1.1.) Constituição Política do Império do Brazil (1824) b.1.2.) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891) b.1.3.) Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934) b.1.4.) Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1937) b.1.5.) Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1946)...83
11 16.b.1.6.) Os Atos Institucionais do Regime Militar e a Constituição da República Federativa do Brasil (1967) b.1.7.) Emenda Constitucional n.º 1 (1969) b.1.8.) Constituição da República Federativa do Brasil (1988) c.) Análise no nível pragmático do ordenamento Do Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal (norma jurídica de habilitação ao poder de tributar) a.) O Princípio Democrático e suas implicações com o Princípio da Legalidade Geral b.) O Princípio da Legalidade Tributária e a competência tributária do ente de direito público interno PARTE IV - PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS DESDOBRAMENTOS DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO Contraposição conceitual entre mens legis e mens legislatoris e da colocação do problema hermenêutico Retomada do prestígio da mens legislatoris a.) A mens legislatoris como resultado da atividade congressual e da eficácia do Princípio Democrático b.) Necessidade de motivação dos atos emanados pelo Estado c.) Necessidade de motivação dos atos emanados pelo Poder Legislativo - A mens legislatoris como requisito constitucional de validade do ato legislativo objetivado Os atos de enunciação como requisitos de motivação do ato legislativo Nova proposta hermenêutico-aplicativa a.) Da hermenêutica histórica agregada à análise dos atos de enunciação legislativa b.) Da Dogmática Jurídica em sentido amplo...157
12 20.b.1.) Necessário inter-relacionamento do Direito Tributário com os demais ramos do Direito b.2.) Exemplo de abertura do sistema tributário ao valores que, de início, seriam extradogmáticos: do art. 110 do CTN Exemplos pragmáticos de utilização da teoria proposta a.) Das normas relativas à não-cumulatividade do Pis e da Cofins b.) Do drawback para fornecimento no mercado interno c.) Da declaração de inaptidão cadastral da pessoa jurídica PARTE V - DAS CONCLUSÕES Conclusões BIBLIOGRAFIA...184
13 PARTE I NOÇÕES INTRODUTÓRIAS E PREMISSAS METODOLÓGICAS AO DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO 1. Intróito e apresentação As marcas da enunciação 1. Contar com a ajuda do desfavorável 2. Esse tem sido o paradoxo que tem norteado os rumos da minha vida pessoal, e particularmente, da minha vida acadêmica nos últimos tempos (conforme formação que me foi destinada), conduzindo-me, inclusive, ao desafio de encarar um curso de Mestrado numa das mais conceituadas Universidades do país, na área de Direito Tributário. O brilhantismo e o alcance do pensamento jurídico da Escola Paulista de Direito Tributário, pela inegável excelência doutrinária, têm ofuscado a produção intelectual por parte das demais Escolas, que se intimidaram com o desenvolvimento atribuído à Ciência do Direito Tributário, pela utilização da filosofia da linguagem. Contudo, alguns novos estudiosos ditos lingüísticos - mais exagerados que os grandes Mestres da Escola Analítica -, resolveram tomar parte neste processo de desenvolvimento da Ciência Jurídica, com tal exacerbação, que lograram como resultado uma mitigação do inter-relacionamento do Direito Tributário com os demais ramos dogmáticos (Direito Constitucional, Direito Financeiro, Direito Administrativo, etc.). Tudo sob o pretexto de uma insustentável concepção de rigor científico, que impediria a realização de um corte mais amplo no objeto. A suposta maior profundidade pelo corte mais estreito implica menor abrangência do objeto empírico (que é uno), e, portanto, a desconsideração de partes importantes do mesmo. 1 Descrição do percurso de formação de sentido utilizado na presente dissertação (processo de enunciação), conforme obra de Fiorin, José Luís. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, Guitton, Jean. Le travail intellectuel. Aubier. Paris:1951. pp. 44 e seguintes. 13
14 Dessa circunstância, surge a necessidade de fomentar a atividade jurídica da Escola dita tradicional (a doutrina publicista, constitucionalista), acomodada que estava com o advento do novo método analítico, de modo a incitar o retorno ao pensar cientificamente, e como de costume, sem quaisquer restrições quanto ao interrelacionamento do Direito Tributário com o demais ramos jurídico-dogmáticos; e até mesmo num maior inter-relacionamento do próprio Direito 3 com as demais ciências extrajurídicas (para aqueles que se aventuram por vôos mais ousados, como por exemplo, os estudiosos do chamado law and economics, tão disseminado nos países de primeiro mundo). Muito embora, o retorno ao pensar o óbvio, dessa feita, será intentado com a utilização do valioso instrumental disponibilizado pela filosofia da linguagem, bem como, pela adoção de uma nova proposta hermenêutica, que envolve o inevitável interdisciplinamento do Direito Tributário com os demais ramos do Jurídico e a necessidade de apreciação da motivação de todos os atos estatais, inclusive os legislativos. Tudo isso, pretende-se, sem abdicar do rigor científico, do necessário fechamento operativo (Luhmann), e como contrapartida, sem a incursão em maiores exageros doutrinários. A idéia é simples, e já utilizada por alguns: analisar o objeto empírico (Princípio Democrático como norma jurídica fundante da atividade tributária estatal e a utilização de uma nova proposta de interpretação e aplicação, no âmbito do Direito Tributário, dos seus desdobramentos) nos seus três níveis de linguagem (sintático, semântico e pragmático), desbravando, assim, esta disciplina tão complexa e já tão estudada, que é o Direito Tributário, embora, como dito, agregando um toque de interdisciplinamento com as demais áreas do conhecimento jurídico, a saber, a Teoria Geral do Direito, a Filosofia do Direito, o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, o Direito Financeiro, etc., e a adoção de novo critério de interpretação/aplicação do Direito, 3 Vide art. 110, do Código Tributário Nacional: Art A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. 14
15 que leve necessariamente em conta a motivação do ato estatal. Saber quais o limites da Dogmática Jurídica é condição per quam e sine qua non para o estudo interdisciplinar do tributo. Poderíamos ter optado por dissertar sobre um tema menos constitucional e nitidamente mais tributário, ou ainda, por um tema econômica e profissionalmente mais vantajoso, do ponto de vista advocatício (ex.: a incidência de determinado tributo sobre específico setor da atividade econômica dos contribuintes), esclarecendo, porém, que não condenamos aqueles que o fazem. Contudo, por tratar-se de um curso de Mestrado, que, além de específico na área de Direito Tributário, é antes disso, um Mestrado em Direito do Estado afora o fato de ser ministrado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que tem em vários de seus Professores verdadeiros bastiões das liberdades individuais (ex.: Geraldo Ataliba, no Direito Constitucional; Celso Antônio Bandeira de Mello, no Direito Administrativo; Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza, dentre outros, no Direito Tributário) -, decidimos abordar um tema que nos parece mais relevante, no sentido de ser dotado de uma maior abrangência normativa, e que, por isso, fosse ainda mais merecedor de uma nova análise. A escolha decorreu, também, da adoção de um tema, digamos, de maior relevância, como orientação pelo Prof. Paulo de Barros Carvalho, que, por sua vez, a recebeu do ilustre Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Este sempre orientava os seus alunos pela opção por temas mais abrangentes. Ademais, a idéia de abordar o Princípio Democrático começou a se delinear com a intrigante lição dos Professores das disciplinas de Direito Tributário II e Direito Constitucional Tributário a respeito do chamado Princípio do Consentimento à Tributação (essa menção era comumente efetuada pelos Professores Roque Antonio Carraza, José Artur de Lima Gonçalves, além de Estevão Horvath). Admirava-nos o fato de defender-se com tanta veemência algo que nos parecia, ao menos no primeiro contato, metajurídico. 15
16 Contudo, posteriormente pudemos perceber que o chamado Princípio do Consentimento à Tributação poderia ser visto como uma variante de expressão do Princípio Democrático, o qual, concluímos a posteriori, nos termos do art. 1º, parágrafo único da Constituição Federal, dentre outros dispositivos, consistiria no fundamento para todas as demais normas do ordenamento jurídico positivo. De início, havíamos determinado o tema da dissertação como sendo O conceito constitucional de tributo. Contudo, após perceber que quaisquer normas do sistema de direito positivo advinham do exercício do poder estatal instituído pelo Princípio Democrático, e que este possuía direta correlação com a atividade jurídica (e, principalmente, tributária) do Estado, decidimos incluir uma parte introdutória no trabalho, em que seria abordado o referido princípio. Essa introdução foi tomando corpo, ao ponto de se tornar uma primeira parte de equivalente proporção à segunda no trabalho. Contudo, diante da importância desta primeira parte, decidimos abordar, nesse primeiro momento, apenas o Princípio Democrático, como fundamento de toda a atividade tributária estatal, bem como, as implicações de alguns de seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário. Na segunda parte do trabalho, como conseqüência de conclusões originárias da primeira, proporemos uma alternativa de interpretação/aplicação do Direito Tributário que leve em consideração algunos quais, nada mais são que desdobramentos do próprio Princípio Democrático. Assim sendo, como forma de otimizar o pouco tempo de estudo de que dispomos, e conforme ensinado pelo Professor João Maurício Adeodato nas aulas de Metodologia da Pesquisa em Direito da Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco, aproveitamos algumas premissas anteriormente publicadas, para dissertar sobre uma nova proposta de aplicação de algumas dentre as manifestações do Princípio Democrático no âmbito tributário, e quiçá, noutro momento, após a finalização do Curso, 16
17 teremos chance de abordar as implicações do referido princípio na delimitação de um conceito constitucional de tributo. Com isso, olhando o direito com os olhos de uma criança, e contando com a ajuda do desfavorável - a ausência de pré-conceitos (pré-concepções) na análise da matéria (favorável), agregada à carência de um aprofundamento na análise da matéria (desfavorável) -, chegamos ao produto final da nossa reflexão, manifestado pela presente dissertação, que aborda o Princípio Democrático como norma jurídica fundante de toda a atividade tributária estatal e a proposta de uma nova alternativa de interpretação/aplicação dos seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário. Essa nova abordagem, como dito, consiste também na realização de um corte metodológico mais alargado, que resulte numa apreciação mais ampla: a abordagem do Direito Tributário, como subsistema constitucional que é, como um capítulo do Direito Financeiro e Administrativo, além da necessária consideração dos atos de enunciação normativa como legitimadores do Princípio Democrático. Acreditamos ser essa não somente uma alternativa a mais de análise, mas, sim, a alternativa de abordagem constitucional mais adequada aos ditames democráticos, sem quaisquer concessões do chamado "rigor científico" 4. Contudo, redirecionamos a atenção do leitor, primeiramente, para o quê de mais importante no Sistema Tributário Nacional o Princípio Democrático tratou de delimitar: a competência tributária dos entes de direito público interno e sua nítida vinculação ao Princípio da Legalidade Tributária (art. 150, I CF). A análise da competência tributária dos entes de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) - após assumida a premissa acima estabelecida do Princípio Democrático como norma fundante do Sistema Tributário 4 O dito "rigor científico' consiste na adequação das conclusões obtidas como resultado da atividade científica, às premissas adotadas como ponto de partida do trabalho. Contudo, acreditamos existir sempre um determinado grau de indeterminação - p. ex. conceito de "verdade' o qual sempre será de difícil caracterização, visto que, temos por esta, algo sempre transitório, e, portanto, em constante mutação; 17
18 Nacional - não se circunscreve apenas ao exame das suas implicações com o Princípio da Legalidade Tributária. Muito mais que isso, o Princípio Democrático, agregado a outros princípios de ordem igualmente fundamental, como o Princípio Republicano, o Princípio Federativo e o Princípio do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), pela disseminação de seus efeitos ao longo de todo o sistema, e até mesmo pelo regime de participação ou representatividade diretas que o caracterizam, impõem tratamento hermenêutico diferenciado por parte do intérprete/aplicador à norma jurídica. Em que consiste essa diferenciação hermenêutica? Relembremos a lição de Cossio: ao aplicar-se determinada norma jurídica, estar-se-á aplicando o ordenamento jurídico como um todo. Assim da conjugação do Princípio Democrático, e suas características peculiares de participação e representatividade diretas; suas implicações com as normas relativas ao delineamento da competência tributária (v. normas do Sistema Tributário Nacional, que estabelecem as conformações de cada exação tributária prevista no Texto Constitucional, e particularmente as limitações constitucionais ao poder de tributar); com os Princípios Republicano e Federativo (art. 1º, caput, CF); além da interpretação sistemática com os Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, constantes do art. 37, da CF; dentre outros de inafastável aplicação (v. art. 5º, LIV, LV, etc.), citados estes apenas a título exemplificativo, e teremos os fundamentos constitucionais da nossa proposta: a utilização das exposições de motivos do ato legislativo, ou seus considerandos, justificativas de proposições e até mesmo dos anais congressuais (isto é, todos os atos de enunciação legislativa indicativos da mens legislatoris) como subsídios válidos à interpretação e aplicação da norma jurídica tributária, e não como atos sem qualquer valor para a exegese do normativo. Assim, com a pré-fixação de algumas premissas pela recorrência de alguns textos anteriores, produzidos durante o curso, e algumas idéias já expostas em artigos científicos, tentaremos realizar uma análise do Princípio Democrático, bem como, propor 18
19 uma nova alternativa de interpretação/aplicação, levando em conta, os seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário positivo, como um capítulo que este é dos sobre-ramos do Direito que lhe são mais próximos, dos quais é parte componente (Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Financeiro), para demonstrar que tal abordagem não somente é possível, como também desejável 5. É legítimo optar pela "setorização" do conhecimento como uma necessidade meramente didática e organizacional. A especialização, no plano da linguagem descritiva, dá-se por uma necessidade de aprofundamento científico, como descrito acima, visto ser mais factível saber-se mais sobre algo em específico, que saber algo sobre um número maior de objetos. Já no plano da linguagem-objeto do direito positivo, a especialização ocorre pelo intuito legislativo de regrar determinada matéria de forma isolada e sistematizada, facilitando a comunicação com os legiferados (v. art. 7º, I, da Lei Complementar n.º 95 6 ). A subjetividade é uma característica inerente ao ser humano, e, portanto, está presente em todos os campos do conhecimento. Por conseqüência, presente em toda está em toda atividade científica. Esclarecemos, inicialmente, que entendemos por subjetividade a capacidade de cada indivíduo chegar à conclusão não necessariamente igual a que chegou outro, quando da análise de um mesmo suporte físico, ante a diversidade de valores que informa a compleição cultural de cada um (inter-subjetividade). Exemplificativamente, na medicina, em sua subdivisão da medicina nutricional, temos discussões a respeito das mais variadas espécies ou gêneros alimentícios: em sua maioria, ora são consideradas como benéficas, por colaborarem com o bom funcionamento de um determinado órgão ou sistema; outrora são tomadas por maléficas, 5 Trabalhamos com uma teoria própria do direito que, ao reconhecer a impossibilidade de afastamento do aspecto subjetivo, primamos sempre pela "melhor aplicação", em termos de Política Jurídica (In casu, Política Fiscal), e que leve em conta os valores positivados - imanentes ao ordenamento -, que são mais relevantes à sociedade no nosso espaço-tempo (ex.: isonomia, legalidade, redução das desigualdades sociais e regionais, livre iniciativa, etc.). 6 Art. 7 o O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; ( ) 19
20 tendo em vista os "avanços" na pesquisa médica, que permitem identificar um desequilíbrio quando do uso (desregrado ou não) dessa mesma espécie ou gênero alimentícios. Assim também o é no Direito. Temos a prevalência da subjetividade no objeto de estudo (o ordenamento jurídico), pois nem sempre é possível alcançar a amplitude valorativa desejada pelo legislador - seja este o das normas gerais e abstratas, seja o aplicador das normas individuais e concretas. Temos, ainda, o influxo da subjetividade também no observador, visto que se torna difícil atribuir ao cientista uma posição de absoluta imparcialidade na visualização do sistema jurídico, salientando-se que a própria e suposta ausência de posição valorativa já se constitui numa posição valorativa negativa e, portanto, parcial; e temos, por fim, influência da subjetividade na ciência do direito, como produto da atividade do jurista, tão sujeito à parcialidade - esta última nada mais é do que a subjetividade do sujeito do conhecimento formalizada através do produto da sua atividade científica: livros, artigos, monografias, etc.. Assim, a metodologia científica assumida por determinado paradigma teórico 7 trabalha no sentido convencional de um conjunto de premissas e métodos de abordagem para os adeptos daquela corrente científica subjetivamente convencionada, demarcando assim o que pode ou não ser considerado como atividade científica válida dentro daquele determinado modelo de conhecimento, e no que consistem os avanços científicos, de acordo com aquele paradigma teórico. Vejamos o exemplo de dois dos maiores juristas dos últimos tempos, e que muito influenciaram a presente dissertação, pela assimilação das lições do Prof. Celso Fernandes Campilongo, na disciplina de Teoria Geral do Direito: Hans Kelsen e Niklas Luhmann. Apesar de se dedicarem ao estudo do mesmo objeto (ordenamento jurídico), o fizeram de forma completamente distinta, a começar pelo método de aproximação, pois Kelsen promoveu a análise do sistema a partir da sua partícula mínima, qual seja, a norma jurídica, para daí, então rumar à descrição do sistema; enquanto Luhmann preferiu estudar 7 Sobre os paradigmas teóricos, v. Kühn, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Ed. Perspectiva. São Paulo:
21 o Direito pelo caminho inverso: partindo dos variados sistemas, no caso, do sistema juridico à norma jurídica, o seu código redutor de complexidades. Tudo é caminho, como ensinava Heidegger (Alles ist Weg). Tomando o direito como um bem cultural 8, obra humana que é 9, este necessariamente há de servir de instrumento, de ter uma função de modificação na vida dos seus destinatários. Desse modo, assumimos como premissa essencial a ser desempenhada para validade da atividade científica, por qualquer um, em qualquer campo do conhecimento, a necessária atribuição de um fim valorativo a toda a sua empresa; ou, colocando em melhores termos: é inafastável a consideração da existência de um fim imanente a toda e qualquer atividade científica, e não menos no nosso campo específico de investigação, qual seja, a análise do ordenamento jurídico. Atente-se, ainda, que a teleologia não se apresenta apenas no âmbito da linguagem descritiva da Ciência do Direito, mas, decorre da própria linguagem objeto do direito positivo (art. 3º, CF), o que remata qualquer discussão em torno do tema. A doutrina de Alfredo Augusto Becker é ainda mais clara quanto à sua existência, ínsita ao próprio conceito de Estado: O Estado (Ser Social) é uma realidade, porém não é qualquer realidade exterior ao homem e à sua atividade o Estado existe nos atos e pelos atos dos indivíduos humanos que são seus criadores; e é nesta atividade contínua e relacionada ao Bem comum que consiste a realidade do Estado 10. (...) E esta atividade contínua e relacionada ao Bem Comum, que se sustenta e se alimenta da inteligência e vontade dos homens, é uma relação: a relação constitucional do Estado (Ser Social) Sobre a classificação dos objetos v. Husserl, Edmund, apud, Apostila do grupo de estudos do Prof. Paulo de Barros Carvalho. 9 Carvalho, Paulo de Barros. Sobre os princípios constitucionais tributários, in Revista de Direito Tributário, n.º 55, p J. Dabin, L Etat ou le Politique, Paris, 1957, n. 30 e J. Haesaert, Théorie Générale du Droit, Bruxelles, 1948, pp apud Becker, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., p. 163, Lejus, São Paulo:
22 Numa tentativa de refutar os ditos dogmáticos kelsenianos (aqueles emocionalmente mais envolvidos, como se a ausência de análise valorativa por estes pretendida não implicasse, consoante dito, numa análise valorativa em si!), como forma de prestigiar o Princípio Democrático, e sua vontade popular representativa do Bem Comum, tentaremos ao final propor a alternativa de interpretação e aplicação do Jurídico acima aventada, baseada na importância do referido princípio e seus desdobramentos no ordenamento jurídico. Esperamos, todavia, contribuições críticas, pois só mediante testes cruciais de refutação poder-se-á avaliar a idoneidade teórica da hipótese aventada. Se ela resistir a esses testes, será uma boa hipótese, e poderá ser adotada até a sua substituição por outra de maior abrangência no âmbito de explicação do fenômeno descrito: o Princípio Democrático como norma de habilitação ao exercício dos demais poderes constitucionais (inclusive do poder de tributar) e a adoção de uma nova alternativa de abordagem dos seus desdobramentos no âmbito do Direito Tributário positivo, com base nessa premissa. 2. Prólogo - Thomas Kuhn a estrutura das revoluções científicas: a ciência em prol da sociedade Como afirmado em escritos anteriores 12, um dos momentos de maior efervescência na história da atividade científica, indubitavelmente foi o Círculo de Viena. Filósofos e pensadores se encontravam, periodicamente, em torno de uma stammtisch (mesa de debates em bares e cafés, muito comum nos países germânicos) para refletir sobre as bases em que ocorre (ou deveria ocorrer, de acordo com o neopositivismo lógico) o desenvolvimento da atividade científica, e para traçar os rumos daquilo que consideravam o melhor método de pensar cientificamente. 11 Becker, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., p. 163, Lejus, São Paulo: Borges, Paulo Fernando Souto Maior. O caráter patrimonial das obrigações tributárias acessórias, in Teoria geral da obrigação tributária Estudos em homenagem ao Prof. José Souto Maior Borges. Malheiros. São Paulo: 2005, p
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