1. Introdução Questões de investigação
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- Sebastião Ventura Damásio
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1 1. Introdução 1.1. Questões de investigação A crise no ensino da gramática, sentida em diferentes sistemas educativos, nas décadas de 70 e 80 (Hudson: 1999; Duarte: 1998, e.o.), conduziu à necessidade de se reequacionar o papel da reflexão sobre a língua no currículo de língua materna. A discussão gerada em torno dos objectivos instrumentais do ensino da gramática deixou a descoberto que a investigação em ensino nem sempre tinha chegado a resultados conclusivos e suficientemente abrangentes (Hudson: 2001; James e Garrett: 1991a), que assegurassem que saber gramática é garantia para se falar, ouvir, escrever e ler melhor. Como ponto de partida do presente trabalho de investigação, pretendeu-se contribuir com dados acerca das relações que se podem estabelecer entre conhecimento linguístico e desenvolvimento da competência de escrita. A hipótese de que o desenvolvimento da competência de escrita beneficia de uma aprendizagem formal e sistematizada sobre a língua é sustentada por diversos estudos, que demonstram que, na base da aprendizagem e desenvolvimento da leitura e da escrita, está a capacidade de metaprocessar conhecimento sobre a língua (Grabe e Kaplan: 1996, 36-59; Menyuk: 1988, ; Pereira: 2000, ; Sim-Sim: 1998, ; Sim-Sim, Duarte e Ferraz: 1997, 15-32, e.o.). Contudo, vários trabalhos de investigação apontam resultados em sentido inverso, defendendo que o conhecimento formal de regras da língua é inútil para o desenvolvimento de competências comunicativas (Hudson: 2001; James e Garrett: 1991b). Seguindo a sugestão de Richard Hudson (2001, 3), em comentário a Laurinen (1955), um ensino da gramática com resultados positivos nos desempenhos de escrita parece ter as seguintes características: «- Está claramente direccionado para uma área particular da gramática (frases principais e subordinadas) que correlaciona com um aspecto da escrita em que as crianças precisam de ajuda (pontuação); - É desenvolvido ao longo de vários anos pelos menos do terceiro ao sexto ano; - Começa na escola primária.» 1 1 A tradução é minha. 1
2 Com base na hipótese de que um ensino da gramática com efeitos positivos no desenvolvimento da expressão escrita é o que contribui com conhecimentos directamente relevantes para a especificidade da escrita (como frases principais e subordinadas e pontuação), procedeu-se à delimitação de um tópico do conhecimento gramatical que pudesse ser estruturante para o desenvolvimento da escrita compositiva. Para isso, confluíram várias pistas resultantes de, pelo menos, três áreas de estudos diferentes. Do ponto de vista da didáctica da escrita, vários autores defendem o ensino desta competência centrado no conhecimento explícito de propriedades de géneros textuais (Grabe e Kaplan: 1996; Martin: 1993; Pereira: 2000, e.o.), sendo os géneros promotores de escrita de transformação de conhecimento (Scardamalia e Bereiter: 1987), como os textos prototipicamente argumentativos, os mais estimulantes para o desenvolvimento desta competência. Em segundo lugar, resultados de investigação sobre desenvolvimento sintáctico, em corpora de produções escritas (Prada: 2000; 2003), consolidaram a ideia de que há dificuldades tardias na produção de nexos concessivos, em confronto com uma elevada produção de conexões adversativas com mas. Finalmente, a importância do recurso a um repertório de estruturas para expressar contraste na construção de discurso argumentativo é salientada por autores como Flamenco García (1999), ao descrever propriedades sintácticas, semânticas e pragmáticas de adversativas e concessivas. Assim, a pergunta geral de investigação será que o conhecimento explícito da língua tem uma correlação positiva com o desenvolvimento da competência de escrita? pôde ser reescrita, delimitando-se o âmbito da investigação - será que o conhecimento explícito de estruturas contrastivas tem uma correlação positiva com o desenvolvimento da escrita de textos de carácter argumentativo? Por estruturas contrastivas entendem-se estruturas frásicas complexas, períodos e unidades superiores ao período (Duarte: 2003) de que participam conectores que expressam o valor de contraste. No caso das conexões contrastivas entre unidades frásicas, por contraste entende-se a ruptura com uma expectativa decorrente do vínculo implicativo estabelecido implicitamente entre as situações denotadas nas frases. O processo inferencial que permite a interpretação de contraste envolve, frequentemente, conhecimento pressuposto, partilhado entre locutor e interlocutor, e ancorado, frequentemente em conhecimento extra-linguístico (Flamenco García: 1999, 3812). Numa perspectiva lógico-semântica, vários autores (Barros: 1998; Rudolph: 1996; Varela: 2000) assumem que, na interpretação de concessivas e de 2
3 adversativas, há uma alteração do esquema de implicação que envolve uma oposição, de certo modo inesperada, à causa de uma cadeia causal inicial. Deste modo, o contraste assinalará a não consumação de uma relação causal inicial, mas uma relação de efeito > contra-causa. O conjunto de estruturas considerado para o estudo das contrastivas inclui (i) estruturas paratácticas de que resultam períodos e unidades superiores ao período, construídas com advérbios conectivos (como, por exemplo, contudo, porém, ainda assim, mesmo assim) (Duarte: 2003), (ii) frases coordenadas adversativas, (iii) frases subordinadas concessivas e (iv) frases subordinadas contrastivas de enquanto (que). Adversativas e concessivas são as estruturas tipicamente consideradas contrastivas (Flamenco García: 1999; Varela: 2000); além destas, gramáticas como Quirk et al. (1995) consideram contrastivas as construções com while, também assim classificadas para o português por Lobo (2003), Lopes (2001) e Peres (1997). A necessidade de circunscrever os conteúdos relevantes para ensino explícito em diferentes níveis de ensino, bem como a exploração da natureza do conhecimento linguístico efectivamente basilar para expressar contraste em sequências argumentativas e, ainda, dados sobre o carácter tardio da aquisição de concessivas conduziram ao desdobramento da questão geral de investigação. Posto que, numa perspectiva de ensino da gramática como «language awareness», o processo de explicitação de conhecimento sobre a língua depende da estabilização do conhecimento implícito, de modo a que possa haver manipulação de estruturas e consciência linguística antes de se proceder ao trabalho de construção de conhecimento explícito e metalinguístico, foi necessário diagnosticar o conhecimento (implícito) de estruturas contrastivas. Para responder às duas principais questões específicas de investigação será que o desenvolvimento linguístico tardio tem implicações no desenvolvimento da competência de escrita? E será que o conhecimento explícito pode estimular o desenvolvimento de níveis superiores de proficiência linguística e da competência de escrita? construiu-se um desenho experimental, estruturado em duas fases, uma de diagnóstico, outra de intervenção didáctica, que se aplicou em turmas de níveis de final de ciclo (quarto ano, sexto ano e nono ano). A análise e discussão dos dados recolhidos serão os principais contributos para a resposta às questões de investigação Enquadramento teórico e metodológico A presente dissertação é um projecto em Linguística Educacional, para o qual confluem duas áreas de interesse deste campo de estudos: o ensino da gramática em língua materna e o desenvolvimento da consciência metalinguística e de literacias. Ainda que seja possível defender que a Linguística Educacional constitui uma teoria, dotada de taxonomia e de princípios preliminares (Spolsky: 1999, 6), a disparidade de 3
4 interesses, de tipos de análise e de ramificações do campo teórico dificultam a defesa da ideia de que existe uma Teoria da Linguística Educacional. De qualquer forma, inscrevendo-se esta dissertação neste domínio de investigação, é seguido o princípio fundador segundo o qual se postula que a proficiência linguística de um indivíduo decorre da sua «language learning ability» e é determinada pela sua motivação e por condicionamentos, individuais ou sociais, para se tornar mais proficiente e pela exposição, em contextos de sociabilização ou de escolarização, a diferentes variedades linguísticas. Qualquer estudo neste campo assenta em análises linguísticas teoricamente fundamentadas, o que não significa que seja propósito do trabalho em Linguística Educacional aplicar modelos teóricos a práticas de ensino. Concordando com Spolsky (idem, 2), «[w]e seek then not apply linguistics, but to derive from its many branches and from other fields that study language, the knowledge that will help in developing the language capacity of others.» Para a estruturação do trabalho experimental, em particular, no respeitante a um modelo de ensino da gramática, defendeu-se uma perspectiva de ensino da gramática como «linguistic awareness» (James e Garrett: 1991b), concretizado nas propostas que assumem abordagens de «aprendizagem pela descoberta» (Hudson: 1992), como, em concreto, a «oficina gramatical» e o «laboratório de língua» (Duarte: 1992; 1998; 2008). Quanto à implementação de momentos de escrita, adoptaram-se recomendações decorrentes de abordagens processuais para o ensino da escrita (Jolibert (coord.): 1988). Por fim, o carácter tardio da aquisição de concessivas factuais, determinado pela opção por estruturas semanticamente equivalentes, como as adversativas, foi enquadrado por hipóteses teóricas para a explicação de aspectos de variação linguística, de acordo com a proposta de Adger e Smith (2005) e de Duarte (2009), no quadro de representação da Gramática Universal do Programa Minimalista (Chomsky: 1995; 2002) Estrutura da dissertação A dissertação está organizada em seis capítulos, seguidos de um conjunto de cinco anexos. De modo a facilitar a leitura dos materiais usados no desenho experimental, que deve acompanhar a leitura da fundamentação metodológica, os Anexos 1 a 3 foram incluídos no volume impresso. Os anexos com informações 4
5 relativas à constituição dos corpora e com a quantificação de conectores encontram-se num CD. No Capítulo 2, introduzem-se as principais questões em torno do ensino da escrita e do ensino da gramática, com a finalidade de contextualizar, no final, a questão geral de investigação, respeitante aos efeitos do conhecimento da gramática no desenvolvimento da competência de escrita. O Capítulo 3 é dedicado à descrição e análise de estruturas contrastivas na gramática do português europeu do adulto e ao estado da arte sobre aquisição de concessivas. A análise das estruturas que expressam contraste estrutura-se em função da relevância deste conhecimento linguístico para a construção de textos de carácter argumentativo, na medida em que contribui com (i) riqueza lexical, (ii) fluência sintáctica, (iii) especificidade semântica e (iii) complexidade na estrutura informacional. Esta análise e a reflexão sobre desenvolvimento linguístico tardio de alguns recursos para expressar contraste ancoram a formulação de questões específicas de investigação, das quais se destacam uma respeitante à relação entre desenvolvimento linguístico e desenvolvimento da escrita e outra relativa ao papel do conhecimento explícito da língua enquanto promotor do desenvolvimento de uma «competência linguística elaborada» (Menyuk e Brisk: 2005) e da competência de escrita. A explicitação do desenho experimental e da metodologia adoptada, bem como a fundamentação da metodologia de constituição dos corpora e de tratamento de dados, com recurso ao sistema CHILDES (MacWhinney: 2000), é feita nas duas primeiras secções do Capítulo 4. Na secção 4.3. e 4.4. apresentam-se os resultados da análise quantitativa, da fase de diagnóstico e da fase de intervenção didáctica, e, na secção 4.5., sistematizam-se questões suscitadas pelos dados. No Capítulo 5, discutem-se as principais questões decorrentes da análise dos resultados, procedendo-se a uma análise qualitativa de alguns dados de produção, de forma a fundamentar algumas explicações para o carácter tardio da aquisição de concessivas e a natureza do conhecimento envolvido neste processo de desenvolvimento tardio. No final, na secção 5.3., enquadra-se a questão da aquisição de concessivas no âmbito mais vasto do desenvolvimento linguístico em áreas de variação. Por fim, no Capítulo 6, na primeira secção, propõem-se respostas às principais questões de investigação, à luz de uma síntese dos resultados. Na última secção, conclui-se com a apresentação de hipóteses de trabalho futuro e de sugestões com implicações para o ensino da língua materna. 5
6. Considerações finais
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