Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 5, 1-12)

Transcrição

1 4º DOMINGO DO TEMPO COMUM (ANO A) 2 de Fevereiro de 2014 Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 5, 1-12) 1 Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. 2 Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo: 3 «Bem-avent urados os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. 4 Bem-aventurados os humildes, porque possuirão a terra. 5 Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. 11 Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. 12 Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.» 1 / 6

2 Contexto do discurso de Jesus No Evangelho de Mateus, Jesus aparece como o novo legislador, o novo Moisés. Sendo Filho, conhece o Pai. Sabe o que o Pai tinha em mente quando, no passado, deu a Lei ao povo por intermédio de Moisés. É por isto que Jesus pode apresentar uma nova versão da Lei de Deus. O solene anúncio da Nova Lei de Deus começa aqui, no Sermão da Montanha. No Antigo Testamento a Lei de Moisés está contida em cinco livros: Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio. Imitando o antigo modelo, Mateus apresenta a Nova Lei em cinco grandes Discursos ao longo do seu Evangelho: o Discurso da Montanha (Mt 5-7), o Discurso da Missão (Mt 10), o Discurso do Mistério do Reino presente na vida (Mt 13), o Discurso da Comunidade (Mt 18), o Discurso acerca do futuro do Reino (Mt 24-25). Mas para Mateus não basta unicamente o estudo da Lei. É necessário prestar atenção ao agir de Jesus porque, através dele, actua o Espírito de Deus, que anima a partir de dentro a letra da Lei. A descrição do agir de Jesus ocupa as partes narrativas intercaladas entre os cinco Discursos e tem como finalidade mostrar como Jesus observava a Lei e a encarnava na vida. Comentário do texto Mateus 5, 1: O anúncio solene da Nova Lei. No Antigo Testamento Moisés subiu ao Monte Sinai para receber a Lei de Deus. Também Jesus, o novo Moisés, sobe à montanha e olhando as pessoas que o seguiam, proclama a Nova Lei. Até a este momento eram só quatro os discípulos de Jesus (Mt 4, 18-22). Mas na verdade seguia-o uma enorme multidão. Rodeado pelos discípulos, Jesus começa a ensinar proclamando as bem-aventuranças. Mateus 5, 3-10: As oito portas de entrada no Reino. As bem-aventuranças constituem a solene abertura do Sermão da Montanha. Nelas Jesus define quem pode entrar no Reino. São oito categorias de pessoas. Oito portas de entrada. Não há outra porta para entrar no Reino, na Comunidade! Os que querem fazer parte do Reino deverão identificar-se com uma destas categorias ou grupos. 2 / 6

3 Bem-aventurados os pobres em espírito. Não é nem o rico nem o pobre com mentalidade de rico mas o que, como Jesus, vive pobre (Mt 8, 18), acredita no pobre (Mt 11, 25-26) e vê neles os primeiros destinatários da Boa Nova (Lc 4, 18). São pobres os que, por uma livre escolha, deixam tudo. Pobres em espírito são aqueles que decidem não possuir mais nada para si e pôr tudo o que têm à disposição dos outros. Pobre segundo o Evangelho não é quem não possuiu nada mas quem não fica com nada para si. Quem atingiu uma posição de prestígio é rico quando se torna altivo, quando humilha os menos afortunados, quando pensa apenas em si; mas se põe as suas próprias capacidades e dons ao serviço dos outros, se dá a sua disponibilidade a quem precisa de ajuda, então é pobre de espírito. A pobreza voluntária, a renúncia ao uso egoísta de todos os bens que possuímos (inteligência, bom carácter, conhecimentos, diplomas, posição social, dinheiro, tempo livre...) não é algo de facultativo, reservado unicamente a alguns, mas diz respeito a todo o cristão. Deus possuindo tudo é infinitamente pobre: não fica com nada para si, é dom total, amor sem limites. Felizes os humildes. O adjectivo humilde pode trazer-nos à mente a ideia da pessoa resignada, que não reage às provocações, que aceita passivamente, e sem se queixar, as injustiças. É esta pessoa que é avessa a qualquer forma de conflito (mas que revela também uma personalidade débil) que é proclamada bem-aventurada? O termo humilde usado por Jesus, foi retomado do Antigo Testamento, e mais precisamente do Salmo 37. Neste texto os justos são aqueles que foram privados dos seus direitos, da sua liberdade, dos seus bens. Suportam a injustiça sem terem a possibilidade de protestar. Não se resignam, mas recusam recorrer à violência para restabelecer a justiça. Não se deixam levar pela ira, não cultivam sentimentos de ódio e de vingança. Confiam em Deus e esperam a vinda do seu Reino. Jesus apresentou-se como humilde (Mt 11, 29; 21, 5), mas não no sentido de fraco, tímido, pusilânime. Ele viveu conflitos dramáticos, mas enfrentou-os com as disposições de coração que caracterizam os humildes : recusou o uso da violência, foi paciente, tolerante, fez-se servo de todos. Bem-aventurados são aqueles que, diante das injustiças assumem as mesmas atitudes. Eles receberão de Deus a posse de uma terra nova, de uma condição nova. Nela hão-de florescer relações humanas pacíficas e será o fim das formas de domínio e de violência. Bem-aventurados os que choram. O sofrimento não é uma coisa boa. Deus não tem prazer em ver as pessoas na dor, não é Ele que envia desventuras e tribulações. Ele não quer que as pessoas sofram. Quando Jesus proclama bem-aventurados os que choram usa um termo 3 / 6

4 familiar para quem conhece a Bíblia. No livro de Isaías fala-se dos que choram : são aqueles que não têm uma casa para habitar, campos para cultivar porque a herança dos seus pais foi ocupada por estrangeiros, que se devem pôr ao serviço de proprietários sem escrúpulos, que devem sofrer injustiças, prepotências, humilhações (Is 61, 7). A estas pessoas que têm o coração abatido, que se sentam sobre a cinza e vestem o hábito de luto (Is 61, 3), o profeta dirige uma mensagem de esperança. Deus intervirá diz para inverter a situação, acabará com a causa de luto: virá coroar os aflitos de Sião, para mudar a sua cinza em coroa, e o seu semblante triste em perfume de festa e o seu abatimento em cânticos de alegria (Is 61, 3). Na sinagoga de Nazaré, Jesus aplica a si esta profecia (Lc 4, 21). Ele veio para dar cumprimento às promessas de Deus. Os que choram, aqueles que experimentam uma dor profunda perante uma sociedade dominada ainda pela injustiça, aqueles que estão insatisfeitos e esperam de Deus a salvação serão consolados. A vinda do Reino começou a eliminar todas as situações que são motivo de dor e lágrimas. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça. A fome e a sede são as necessidades mais fortes que o homem experimenta. É com esta ânsia irresistível que os discípulos de Cristo devem procurar a justiça. Mas de que justiça se trata? Da que é aplicada nos nossos tribunais? Esta muitas vezes não é mais do que retorsão, vingança, represália, crueldade, satisfação em ver finalmente sofrer quem praticou o mal. Jesus está a falar de outra justiça, a de Deus. Deus é justo não porque retribui conforme os méritos, mas porque, com o seu amor, torna justos aqueles que são maus. É justo porque quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm 2, 4). Para nós, a justiça foi feita quando o culpado foi punido. Para Deus, a justiça foi feita quando o malvado se tornou justo. A sua justiça é sempre e só a salvação, a recuperação de quem fez mal cometendo o pecado. Quem experimenta esta fome e esta sede para a salvação do irmão será saciado. Compartilhará a própria alegria de Deus que não quer que se perca nenhum (Jo 6, 39), que não tem prazer com a morte do pecador, mas com o facto de ele se converter e viver (Ez 18, 23). Bem-aventurados os misericordiosos. Não é a filantropia que distribui esmolas mas é antes imitar Deus que tem entranhas de misericórdia por aqueles que sofrem (Ex 34, 6-7). Misericórdia quer dizer ter o coração na miséria dos outros para diminuir a sua dor, agir de modo que a dor alheia não nos seja indiferente. Na Bíblia a misericórdia, mais do que um sentimento de piedade, é uma acção de quem necessita de ajuda. O exemplo mais claro é o do samaritano que usou 4 / 6

5 de misericórdia para com o homem agredido pelos bandidos (Lc 10, 37). Misericordiosos são aqueles que, como Deus, fazem obras de misericórdia, são aqueles que se empenham para que as pessoas necessitadas encontrem aquilo que necessitam. São bem-aventurados porque no mundo novo, ao surgir do Reino, também eles, quando tiverem necessidade de ajuda, encontrarão quem lhes estenda a mão. Bem-aventurados os puros de coração. Jesus diz aos seus discípulos: Não sabeis que tudo o que entra pela boca passa pelo ventre e é expelido em lugar próprio? Mas o que sai da boca provém do coração; e é isso que torna o homem impuro. Do coração procedem as más intenções, os assassínios, os adultérios, as prostituições, os roubos, os falsos testemunhos e as blasfémias. É isso que torna o homem impuro (Mt 15, 17-20). Os puros de coração são aqueles que têm um comportamento ético conforme à vontade de Deus, aqueles que têm o coração indiviso, aqueles que não amam ao mesmo tempo Deus e os ídolos. Não tem um coração puro aquele que serve dois senhores, aquele que tem uma conduta que não está de acordo com a fé que professa, aquele que ama Deus, mas tem no coração o rancor para com o irmão, aquele que não comete a má acção mas é adúltero no seu coração. Os puros de coração são bem-aventurados porque a eles, e só a eles, é dado fazer uma profunda experiência de Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz. Não é só a ausência de guerra. A Paz que Deus quer sobre a terra é a reconstrução total e radical da vida, da natureza e da convivência. Bem-aventurado é, sem dúvida, aquele que, sem recorrer à violência ou ao uso das armas, se empenha com todas as forças a pôr fim às guerras e aos conflitos; bem-aventurado é aquele que se coloca entre os contendedores e tenta convencê-los a chegar ao diálogo, à concórdia e à paz. Contudo, na Bíblia a palavra paz (shalom) não significa somente ausência de guerras. Indica o bem-estar total, implica a harmonia com Deus, com os outros e consigo mesmo, prosperidade, justiça, bem-estar, saúde, alegria. Os operadores de paz são aqueles que se empenham para que esta vida plena de todos os bens seja possível para cada homem. A eles está reservada a mais linda das promessas: Deus considera-os seus filhos 5 / 6

6 . Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça. Jesus não iludiu os seus discípulos, disse claramente que quem alinha pelo lado da justiça de Deus pagará certamente cara a sua escolha. No mundo construído e organizado a partir do egoísmo de pessoas e grupos, aquele que deseja viver o amor desinteressado, será perseguido e morrerá na cruz. A perseguição não é sinal de desaire mas de sucesso. É um motivo de alegria porque demonstra que foi feita a escolha certa, aquela que está de acordo com a sapiência de Deus. Os opressores dão-se conta de que a vinda do Reino ameaça a sua posição e por isso agridem violentamente quem quer que se empenhe contra a prepotência, a arrogância, a pobreza, a discriminação. Jesus sugeriu o comportamento a ter nos momentos de perseguição: Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem (Mt 5, 44). A única força capaz de romper a espiral da violência é a do amor e do perdão. Algumas perguntas - Como entender que uma pessoa possa ser pobre e feliz ao mesmo tempo? - Procura recordar os momentos em que te sentiste feliz na tua vida. A tua visão de felicidade é a mesma da de Jesus? - Que tipo de felicidade procuram as pessoas do nosso tempo? 6 / 6