1.1 Fundamento constitucional

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2 CAPÍTULO I A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público 1.1 Fundamento constitucional A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP, doravante) encontra seu fundamento na própria CF que, no art. 61, 1º, II, d, prevê a edição de leis, de iniciativa privativa 11 do Presidente da República, que disponham sobre organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. É verdade que já havia uma lei orgânica do Ministério Público, a Lei Complementar 40/1981. Porém, à vista do novo perfil trazido pela CF de 1988, fazia-se efetivamente necessário um novo marco legal. Assim, o citado dispositivo constitucional previu a edição de duas leis: uma que dispusesse sobre a organização do Ministério Público da União e outra, contendo normas gerais quanto à organização dos Ministérios Públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios A CF é contraditória nesse ponto, pois no 5º do art. 128 dispõe que leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público. Assim, pensamos que a iniciativa para a criação ou modificação da lei complementar que traga a Lei Orgânica do Ministério Público da União não pode ser realmente privativa do Presidente da República e ao mesmo tempo do Procurador- Geral da República. A conclusão é de que a atribuição é concorrente nesse caso. E quanto à lei que traga normas gerais sobre os Ministérios Públicos estaduais, ou seja, a Lei Orgânica Nacional? Parece-nos ser a iniciativa realmente privativa do Presidente da República. 12 Optou ele [o constituinte de 1988] por estabelecer um modelo nacional ainda mais pormenorizado de Ministério Público, a partir de uma lei federal que ditaria as normas gerais para a organização da instituição nos Estados e no Distrito Federal e Territórios uma nova Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. Já para o Ministério Público da União, o constituinte previu fosse disciplinado por lei própria a chamada 21

3 Ricardo Silvares Tal determinação não ficou isenta de críticas. 13 A primeira delas diz respeito ao fato de o texto constitucional ter previsto que uma única lei deveria dispor sobre as normas gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando o mais lógico seria que a lei trouxesse regras tão-somente aplicáveis aos primeiros (estaduais), já que o outro (do Distrito Federal e Territórios) compõe o Ministério Público da União, como estabelece o art. 128, I, da CF. 14 Logo, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios deveria ser regulado apenas por normas previstas na Lei Orgânica do Ministério Público da União. Outra crítica relacionava-se à falta de explicitação quanto à natureza da futura lei orgânica que traria as normas gerais aplicáveis aos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, se complementar ou ordinária. 15 Seguindo uma tradição legislativa de somente editar leis complementares quando a própria CF exigir explicitamente tal tipo de veículo normativo, o Congresso Nacional entendeu que a LONMP deveria ter natureza de lei ordinária, editando, assim, a Lei 8.625, de 12 de fevereiro de Segundo Mazzilli, foi, porém, incorreto o entendimento adotado, o que deu ensejo a absurdos: a) como uma lei ordinária federal poderia fixar normas gerais para os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios, que é organizado por lei complementar federal, lei essa que exige quórum mais qualificado que uma lei ordinária? Ou seja, como poderia uma lei ordinária ser de observância obrigatória pela lei complementar federal que deveria organizar o Ministério Público da União? b) como poderia uma lei ordinária federal, sem expressa autorização da Lei Maior, fixar normas gerais Lei Orgânica do Ministério Público da União (Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, p. 413). 13 Por todos, Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, p De acordo com o art. 128, I, da CF, o Ministério Público da União compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. 15 A futura lei orgânica do Ministério Público da União deveria ser mesmo uma lei complementar, conforme expressamente previsto no 5º do art. 128 da CF. 16 No mesmo ano, em 20 de maio, foi promulgada a Lei Complementar 75, Lei Orgânica do Ministério Público da União. 22

4 A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público de observância obrigatória para o constituinte estadual e para a legislação complementar à Constituição estadual?. 17 Mesmo deixando de lado a interminável discussão sobre a existência de hierarquia entre leis complementares e ordinárias, pensamos que efetivamente teria sido mais adequada a edição de lei complementar, em razão da matéria tratada, fazendo-se uma interpretação sistemática da CF. O contrário resultou no seguinte: o Ministério Público da União é tratado por lei complementar (LC 75/1993); os Ministérios Públicos de cada Estado devem ser, localmente, regulados por leis complementares estaduais; mas, os Ministérios Públicos dos Estados têm suas normas gerais previstas em lei ordinária federal. À parte tal discussão, é certo que a Lei 8.625/1993 completou sua segunda década, sem que tivesse invalidadas suas disposições pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por vício de natureza. 1.2 Âmbito de aplicação Vimos acima que o art. 61, 1º, II, d, da CF determinou a edição de uma única lei que trouxesse as normas gerais sobre a organização do Ministério Público dos Estados, mas também do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. E, como assinalado, o dispositivo revelava-se inadequado, uma vez que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é parte do Ministério Público da União (art. 128, I, CF) e, assim, deveria ser regulado pela lei orgânica deste último. Porém, inadequada ou não, havia tal determinação constitucional. 18 Todavia, a Lei 8.625/1993 trouxe normas gerais apenas para o Ministério Público dos Estados, ficando dela excluído o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. 17 Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, pp Segundo Marcelo Dawalibi, esse dispositivo determinou que o MP do Distrito Federal e Territórios tivesse os aspectos gerais de sua disciplina orgânica traçados na mesma lei orgânica nacional destinada aos MPs Estaduais. Por outro lado, sua organização específica seria definida pela lei orgânica do MP da União, de natureza complementar por determinação constitucional (art. 128, 5º) (Ministério Público: fundamentos constitucionais e legais: estrutura e organização. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 46). 23

5 Ricardo Silvares De fato, já em sua Ementa, a Lei declara dispor sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. E mais: o parágrafo único do art. 2º não poderia ser mais explícito: A organização, atribuições e estatuto do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios serão objeto da Lei Orgânica do Ministério Público da União. Não temos dúvida de que, ao tratar apenas do Ministério Público dos Estados, a Lei trouxe solução mais sensata. Isso se deu, porém, ao preço de frontal desobediência ao dispositivo constitucional citado. Concluindo: a Lei 8.625/1993 traz as normas gerais de organização apenas dos Ministérios Públicos dos Estados. As regras de organização específicas de cada Ministério Público estadual são tratadas por leis complementares estaduais próprias, como determina o art. 128, 5º, da CF. Atenção: o art. 80 da Lei possibilita a aplicação subsidiária da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/1993). Assim, em caso de lacuna na Lei sobre um tema específico, pode ser aplicada regra eventualmente existente na LC 75. Lei 8.625/1993 LC 75/1993 MP do DF e Territórios MP Militar MP do Trabalho MP dos Estados MP Federal 24

6 A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público 2. SÍNTESE DO CAPÍTULO A Lei 8.625/1993 Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LONMP) encontra fundamento no art. 61, 1º, II, d, da CF, que determinou a edição de lei contendo normas gerais sobre os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. A Lei 8.625/1993 é lei ordinária, embora parte da doutrina entenda que seu objeto deveria ter sido tratado por lei complementar. A Lei 8.625/1993 traz as normas gerais de organização apenas dos Ministérios Públicos dos Estados. As regras de organização específicas de cada Ministério Público estadual são tratadas por leis complementares estaduais próprias. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é regulado pela LC 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União). O art. 80 da Lei possibilita a aplicação subsidiária da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/1993). 3. QUESTÃO COMENTADA 1. (MPE/BA Promotor de Justiça-BA/ 2008) Analise as seguintes assertivas pertinentes ao Ministério Público: I. Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e finalística do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe rever, de ofício ou mediante provocação, os pareceres exarados em processos judiciais por membros do Ministério Público da União ou dos Estados há menos de um ano. II. Segundo dispõe a Constituição do Estado da Bahia, compete ao Ministério Público fiscalizar os estabelecimentos que abriguem idosos, menores, incapazes e deficientes, bem como, de modo geral, hospitais e casas de saúde. III. Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93). IV. São considerados como de efetivo exercício para efeito de vitaliciamento os dias em que o membro do Ministério Público estiver afastado de suas funções em razão de licença por motivo de doença em pessoa da família ou para tratamento de saúde. V. Segundo a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia (Lei Estadual 10845/07), a cada Município corresponderá uma Comarca, sendo as comarcas classificadas em quatro entrâncias: inicial, intermediária, final e especial. 25

7 Ricardo Silvares Em seguida, marque a alternativa correta. A) São verdadeiras apenas as assertivas II e IV. B) São verdadeiras apenas as assertivas II e III. C) São verdadeiras apenas as assertivas III e IV. D) São verdadeiras apenas as assertivas I e V. E) Apenas a assertiva III é verdadeira. COMENTÁRIOS Nota do autor: a assertiva III trata do tema deste capítulo. Alternativa correta: letra B. Assertiva I: errado. Criado pela EC 45/2004, o Conselho Nacional do Ministério Público possui previsão constitucional no art. 130-A e a forma de escolha de seus membros é regulada pela Lei /2006. De acordo com a CF, compete-lhe o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Portanto, não cabe ao Conselho Nacional o controle da atuação finalística. Logo, não lhe cabe rever os pareceres exarados em processos judiciais por membro do Parquet. A EC 45/2004 não trouxe exceção ao princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público, assegurado pelo 1º do art. 127, da CF. Assertiva II: certo. É o que dispõe o art. 138, IX, da Constituição do Estado da Bahia. Assertiva III: certo. Há expressa disposição do art. 80 da Lei 8.625/1993: Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da Lei Orgânica do Ministério Público da União. Assim, temos que a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) aplica-se aos Ministérios Públicos dos Estados. Já a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/1993) aplica-se ao Ministério Público da União, que abrange o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Esta última Lei Complementar pode ser aplicada, subsidiariamente, aos Ministérios Públicos dos Estados. Assertiva IV: errado. Muita atenção aqui! Os dias em que o membro do Ministério Público ficou afastado de suas funções em razão de licença por motivo de doença em pessoa da família ou para tratamento de saúde são considerados como de efetivo exercício, salvo para um único efeito: vitaliciamento. É o que dispõe o art. 53, combinado com o art. 52, ambos da Lei 8.625/1993. Assertiva V: errado. O erro da questão está na afirmação final, já que o art. 25 da Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia prevê apenas três entrâncias: inicial, intermediária e final. 26

8 A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público 4. TEXTOS CONSTITUCIONAL E LEGAL APLICÁVEIS 4.1 Texto constitucional Art º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; Art º - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público : 4.2 Texto da Lei 8.625/1993 Ementa da lei: Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Art. 2º. Lei complementar, denominada Lei Orgânica do Ministério Público, cuja iniciativa é facultada aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, estabelecerá, no âmbito de cada uma dessas unidades federativas, normas específicas de organização, atribuições e estatuto do respectivo Ministério Público. Parágrafo único. A organização, atribuições e estatuto do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios serão objeto da Lei Orgânica do Ministério Público da União. 4.3 Exercícios para fixação do texto legal 1. Ementa da lei: Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público e dá outras providências. 2. Art. 2º. Lei complementar, denominada Lei Orgânica do Ministério Público, cuja iniciativa é facultada aos Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, estabelecerá, no âmbito de cada uma dessas unidades federativas, normas específicas de organização, atribuições e estatuto do respectivo Ministério Público. 27

9 Ricardo Silvares Parágrafo único. A organização, atribuições e estatuto do serão objeto da Lei Orgânica Gabarito 1. dos Estados. 2. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; do Ministério Público da União. 28