PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL
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- Flávio Bicalho Marinho
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1 PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL Amarildo Melchiades da Silva Universidade Federal de Juiz de Fora José Eduardo Ferreira da Silva C.A. João XXIII/ Universidade Federal de Juiz de Fora Resumo: Neste minicurso pretendemos trazer informações aos colegas professores do Ensino Fundamental das séries finais sobre o que nossa pesquisa e nossa vivência de sala de aula têm indicado sobre a maneira como nossos alunos produzem significados para a Matemática. Analisaremos algumas situações de sala de aula ligadas a Matemática do Ensino Fundamental para abordar nossa temática. Nosso objetivo será o de sugerir uma perspectiva que propõe caminhos que possibilitam a interação do professor com seus alunos de modo a intervir de maneira efetiva em suas dificuldades de aprendizagem em Matemática. A visão que proporemos pretende sugerir, também, como uma teoria em Educação Matemática o Modelo teórico dos Campos Semânticos - pode auxiliar o trabalho docente em sala de aula. Palavras-chave: Educação Matemática; Aprendizagem; Dificuldades de Aprendizagem; Interação e Intervenção. PROPOSTA DE TRABALHO A proposta deste minicurso é discutir alguns aspectos da produção de significados que estão presentes na sala de aula de Matemática. Para isto tomaremos o Modelo Teórico dos Campos Semânticos (MTCS) como elemento de análise de algumas situações didáticas que apresentaremos para análise. Em particular, focaremos nas questões a cerca da produção de significados dos alunos e as dificuldades de aprendizagem que presenciamos no dia a dia. A noção de significado será caracterizada nos seguintes termos em nossa discussão: significado é aquilo que o sujeito pode e efetivamente diz sobre o objeto numa dada atividade (no sentido proposto por Leontiev). Ele é produzido através da relação do sujeito com o mundo ao qual ele pertence e que lhe coloca a disposição vários modos de produção de significados que são históricos, sociais e culturais. Em outras palavras, o significado é produzido na relação do sujeito com seus interlocutores. Assim, produzir significados está relacionado a produzir ações enunciativas a respeito de um objeto no interior de uma 1
2 atividade. E é no processo de produção de significados que os objetos são constituídos. Logo, os objetos da atividade matemática não estão constituídos a não ser que alguém os venha a constituir através de sua enunciação. Uma outra noção que utilizaremos em nossa discussão será a de núcleo. No processo cognitivo, quando alguém esta produzindo significados, existem algumas afirmações que a pessoa faz e, tomando como localmente válidas, não sente necessidade de justificá-las. A essas crenças-afirmações ele chamou de estipulações locais. Ao conjunto das estipulações locais denominamos núcleo. A noção de núcleo nos permite apresentar outra noção do modelo: chamaremos de Campo Semântico à atividade de produzir significado em relação a um certo núcleo. Alternativamente diremos que uma pessoa está operando em um Campo Semântico toda vez que ele / ela estiver produzindo significado em relação a um núcleo dado. (LINS, 1995). Temos assim, as noções básicas do MTCS. Para maior clareza, e para situar o leitor sobre nossos objetivos, achamos conveniente apresentar um exemplo onde o ambiente é a sala de aula e que pretende sugerir o encaminhamento que daremos no minicurso. Com isto, esperamos também, introduzir uma noção de dificuldade compatível com o modelo. Assim, a maneira como utilizaremos a teoria para discutir as questões didáticas serão elucidadas. Considere uma turma de 8º ano que está envolvida na atividade de resolução de equações do 1º grau. Suponhamos que os alunos já tenham tido contato com números negativos. A professora propõe, então, a primeira equação: 3x + 10 =100. Sem maiores dificuldades, os alunos atendem prontamente à professora e em poucos minutos eles chegam à resposta x = 30. Feliz com o êxito da turma a professora propõe uma nova equação para ser resolvida: 3x =10. E aos poucos ela constata as dificuldades dos alunos em resolver esta equação. Ela observa, ao abordar alguns desses alunos, que nem sequer eles parecem estar diante de uma equação idêntica à anterior. O que pode ter acontecido? Esta é a grande questão para a professora. Sob a ótica do ensino tradicional vigente (ETV), baseado na concepção formalista moderna, não há maneira de enxergar algum problema nesta situação. E também não há maneira de atuar sobre ele, caso seja detectado. Pois, ao professor cabe explicar, repetir a explicação, convencer, mostrar ao aluno o caminho para se resolver a equação. Ao aluno fica a incumbência de ouvir, prestar atenção, buscar entender a explicação dada. Mas, se 2
3 mesmo assim o aluno continuar não entendendo se instaura o caos, pois não há muito mais o que fazer. Daí, na maioria das vezes, o aluno precisa ceder e o diálogo termina com a fala do aluno tudo bem! Feito este comentário, vejamos como podemos compreender o acontecido sob a ótica do MTCS. Nosso problema didático é: por que os alunos conseguem resolver a primeira equação e alguns não conseguem resolver a segunda? Poderíamos até questionar o seguinte: caso fosse apresentada uma terceira equação será que os alunos que resolveram a primeira e a segunda equação resolveriam a terceira? Colocado o problema fica agora a questão: por onde começar? Do que conhecemos do modelo podemos dizer que devemos iniciar pelas justificações dos alunos sobre a resolução da primeira equação. Devemos neste momento identificar os significados que eles estão produzindo; tanto para identificar núcleos quanto para ver como os campos semânticos estão se desenvolvendo. Devemos observar ainda que objetos o aluno está constituindo em relação ao núcleo e que novos objetos estão sendo constituídos por ele. Nossa estratégia então será a de isolar quatro alunos entre aqueles que resolveram a segunda equação e aqueles que não resolveram e analisar as justificações de cada um em relação à primeira equação. Suponha, então, que as justificações sejam as seguintes: Pedro: Ora professora de um lado tem 3x + 10 e do outro tem 100 e eles são iguais, se eu tirar dez de cada lado continua equilibrado aí fica 3x = 90 e dividindo dos dois lados por 3 a resposta é x = 30. Hugo: Um todo de valor 100 é igual a três partes iguais de um valor que eu não conheço e de uma parte de valor 10. Seu eu tirar 10 o que sobra de um lado é 3x e do outro Carolina: Eu sei que x é um número secreto. Multiplico por 3 e somo 10 ao resultado da multiplicação. O resultado final é 100. Então eu tenho 3x = e... Amanda: Eu tenho três vezes x, mais 10 é igual a 100. Eu sei que x é um número. Somando os dois lados da igualdade por -10, continua igual, porque esta é uma propriedade da igualdade numérica. Então fica... De imediato podemos constatar que é possível produzir diferentes significados para o texto 3x +10 =100 e que cada uma corresponde a diferentes lógicas das operações. Isto é, este texto foi constituído em objeto em pelo menos quatro modos diferentes e, para cada um deles, as transformações efetuadas na equação foram distintas. Passemos, então, a analisar cada resposta. Antes porém, formulemos uma nova questão: conhecendo as 3
4 justificações de cada um dos alunos é possível supor quais deles teriam dificuldade em resolver a segunda equação? Suponhamos que presenciando as justificações de Pedro, seus gestos, sua fala, viemos a constatar que o que ele estava querendo dizer era.que se retirarmos dez quilos de cada lado continua equilibrado. Neste caso a igualdade para ele tem o significado de equilíbrio. A idéia que está por trás de suas justificações é a de balança. Seus gestos, usando as duas mãos, indicavam que, ao tirar pesos iguais mantém-se o equilíbrio. Esta era a maneira como ele operava. Assim podemos dizer que a idéia de equação para este aluno está associada à idéia da balança. A atividade de produzir significado em relação ao núcleo acima é chamada de Campo Semântico da Balança. Operando desta maneira ao olhar a equação 3x = 10, este aluno poderia não produzir significados para esse texto. Ele poderia questionar o fato de que de uma lado tem 3x e do outro tem 10 e mesmo assim fica equilibrado. Na verdade, essa equação não tem significado para ele. Estamos, agora, em condições de apresentar mais um conceito que havíamos anteriormente mencionado, dentro de uma das perguntas anteriores: o que significa dificuldade? Que tipo de dificuldade este aluno está apresentando operando no Campo Semântico da balança? Segundo Lins (1993b) uma dificuldade deve ser entendida de duas maneiras excludentes: ou ela caracteriza-se como um obstáculo ou como um limite epistemológico. Um Obstáculo Epistemológico seria o processo no qual um aluno operando dentro de um campo semântico, poderia potencialmente produzir significado para uma afirmação mas não produz. (Veremos um exemplo a seguir). Já um Limite Epistemológico seria a impossibilidade do aluno em produzir significado para uma afirmação. Este é o caso de Pedro que opera no campo semântico da balança; ao se defrontar com a equação 3x = 10, não produz significado para este texto. Caso ele não mude de campo semântico, ele não conseguirá resolver esta equação, o que caracterizaria um limite epistemológico. É importante deixar claro que o limite para o aluno não existe, pois é algo que se observa de fora. Quando um aluno não produz significado para um certo texto é o professor-pesquisador que está frente a um limite epistemológico (como o que enfrenta a 4
5 professora em relação a Pedro em nossa situação ficcional). Assim, do ponto de vista do MTCS as dificuldades emergem do diálogo. Vejamos, agora, como podemos interpretar a justificação de Hugo: Se do todo (100) extrairmos uma das partes (10), o que sobra é a outra parte (3x). Suas justificações são produzidas com relação a um núcleo de todo e parte. O todo é sempre maior que a parte? A soma das partes constitui o todo? Simplesmente estas não são questões que devam ser justificadas por ele. A igualdade tem o significado de mesmo valor. Poderíamos então chamar à atividade de produzir significado em relação a este núcleo de Campo Semântico do Todo e Parte. Suponhamos que ao defrontar-se com a equação 3x = 10, Hugo tentasse justificar da mesma maneira que fez anteriormente para a primeira equação. Então ele diria: Um todo de valor 10 é igual a três partes iguais de um valor que eu não conheço e de uma parte de valor 100. É de se esperar que para ele esta justificação não tivesse o menor significado. Já a justificação de Carolina pode ser interpretada como: estou desfazendo o efeito de somar 10. (Vide figura 1). FIGURA 1 A igualdade tem o significado de resultado. Chamaremos de Campo Semântico da Máquina estado-operador o campo semântico onde Carolina está operando. Note que se ela reproduzisse a lógica das operações que compõe sua justificação para resolver a equação 3x = 100 não encontraria dificuldades. (Vide figura 2). 5
6 FIGURA 2 Caso ela não conseguisse resolver esta equação, esta situação caracterizaria um obstáculo epistemológico. Amanda, por sua vez, tem sua justificava baseada na produção de significados matemáticos. Este modo de operar permite a ela, caso tenha se constituído em conhecimento, resolver qualquer equação do 1º grau. Chamaremos a esta atividade de produzir significado em relação ao núcleo que se constitui a partir destas justificações de Campo Semântico do Pensamento Algébrico. Com isto, conseguimos responder às questões colocadas e dar mais clareza ao problema didático ocorrido em uma atividade de sala de aula. Uma outra pergunta que colocamos é a seguinte: existiria um Campo Semântico privilegiado pelo professor? Segundo Baldino (1995) a prática docente encerra sempre um objetivo didático. Quando ensina, o professor tem algumas expectativas; existem algumas justificações que ele gostaria que seus alunos produzissem, que ele espera ouvir deste aluno. Ele espera uma certa resposta às questões que são colocadas. E estas expectativas constituem o que ele denomina de Campo Semântico Preferencial1. (cf. p.104) É de se esperar que o professor opere em campos semânticos onde lhe será possível resolver todas as equações, mas ele deve ter em mente que, muitas vezes, isto não ocorre com seus alunos. Esta situação ficcional que apresentamos mostra também, entre outras coisas, que nossa impotência ou não como professores, frente a problemas didáticos, presentes no dia a dia da sala de aula são dependentes de nossa maneira de ver e conceber os processos de ensino e aprendizagem. E ainda, que através do modelo, foi possível entender as 1 A idéia de campo semântico preferencial não é pensada em relação a um núcleo como nos casos anteriores. Ele é chamado de preferencial no sentido de ser privilegiada pelo professor (nota do autor). 6
7 dificuldades dos alunos ao considerarmos os significados produzidos por eles para a equação 3x + 10 = 100. Durante o minicurso, outras situações que surgem em sala de aula serão discutidas e analisadas. REFERÊNCIAS BALDINO, R.R. Assimilação solidária. Grupo de Pesquisa-ação em Educação Matemática GPA, Unesp, Rio Claro, (Apostila) LEONTIEV, A. N. O Desenvolvimento do psiquismo. São Paulo: Editora Moraes, (s.d.). LEONTIEV.A.N. Actividad, consciencia y personalidad. Buenos Aires: Ciencias Del Hombre, LINS, R. C. Epistemologia, história e educação matemática : tornando mais sólidas as bases da pesquisa, Revista da SBEM-SP, Campinas, 1(1): 75-91, set., LINS, R. C. Álgebra e pensamento algébrico na sala de aula. A Educação Matemática em Revista, SBEM, Blumenau, 2(2), 26-31, 1o semestre, 1994(a). LINS, R. C. O Modelo teórico dos campos semânticos : uma análise epistemológica da álgebra e do pensamento algébrico, Revista Dynamis, Blumenau, 1(7): 29-39, abril/junho, 1994(b). LINS, R. C. Campos Semânticos y el problema del significado em álgebra. UNO- Revista de Didáctica de las Matemáticas, Barcelona, no 1, 45-56, julio, 1994(c). LINS, R. C. Epistemologia e Matemática. Bolema, Rio Claro: IGCE/UNESP, Ano 9, Especial 3: 35-46, março, 1995(a). LINS, R. C. & DUARTE JR., Geraldo G. Algebraic word problems and the production of meaning: an interpretation based on a theorical model of semantic fields. Procedings of the XIXth Anual Congress of the PME-Recife, julho, 1995 (b). LINS, R.C. & GIMENEZ, Joaquim. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, (Coleção Perspectivas em Educação Matemática). 7
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