1 SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile,
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- Luca de Sintra Branco
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1 Rafael Canaveze. O Brasil e a Guerra do Pacífico: as relações do governo brasileiro com Chile, Bolívia e Peru ( ). (FCL UNESP/ASSIS Pós-graduando). O estudo sobre as relações internacionais é um campo de pesquisa histórica recente no Brasil, principalmente, quando se trata da análise das relações do governo brasileiro com os países andinos, no decorrer do século XIX. Em geral, a ênfase dada pela historiografia tradicional sobretudo é sobre as relações dos governos brasileiros com países europeus, com os Estados Unidos e com países platinos, ignorando outros países do continente americano, como o caso dos países envolvidos na Guerra do Pacífico. Porém, nos últimos anos, foi dada uma maior atenção por parte de estudiosos brasileiros às relações diplomáticas do Brasil com os países andinos. Entre eles destacamos o historiador Luís Cláudio Villafañe 1, que fez uma análise inovadora sobre as relações diplomáticas do Brasil com as repúblicas do Pacífico Sul, no decorrer do século XIX, período no qual eclodiu a Guerra do Pacífico. Essa guerra foi um acontecimento importante na medida em que o mapa do continente sofreu significativas modificações, com o Chile tomando o litoral boliviano e anexando duas províncias peruanas. Esses territórios anexados pelo Chile eram ricos em nitratos e salitre, e, dessa forma, favoreceram o desenvolvimento econômico chileno até as primeiras décadas do século XX, tornando-o uma potência regional, o que, sem dúvida, foi relevante na balança de poder do continente. Portanto, o estudo desse conflito é muito significativo, visto que gerou transformações no quadro político, geográfico, econômico e diplomático na América do Sul. No que se refere à diplomacia imperial brasileira, os principais temas levantados em relação ao continente, no decorrer do século XIX, baseavam-se na definição de limites territoriais, nas questões relativas ao comércio internacional, na definição de regras para a navegação dos rios internacionais e no tráfico de escravos. Nesse contexto, a diplomacia imperial brasileira não considerava importante atender às iniciativas interamericanas de seus vizinhos. Essa postura na política americanista 2 do Império esteve relacionada à natureza da legitimação do Estado brasileiro, que era diferente à de seus vizinhos americanos. A adoção do regime monárquico foi determinante na política internacional brasileira para o continente. Enquanto as outras nações estavam construindo suas identidades, a partir do pressuposto 1 SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia ( ) Curitiba: Editora UFPR, Em geral, o termo americanista no Brasil refere-se a uma política internacional pró Estados Unidos. Porém, o termo que aqui utilizamos segue a interpretação de Villafañe, na qual o termo americanista refere-se à política internacional brasileira para todo o continente americano.
2 republicano e da idéia de rompimento do Antigo Regime e, consequentemente da Europa, o Brasil mantinha o princípio dinástico como fonte de sua legitimação, aliada a noção de permanecer como o grande representante da civilização européia, naturalmente nos trópicos, entremeado com repúblicas anárquicas. A natureza peculiar do sistema político brasileiro foi relevante no seu comportamento internacional. Com isso, o Estado brasileiro tinha dificuldades em apoiar iniciativas americanas que buscassem a integração política e econômica com seus vizinhos. Desse modo, o Brasil se absteve ou ignorou os convites feitos pelas nações vizinhas para participar de congressos interamericanos, isolando-se diplomaticamente, pois, temia sofrer retaliações por parte das nações republicanas. 3 O Brasil optou pelas negociações bilaterais com seus vizinhos, sobretudo no que se refere às questões litigiosas envolvendo territórios. Não aderiu ao princípio da arbitragem, que se baseia na mediação de um terceiro país para a resolução de um impasse entre duas nações, como desejavam seus vizinhos. O Império considerava-se suficientemente forte para fazer prevalecer suas vontades sobre os países vizinhos, como de fato ocorreu na Guerra do Paraguai ( ), quando o Brasil saiu vitorioso. Contudo, esse conflito trouxe algumas conseqüências para o Império do Brasil, desde um enorme déficit público, que se arrastou até o fim do regime dinástico brasileiro, até na ampliação do exército, que passou a ser uma força de presença nacional cada vez mais influenciada pelos ideais positivistas, aumentando assim a oposição a Dom Pedro II. Desde meados do século XIX, o Brasil vinha passando por transformações nas estruturas social e econômica. Nesse período, a malha ferroviária aumentou, inovando o sistema de transportes e produção. Acompanhava esse processo o fenômeno da urbanização e de adequação da economia brasileira às normas do capitalismo internacional. A agricultura não era mais o único empreendimento a receber investimentos. Na esfera social, o trabalho escravo estava sendo gradativamente substituído pelo assalariado. Dadas essas transformações, novos setores, em geral urbanos, começaram a se organizar e a contestar o regime político brasileiro, exigindo sua substituição por um sistema republicano e sem escravidão. Por causa desse quadro interno e pelo fim da guerra contra o Paraguai, no âmbito das relações internacionais, o Brasil teve de tomar algumas medidas diferentes das de até então. Uma delas foi tomar uma nova postura diplomática, que gerou controvérsia dentro da 3 O Império brasileiro boicotou vários encontros interamericanos como o Congresso do Panamá (1826), Congresso de Lima ( ), os Congressos de Santiago e Washington (ambos em 1856) e o Segundo Congresso de Lima ( ). Confirmou presença apenas na Conferência de Washington ( ).
3 historiografia brasileira, propiciando diferentes análises. Para os historiadores Cervo & Bueno 4, a diplomacia brasileira teve que repensar sua política para o continente, dado o conflito com o Paraguai, seu antigo aliado e, para isso, o Império buscou aliar-se com outros países, como Chile e Bolívia, a fim de manter sua presença na bacia platina. Porém, segundo Villafañe G. Santos 5, o posicionamento da diplomacia brasileira foi diferente. Apesar do autor admitir a rivalidade entre Brasil e Argentina, o Império se manteve neutro às iniciativas de formar alianças e contra-alianças no continente. Podemos perceber que a postura do governo imperial brasileiro, no final do século XIX, gerou controvérsia dentro da historiografia, sendo necessário fazer uma análise aprofundada da documentação oficial sobre o assunto. Como vimos, existe uma discussão na historiografia brasileira sobre a ação da diplomacia do Brasil no período posterior à Guerra do Paraguai ( ), esse que foi o evento bélico sul-americano mais conhecido e estudado por essa historiografia. Contudo, outros conflitos armados no continente, também de grandes proporções, não receberam a mesma atenção dos estudiosos brasileiros, pelo simples fato de não envolverem o Brasil diretamente, como o caso da Guerra do Pacífico. Em contraste com os poucos estudos históricos no Brasil sobre esse conflito, sabemos que parte da imprensa brasileira da época publicou vários artigos, em seus periódicos, sobre os incidentes diplomáticos e sobre o confronto bélico entre Chile e Peru-Bolívia. A Guerra do Pacífico recebeu especial atenção do periódico paulista A província de São Paulo que, nos primeiros meses do conflito, entre abril e agosto de 1879 publicava, em geral na primeira página, uma notícia por semana sobre o confronto. Podemos afirmar pela leitura de outros artigos, como os que constam no jornal A província de São Paulo, uma preocupação de parte da imprensa brasileira em noticiar sobre a Guerra do Pacífico. Nesse periódico há dados específicos sobre guerra, como a ação diplomática dos países, o número de soldados e navios dos contendores, o deslocamento de tropas, etc. Essa guerra foi um acontecimento que despertou a atenção de parte da opinião pública paulista. Assim, podemos dizer que esse conflito teve uma considerável repercussão no Brasil, pois, esse periódico era um dos de maior tiragem do país na época final do século XIX e devido a isso, merece uma maior atenção dos historiadores brasileiros. Para melhor compreendermos o tema aqui exposto, traçaremos o panorama histórico do período, tratando das origens do conflito. 4 CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática, p SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O império e as repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia ( ) Curitiba: Editora UFPR, p.166 e 167
4 No período colonial, as fronteiras entre as unidades administrativas na América hispânica eram, em geral, imprecisas. Após o processo de independência e o surgimento de vários países americanos, a questão sobre a definição de fronteiras foi constantemente adiada, seja pelas guerras civis dos novos Estados, seja pelo fato de os governos verem essas regiões como inóspitas e desprovidas de qualquer valor econômico imediato, não havendo assim qualquer interesse em fazer a demarcação dessas fronteiras. No entanto, a partir de meados do século XIX, essas áreas interioranas foram alvo de maior atenção por parte desses Estados. Isso se deveu, segundo Francisco Doratioto, à maior operacionalidade administrativa desses, além do novo significado econômico que tais regiões assumiram, por causa da necessidade crescente da demanda de produtos primários pela Europa. Nessa perspectiva, os governos passaram a buscar diferentes formas para legitimar ou ampliar seus territórios frente aos países vizinhos. Isso gerou várias tensões entre os países, algumas das quais se converteram até em confrontos armados, como foi o caso da Guerra do Pacífico ( ), objeto de nossa análise. Foi nesse contexto que o deserto do Atacama adquiriu importância econômica. Localizado na costa central do Pacífico Sul com aproximadamente km² 6, essa região era a fronteira natural entre Chile e Bolívia. Em meados do século XIX, foram descobertos ali depósitos minerais, em especial de nitratos, que eram utilizados na fabricação de fertilizantes e pólvora. O deserto passou, então, a ser uma área em litígio entre Chile e Bolívia, dado o seu potencial econômico. Apesar da disputa política do deserto pelos dois países, economicamente, havia o predomínio do capital chileno na região, no ramo comercial e mineiro. A expansão do capital chileno, no setor mineiro, deveu-se, principalmente, à passagem legal do poder político no Chile para os liberais, no início da década de 1860, cujo domínio se manteve até o fim dos anos 80. O Partido Liberal, composto principalmente por setores médios urbanos, manufatureiros e os novos empresários mineiros, deu um novo sentido à economia chilena. Como afirma Maria Lígia Coelho Prado, esse período significou a virada do eixo mais dinâmico da economia chilena da agricultura para a mineração. 7 O governo dos liberais chilenos favoreceu o desenvolvimento do sistema financeiro e comercial do país. Além disso, a indústria mineira, metalúrgica, naval e bélica recebeu especial incentivo do Estado. Entre os anos de 1875 e 1895, o setor secundário cresceu 62% e o terciário 44%, em contraste com o setor primário que amargou um decréscimo de 30% no 6 Informação obtida do site Enciclopédia virtual. 7 PRADO, Maria Lígia. A formação das Nações Latino-Americanas. São Paulo, Atual. Campinas, Editora da Unicamp, 1985, p.45.
5 mesmo período. 8 Foi nesse contexto que várias empresas mineradoras chilenas se instalaram na região litigiosa do Atacama. Dado o crescente investimento da burguesia mineradora chilena nessa região, o governo de Santiago iniciou as negociações com a Bolívia, para resolver os limites territoriais na área do deserto. Foram tentados vários acordos, na década de 1860, para solucionar o impasse entre o Chile e a Bolívia sobre o Atacama, porém sem sucesso. O governo boliviano, temendo uma ação bélica chilena, buscou uma aliança com o Peru que, pelos mesmos motivos, além do interesse na região norte do deserto, assinou com a Bolívia um tratado secreto de defesa contra uma ação militar chilena, em Esse acordo entre o governo boliviano e peruano deveu-se à semelhança das condições internas desses dois países e de suas preocupações diante do crescimento do capital chileno em seus territórios. No plano interno, em meados do século XIX, a economia do Peru e da Bolívia estava baseada na mineração. O crescimento da economia boliviana, nesse período, esteve associado ao renascimento das atividades mineiras 9, sobretudo na extração e exportação da prata. Já no Peru, o guano depositado nas ilhas costeiras para ser usado como fertilizante agrícola predominava de maneira absoluta nas exportações do país e foi o responsável por um crescimento anual médio de 5,2% nas exportações, entre os anos de , já que, desde o início da exploração do guano, o governo peruano detinha o monopólio do produto. Nos primeiros anos da década de 1870, Peru e Bolívia entraram em uma grave crise econômica, ocorrida, respectivamente, em decorrência do esgotamento dos depósitos de guano e da brusca queda nas exportações de prata. Além disso, nesse período, ambos os países não conseguiram liquidar com os credores internacionais os vultosos empréstimos realizados pelos governos anteriores e, por isso, não tiveram acesso ao crédito externo, o que agravou ainda mais a crise. Em conseqüência disso, ambos os governos civis tomaram medidas externas semelhantes e conjugadas, para solucionar seus problemas internos. A primeira medida dos governos do Peru e da Bolívia foi assinar o tratado secreto de 1873 de defesa contra o Chile. O segundo passo foi avançar sobre as possessões do capital chileno em seus territórios, em geral investido nas empresas de nitrato. O nitrato, ao contrário do guano, era um recurso da iniciativa privada peruana e chilena. Como estratégia para tirar seu país da crise que vinha atravessando, o primeiro 8 BRUIT, H. H. (Org.). Estado e burguesia nacional na América Latina. São Paulo: Ícone, Editora da Unicamp, 1985, p Durante as guerras de independência, as minas bolivianas foram destruídas e abandonadas. Posteriormente, havia a falta de capital para investimento, escassez de mão-de-obra em decorrência da extinção da mita e a persistência no período pós-colonial do monopólio estatal da compra da prata a preços abaixo do mercado que reduziam drasticamente os lucros e os investimentos nesse setor. 10 Idem, p. 554.
6 presidente civil do Peru, Manuel Prado, instituiu, em 1873, o monopólio do nitrato e, em 1875, expropriou seus campos. O objetivo era transformar as reservas de nitrato em um novo recurso capaz de financiar os gastos públicos. Com isso, os ex-proprietários transferiram-se para o Chile, onde contribuíram para a propaganda, do que viria ser mais tarde, a da Guerra do Pacífico. O monopólio do nitrato não alcançou os resultados esperados. Devido à manutenção da crise, a oposição ao governo civilista começou a aumentar, ocorrendo até algumas insurreições armadas organizadas por militares peruanos. Não suportando a pressão, Prado renunciou em 1876, o que gerou a volta dos militares ao poder. No início da década de 1870, em virtude do potencial de cobre, nitrato e guano no território boliviano, várias empresas estrangeiras, em especial chilenas, dirigiram-se para a região do deserto do Atacama, a fim de explorá-lo. Muitas dessas empresas conseguiram concessões do governo boliviano, dentre elas a Companhia de S. F. Antofagasta, de capital chileno. Nesse mesmo período, os portos de Cobija e de Antofagasta, ambos bolivianos, tinham uma população de mais de 90% 11 de chilenos, o que, sem dúvida, foi relevante para o desenrolar da Guerra do Pacífico. Dada a grande presença chilena em seu território, o governo civil boliviano buscou firmar um acordo com o Chile, para definir a fronteira no deserto do Atacama. No ano de 1874, ambos os países alcançaram um entendimento. A fronteira do deserto ficaria delimitada ao paralelo 24 graus da latitude sul e, em troca, o governo boliviano deveria isentar de qualquer reajuste tributário as companhias salitrenhas chilenas em seu território durante os próximos 25 anos. Porém, com o agravamento da crise na Bolívia e a conseqüente oposição política, o governo civil de Frias caiu devido a um golpe de estado organizado pelo general Hilárion Daza, em O novo governo boliviano, assegurado pelo acordo militar de 1873 com o Peru e mergulhado em uma grave crise econômica, viu como única saída para a recessão aumentar a tributação sobre a exploração da principal riqueza do país: os depósitos de nitratos na região do Atacama.O Congresso boliviano definiu um imposto de 10 centavos sobre cada 100 quilos de salitre exportado. Simultaneamente, houve a ameaça boliviana de confiscar os bens da Companhia Anônima de Salitre e Ferrovia de Antofagasta, Isso representava para o governo chileno o rompimento do tratado assinado em O aumento do imposto na exportação de nitratos por parte do governo boliviano foi o estopim para o início da Guerra do Pacífico, em abril de 1879, com o Chile declarando guerra 11 Ver em BETHELL, Leslie, História da América Latina: Da Independência a 1870, volume III; tradução de Maria Clara Cescato, São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, DF, Brasília, 2001, p. 574.
7 à Bolívia e a seu aliado, o Peru. A partir desse momento, os contendores buscaram alianças com outras nações, entre elas o Brasil. Nesse sentido, a análise das relações diplomáticas e do posicionamento do governo brasileiro ante os beligerantes é relevante, pois tais relações foram importantes nos cálculos estratégicos e políticos dos países envolvidos, assim como para o Brasil, preocupado com o desenrolar e as conseqüências do conflito. Nos primeiros dois meses de luta, as forças chilenas ocuparam a província boliviana do Atacama. No fim do mesmo ano de 1879, a esquadra chilena venceu a peruana. Essa vitória deu ao Chile o domínio marítimo da região em conflito e permitiu-lhe realizar a ofensiva por terra rumo à capital boliviana e peruana, já que o deserto do Atacama uma barreira natural impossibilitava qualquer deslocamento das infantarias rumo ao norte. A batalha de Tacna e Arica, nos primeiros meses de 1880, foi uma das maiores do conflito, envolvendo mais de 28 mil homens e registradas mais de 12 mil mortes. 12 Em meados de 1880, o exército chileno tinha o controle sobre o território boliviano. Em janeiro de 1881, as tropas chilenas chegaram a Lima com cerca de 26 mil homens. 13 A guerra continuou no interior do Peru por mais dois anos, com a resistência das forças guerrilheiras ao exército de ocupação. O vencedor do confronto foi o Chile, com a rendição do Peru e da Bolívia, respectivamente, em 1883 e Com a vitória, o Chile teve ampliado o seu território em 1/3, anexando territórios até então bolivianos e peruanos. A Bolívia perdeu km² de sua costa do pacífico e se converteu em um país mediterrâneo. O Peru perdeu suas províncias da costa sul, e recuou do paralelo 21 para o Todos esses territórios adquiridos pelo Chile tinham um grande potencial em nitratos. 16 Nos primeiros anos da Guerra do Pacífico, as disputas territoriais da Argentina com Brasil e Chile também tiveram peso importante na diplomacia sul-americana. O Chile temia uma entente entre Bolívia-Peru e Argentina, dada a disputa deste último com os chilenos pelos territórios da Patagônia e dos Estreitos ao sul do continente. Devido a essa possibilidade, a diplomacia chilena tentou fixar uma aliança estratégica com o Brasil, porém não obteve êxito. O Império, mergulhado em uma crise interna, optou pela neutralidade no conflito, já que não tinha 12 BARROS, Mario. Historia diplomatica de Chile ( ). Barcelona: Ediciones ariel, 1970, p BETHELL, Leslie, História da América Latina: Da Independência a 1870, volume III; tradução de Maria Clara Cescato, São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, DF, Brasília, 2001, p Segundo Leslie Bethell, foram talvez a maior coesão nacional do Chile e as tradições de um governo estável o que fez a diferença fundamental no conflito. Em vários momentos e durante a própria guerra, tanto a Bolívia quanto o Peru foram vítimas de sérias convulsões políticas, provocadas por seus caudilhos. Ver em Idem. 15 DORIATIOTO, Francisco. Espaços nacionais na América Latina: da utopia bolivariana à fragmentação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994 p Um novo governo peruano acabou por aceitar o Tratado de Ancón (outubro de 1883) no qual Tarapacá foi cedida em caráter definitivo ao Chile, que ainda recebeu a posse temporária de Tacna e Arica. Essas duas últimas províncias ficariam sob o domínio chileno por dez anos e, posteriormente seria realizado um plebiscito para decidir a posse das regiões. O plebiscito foi realizado somente em 1929, com Arica se tornando chilena e Tacna peruana.
8 condições de entrar em uma guerra, ainda mais contra a Argentina, sua mais provável inimiga. 17 Entretanto, a diplomacia chilena fez esforços para divulgar uma aliança informal com o Império. Segundo Villafañe G. Santos, esse mito passou a ser mais conveniente ao Império, cada vez mais enfraquecido por suas dificuldades internas ; seu poder de barganha frente à Argentina seria ampliado na questão das Missões, na medida em que houvesse uma aliança com o Chile, que saiu fortalecido com a vitória na Guerra do Pacífico. Essa idéia de aliança entre ambos os países manteve-se até o final do regime imperial brasileiro. Essas questões diplomáticas foram retomadas na Primeira Conferência Internacional Americana, realizada em Washington, Estados Unidos, entre 2 de outubro de 1889 e 19 de abril de Esse encontro reuniu todos os Estados americanos, com exceção da República Dominicana, e tinha como pauta desde assuntos diplomáticos como a adoção da arbitragem obrigatória no continente para as disputas entre os países até a integração econômica do continente, através da criação de uma união aduaneira americana 18. A partir desse encontro, foi criado um escritório de comércio para as repúblicas americanas, subordinado ao governo norte-americano que, em 1910, deu lugar à União Pan- Americana, transformada em 1948 na Organização dos Estados Americanos. O Império confirmou presença na Conferência, porém, por ser a única monarquia do continente, temia seu isolamento diplomático no encontro. Outro país que tinha a mesma preocupação do governo brasileiro era o Chile, vencedor da Guerra do Pacífico, já que havia conquistado territórios antes peruanos e bolivianos e, por isso, temia que a Conferência decidisse a arbitragem como meio obrigatório e, talvez, retroativo de resolução das disputas territoriais entre os países americanos. Com vistas a solucionar seus problemas, o Império do Brasil e Chile aproximaramse mais ainda diplomaticamente, às vésperas do encontro em Washington. No encontro, adotaram posições em comum, e foram contrários à adoção do principio da arbitragem para a resolução de disputas territoriais e diplomáticas no continente. No entanto, essa aliança não produziu frutos, devido à proclamação da República no Brasil, simultaneamente à realização da Conferência em novembro de Com a queda do regime monárquico, os representantes do Brasil imperial foram substituídos por outros diplomatas, agora republicanos, na Conferência de Washington. Os novos diplomatas, chefiados 17 Isso se dava devido as disputas pela posse da região dos Sete Povos das Missões, ao sul do Brasil. 18 Esse encontro foi convocado por iniciativa norte-americana, que se empenhava nisso desde Apesar da questão do arbitramento, o convite tinha interesses essencialmente econômicos. Sua indústria crescente carecia de um maior mercado consumidor, a proposta de uma zona de livre-comércio continental caminhava nesta direção.
9 agora por Salvador de Mendonça, promoveram uma reversão no posicionamento do Brasil no Congresso. A partir desse momento, a nova delegação brasileira buscou seguir a orientação de dar um espírito americano a sua diplomacia. Dessa forma o Brasil se aproximou da diplomacia argentina e norte-americana, que defendiam a proposta do arbitramento obrigatório, a qual foi aprovada na Conferência, com o apoio de todas as delegações, exceto a chilena, que se absteve. A mudança do posicionamento brasileiro na Conferência causou um desgaste nas relações com o Chile, país com o qual o governo imperial mantinha boas relações às vésperas do encontro interamericano e que, a partir desse momento, via a nova delegação contrapondo-se às suas iniciativas no encontro. Durante o evento em Washington, o Brasil passou de uma situação isolada e contrária a qualquer integração interamericana, apoiado apenas pelos chilenos, a uma posição de destaque no encontro, incentivando uma maior aproximação entre os países do continente, o que transformou o Brasil em uma das principais lideranças políticas e diplomáticas no continente, no decorrer do século XX. O encerramento da Conferência de Washington no ano de 1890 é a data limite de nossa pesquisa, ano em que as questões relativas à Guerra do Pacífico estavam presentes nas relações internacionais, o que resultou em uma estratégia diplomática distinta daquela do governo chileno e dos governos, imperial e republicano, do Brasil para a Primeira Conferência Americana. Com base nisso, podemos dizer que o Brasil desempenhou um papel importante nas estratégias políticas e diplomáticas dos beligerantes. Contudo, essa importância políticoestratégica do governo brasileiro não foi destacada somente no período do conflito, mas se estendeu até o final da Conferência de Washington, em Nesse sentido o nosso objetivo, diante das relações diplomáticas e do posicionamento do governo brasileiro ante a Guerra do Pacífico, é realizar uma nova contribuição sobre esse tema, pouco conhecido e estudado pela historiografia brasileira. Nossa intenção é verificar nas fontes ofícios, despachos e relatórios da Repartição dos Negócios Estrangeiros, que se encontram no Arquivo Histórico do Itamaraty no Rio de Janeiro, as motivações para a neutralidade da diplomacia brasileira frente aos contendores da Guerra do Pacífico e se, apesar disso, em algum momento, houve favorecimento a algum beligerante envolvido na ação. Também pretendemos verificar se houve transformações no relacionamento com esses países, durante e posteriormente ao conflito, e, nesse caso, detectar as motivações da diplomacia do Brasil para tal alteração.
10 Sabemos que o Império brasileiro manteve-se formalmente neutro ao conflito. Contudo, uma de nossas principais indagações refere-se à existência ou não de uma aliança informal do Brasil com o Chile. Essa interpretação é aceita por parte da historiografia peruana e boliviana e pelo historiador brasileiro Villafañe G. Santos, que fez um estudo geral das relações diplomáticas do Império do Brasil com as repúblicas do Pacífico. Nesse sentido, não encontramos, no Brasil, nenhum estudo específico relacionado à diplomacia brasileira e à Guerra do Pacífico. Portanto, o nosso principal objetivo é esse, tentar preencher essa lacuna na história das relações internacionais no Brasil. Para isso, pretendemos construir nossa análise mediante novos questionamentos do conjunto das fontes, possibilitando assim uma discussão mais rica sobre o assunto. Entendemos que, dessa forma, além da análise do contexto brasileiro e sul-americano da segunda metade do século XIX, sempre considerando suas transformações e seus agentes, poderemos atingir nossos objetivos.
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