Ressincronização Cardíaca com Sucesso Leva ao Remodelamento Reverso do Átrio Esquerdo e Melhora a Função Diastólica do Ventrículo Esquerdo*

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1 ISSN ARTIGO ORIGINAL Ressincronização Cardíaca com Sucesso Leva ao Remodelamento Reverso do Átrio Esquerdo e Melhora a Função Diastólica do Ventrículo Esquerdo* Successful Cardiac Resynchronization Therapy Improves Left Atrial Reverse Remodeling and Left Ventricle Diastolic Function Simone Nascimento dos Santos 1,2, Marcus Vinícius N. Santos 2,3, Gustavo Lara Moscardi 2,3, Lucas Fonseca 1, Pedro Paniágua 2,3, Candido Gomes 3, Benhur Henz 2,3, André Rodrigues Zannata 1,2, José Roberto Barreto Filho 2, 3, Luiz Leite 1,2,3 1. Clínica Biocardios. Brasília-DF, Brasil. BR; 2. Centro de Tratamento Cardiovascular (CTCV). Hospital Brasília. Brasília-DF, Brasil. BR; 3. Hospital de Base do Distrito Federal. Brasíli DF,Brasil. BR RESUMO Objetivo: Avaliar os efeitos da terapia de ressincronização cardíaca no remodelamento reverso do átrio esquerdo e na função diastólica do ventrículo esquerdo. Método: Entre setembro de 2004 e junho de 2006, 22 pacientes (62±14anos,12 homens, 52%), foram submetidos a terapia de ressincronização cardíaca por ICC CFIII/IV (NYHA), com tratamento clínico otimizado, QRS>120ms (151±20ms) e dissincronia ventricular ao ecocardiograma. A etiologia da ICC foi isquêmica em 10 pacientes, hipertensiva em 3, chagásica em 6, alcoólica em 1 e idiopática em 2 pacientes. Foram coletados dados clínicos e ecocardiográficos [diâmetros e volumes VE, FE, índice do volume AE (Índ VAE) e DTI do anel mitral (E e E/E ),] antes e até 90 dias após o procedimento. O volume do AE foi medido através da fórmula 8/3? [(A1 x A2) / L]. A dissincronia interventricular foi avaliada pelo atraso ao Doppler pulsado entre fluxo pulmonar e aórtico (Tpre). A dissincronia intraventricular foi avaliada pelo modo-m (atraso entre pico de contração septal e parede posterior - PP) e ao Doppler tecidual do miocárdio. Resultados: Não foram observadas complicações durante o procedimento. Houve melhora da CF (3,5±0,5 x 1,5±0,5 p<0,001), das medidas de função sistólica e dos índices de atraso inter e intraventricular em todos os pacientes. Houve redução significativa do Índ VAE (34,3±17 x 21,8±11 p<0,01) e da relação E/E (16,4±7,7 x 7±1 p<0,001). Conclusão: Neste estudo, a terapia de ressincronização cardíaca esteve associada a um remodelamento reverso do AE e uma melhora da função diastólica do VE. Descritores: Remodelação Ventricular, Insuficiência Cardíaca, Contração Miocárdica, Função Ventricular, Ecocardiografia. SUMMARY Objective: To evaluate the effects of cardiac resynchronization therapy on left atrial reverse remodeling and left ventricle diastolic function. Method: Between September 2004 and June 2006, 22 patients (62 ± 14 years old, 12 males-52%) underwent cardiac resynchronization therapy for HF NYHA II / IV with optimal medical therapy, QRS> 120 ms (151 ± 20ms) and ventricular dyssynchrony onechocardiography. The etiology of CHF was ischemic in 10 patients, hypertensive in 3, Chagas disease in 6, alcoholic in 1 and idiopathic in 2 patients. We collected clinical and echocardiographic data [LV diameters and volumes, EF, LA volume index (LAVind) and the mitral annulus DTI (e and E/e )] before and 90 days after the procedure. The LA volume was measured using the formula 8/3 [(A1 x A2) / L]. Interventricular dyssynchrony was assessed by the delay between the pulsed Doppler pulmonary flow and aortic (Tpre). The intraventricular dyssynchrony was assessed by M-mode (delay between peak septal and posterior wall contraction) and myocardial DTI. Results: * Tema Livre apresentado no XIX Congresso Brasileiro de Ecocardiografia em Fortaleza Não houve fonte financiadora para este estudo. Instituição: Instituto Brasília de Arritmia - Brasília. DF. Brasil Correspondência: SMDB CJ 16 Lote 5 casa A, , Brasília DF. Brasil. BR, Telefone: (61) Fax: (61) , sns2003@uol.com.br Recebido em: 22/09/ Aceito em: 16/02/

2 There were no complications during the procedure. There was improvement of HF NYHA (3.5 ± 0.5 x 1.5 ± 0.5 p <0.001), measurements of systolic function and indices of inter and intraventricular delay in all patients. Significant reduction of the LAV Ind (34.3 ± 21.8 ± 17 x 11 - p <0.01) and E/e (16.4 ± 7.7 x 7 ± 1 - p <0.001). Conclusion: In this study, the cardiac resynchronization therapy was associated with left atrial reverse remodeling and improved diastolic function. Descriptors: Ventricular Remodeling; Heart Failure; Myocardial Contraction; Ventricular Function; Echocardiography. Introdução A insuficiência cardíaca (IC) é uma patologia cada vez mais prevalente em países industrializados e, apesar de a mortalidade por doença cardiovascular ter apresentado queda nos últimos anos, houve, simultaneamente, um aumento da prevalência, morbidade e mortalidade da IC. A IC também deve ser encarada como uma grande causa de hospitalização e elevados gastos com saúde. Nos últimos estágios da doença, vários mecanismos atuam, simultaneamente, como causa de perpetuação e agravamento do quadro clínico, levando a disfunção ventricular como via final do processo de remodelação ventricular. Nessa fase, mesmo com a otimização medicamentosa, persistem altas taxas de morbidade e mortalidade em que se impõem outras medidas terapêuticas com grandes custos financeiros e sociais, necessitando de centros altamente especializados para sua aplicação. Estudos mais aprofundados sobre remodelamento ventricular demonstraram grande desarranjo da despolarização do ventrículo disfuncionante e, consequentemente, do padrão de contração mecânica ventricular. A Terapia de Ressincronização Cardíaca (TRC) surge na década de como uma tentativa de reorganização dessa despolarização anormal, utilizando-se pontos de estimulação artificial no ventrículo 1. Desde então, vem crescendo o número de estudos clínicos, demonstrando eficácia e segurança da TRC 2-7, com os seguintes critérios de indicação: CF III/IV (NYHA) apesar da otimização medicamentosa; presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE), QRS > 120ms ao ECG e FE < 35%. O estudo CARE-HF foi o primeiro a demonstrar queda da mortalidade com a RC e, também, o primeiro a utilizar critérios de dessincronia ventricular ao ecocardiograma como um dos parâmetros de indicação. Dessa forma, a taxa de não respondedores a TRC, caiu de 20-30% nos estudos iniciais, para 6% no CARE-HF. O ecocardiograma, 92 além de auxiliar na melhor seleção dos pacientes, é determinante na detecção de melhora anatômica e funcional do ventrículo esquerdo (VE) após a TRC 8. A função diastólica do VE está fisiologicamente acoplada ao desempenho sistólico e é um importante determinante no prognóstico e sintomas em pacientes com disfunção sistólica do VE 9. As alterações da função diastólica do VE, após a TRC, ainda não foram amplamente caracterizadas. Este estudo teve como objetivo avaliar se a TRC com sucesso, em pacientes selecionados para implante por critérios clássicos, associados a critérios ecocardiográficos para avaliação de dessincronia, tem efeito no remodelamento reverso do átrio esquerdo (AE) e na melhora da disfunção diastólica do VE. Métodos Foram avaliados 22 pacientes submetidos à TRC, entre setembro de 2004 e junho de Todos os pacientes apresentavam IC CFIII/IV (NYHA) com tratamento clínico otimizado, QRS>120ms (151±20ms) e dessincronia ventricular ao ecocardiograma. Nessa análise, foram excluídos pacientes com fibrilação atrial e/ou insuficiência valvar mitral significativa. A etiologia da ICC foi isquêmica em 10 pacientes, hipertensiva em 3, chagásica em 6, alcóolica em 1 e idiopática em 2. Foram coletados dados clínicos e ecocardiográficos diâmetros e volumes do VE, FEVE, índice do volume AE (Índ VAE) e Doppler tecidual do anel mitral septal (e e E/e )], antes e até 90 dias após o procedimento de implante do ressincronizador. O volume do AE foi medido por meio da fórmula 8/3 π [(A1 x A2) / L], conforme orientações da Sociedade Americana de Ecocardiografia 10. A dessincronia interventricular foi avaliada pela ecocardiografia por meio do atraso ao Doppler pulsado entre fluxo pulmonar e o fluxo aórtico (Tempo de pré-ejeção VE-VD Tpre). A dessincronia intraventricular foi avaliada

3 Santos SN, et al. A ressincronização cardíaca com sucesso leva ao remodelamento reverso do átrio esquerdo e melhora a função diastólica do ventrículo esquerdo* pela ecocardiografia por meio do modo-m [atraso entre pico de contração septal e parede posterior (PP)], Figura 1, e pelo Doppler tecidual das regiões basais do septo e parede lateral [atraso no tempo de pico de velocidade tecidual (SB-LB)], Figura 2. Os dados clínicos e ecocardiográficos foram comparados, antes e 90 dias após a TRC. O ecocardiograma foi realizado com aparelho Sequoia TM (Siemens Medical Solutions USA Inc., Ultrasound Division, Mountain View, CA), e aparelho HDI 7 (Philips ATL, Bothell, WA). Figura 1: Avaliação da dissincronia intraventricular pela ecocardiografia modo- M [atraso entre pico de contração septal e parede posterior (PP)] em ms Análises estatísticas Variáveis contínuas são expressas como média ± desvio padrão. A análise estatística foi realizada com SPSS 12. Comparações de variáveis categóricas, antes e após a terapia de ressincronização, foram feitas pelo teste chi 2. Medidas contínuas foram avaliadas pelo teste de Wilcoxon ou t-test, quando apropriado. Resultados Figura 2: Avaliação da dissincronia intraventricular pelo Doppler tecidual das regiões basais do septo e parede lateral [atraso no tempo de pico de velocidade tecidual (SB-LB)] em ms Do total de 22 pacientes, 12 eram do sexo masculino (52%), com média de idade de 62±14 anos. Em todos os pacientes, os eletrodos do VE foram implantados por via transvenosa, pelo seio coronário, com sucesso. Não foram observadas complicações durante o procedimento. O tempo de internação hospitalar foi de 4±3 dias. Na avaliação da dessincronia interventricular antes do procedimento, o tempo de pré-ejeção VE-VD médio foi de 59±27ms. Na avaliação da dessincronia interventricular antes da terapia da TRC, o atraso entre o pico de contração septal e a parede posterior médio foi de 172±47ms, e o atraso no tempo de pico de velocidade tecidual (SB-LB) médio foi de 200±131ms. Todos os pacientes permaneceram em tratamento clínico otimizado no seguimento de 90 dias, sem novas internações por descompensação da insuficiência cardíaca. No seguimento de 90 dias, houve melhora significativa da classe funcional (3,5±0,5 x 1,5±0,5 p< 0,001) em todos os pacientes. As medidas ecocardiográficas, no seguimento de 90 dias, mostraram melhora da FEVE e melhora da sincronia inter e intraventricular em todos os pacientes (Tabela 1). Houve redução significativa do índ VAE (34,3±17 x 21,8±11ml/m2 p< 0,01) e da relação E/e (16,4±7,7 x 7±1 p< 0,001), no seguimento de 90 dias (Tabela 1). 93

4 Tabela 1: Comparação dos dados ecocardiográficos pré e 90 dias após a terapia de ressincronização cardíaca Discussão Os principais achados deste estudo foram a melhora da função diastólica do ventrículo esquerdo, expressa pela redução da relação E/e, e o remodelamento reverso do átrio esquerdo, em pacientes submetidos à TRC por critérios clássicos, associados a critérios ecocardiográficos para avaliação de dessincronia. Todos os pacientes incluídos neste estudo foram submetidos à TRC por apresentarem critérios clássicos de indicação, associados à presença de dessincronia ao ecocardiograma. A ecocardiografia é o procedimento diagnóstico mais realizado na cardiologia e foi utilizado em quase todos os estudos clínicos iniciais, avaliando os efeitos de TRC. Sabe-se que parâmetros ecocardiográficos convencionais, como diâmetros e volumes ventriculares ou FEVE, não são preditores de resposta à TRC; porém a presença de dessincronia inter ou intraventricular pode melhor identificar pacientes respondedores a TRC O racional para a inclusão de parâmetros de dessincronia ao ecocardiograma foi embasado na tentativa de selecionar pacientes com melhor expectativa de boa resposta clínica no seguimento de 12 meses. Todos os pacientes obtiveram relevantes resultados clínicos e ecocardiográficos com o tratamento, sem necessidades de novas internações por IC. Estudos prévios, utilizando índices de fluxo transmitral ao Doppler pulsado para avaliação da função diastólica, demonstraram que a TRC aumenta o tempo de enchimento diastólico, porém seus efeitos nas velocidades de enchimento do VE (ondas E e razão E/A) e tempo de desaceleração (TD) não são consistentes 12,16. Esses achados inconsistentes podem estar relacionados a influências de alterações de pré e pós-carga e desempenho sistólico nos índices derivados do Doppler pulsado do 94 fluxo mitral O Doppler tissular (TDI) do anel mitral e velocidade de propagação de fluxo ao modo M colorido parecem ser medidas, relativamente independentes da pré-carga. As razões obtidas com o fluxo mitral ao Doppler pulsado e o TDI refletem as pressões de enchimento ventricular esquerdo, quando comparadas com as medidas invasivas simultâneas em estudos de caracterização cardíaca em vários cenários A redução significativa na relação E/e observada neste estudo, em pacientes com boa resposta à TRC, ocorre por redução das pressões de enchimento ventricular secundária à melhora do padrão de contração e função sistólica ventricular, ao remodelamento reverso do VE e ao melhor acoplamento sistodiastólico do ciclo cardíaco. Waggoner et al. 24 encontraram resultados semelhantes em 50 pacientes com IC submetidos à TRC. Esses achados são relevantes diante do cenário no qual a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo está associada a um pior prognóstico em pacientes com insuficiência cardíaca 25. Em relação ao remodelamento reverso do AE observado na população estudada, submetida à TRC com sucesso, podemos inferir que tenha relação com a melhora das pressões de enchimento ventricular esquerdo e redução das pressões de átrio esquerdo, que acompanham a disfunção diastólica avançada e crônica, principalmente associadas à disfunção sistólica importante. Idealmente poderíamos esperar que a TRC reduzisse a pressão atrial esquerda e o estresse parietal, limitando a liberação neuro-hormonal com diminuição da síntese e deposição e colágeno no compartimento intersticial 26. Achados semelhantes foram observados em pacientes com IC avançada, tratados com TRC, com remodelamento reverso e melhora na função atrial 27,28. Porém, os mecanismos exatos envolvidos no remodelamento reverso atrial esquerdo ainda não são completamente esclarecidos.

5 Santos SN,et al. A ressincronização cardíaca com sucesso leva ao remodelamento reverso do átrio esquerdo e melhora a função diastólica do ventrículo esquerdo* Conclusão Neste estudo, a terapia de ressincronização cardíaca esteve associada ao remodelamento reverso do átrio esquerdo e uma melhora da função diastólica do ventrículo esquerdo, evidenciados pela redução do índice de volume do átrio esquerdo e dos índices de pressões de enchimento ventricular esquerdo. Referências 1. Hayes DL, Wang PJ, Sackner-Bernstein J, Asirvatham SJ. Resynchronization and defibrillation for heart failure: a practical approach. Oxford: Blackwell Publishing; Cazeau S, Leclercq C, Lavergne T, Walker S, Varma C, Linde C, et al.effects of multisite biventricular pacing in patients with heart failure and intraventricular conduction delay. N Engl J Med. 2001;344(12): Abraham WT, Fisher WG, Smith AL, Delurgio DB, Leon AR, Loh E, et al. Cardiac resynchronization in chronic heart failure. 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