Capitalismo, trabalho, currículo e as suas interfaces com a profissionalização docente
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- Raíssa de Mendonça Antas
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1 Capitalismo, trabalho, currículo e as suas interfaces com a profissionalização docente Azevedo, Ivana Alves Monnerat de 89 Resumo: O texto visa explanar sobre as proposições socioeconômicas e as influências dessas, no que tange a formação dos profissionais de forma geral e, em específico, a profissionalização, por meio da identificação de elementos teóricos que conduzam à captação dos conceitos, das características e dos condicionantes que permeiam esse processo formativo, primando pela intensificação das relações entre capitalismo, trabalho, educação e currículo. Introdução A sociedade atual contempla várias e intensas transformações sociais, políticas, econômicas, científico-culturais e educacionais, que implicam na formação de profissionais capazes de atuar e, ao mesmo tempo, de buscar subsídios à compreensão de como essas transformações influenciam no seu trabalho e identificar como as demandas e as proposições oriundas do sistema econômico capitalista, na sua configuração neoliberal que, segundo Gastaldi (1995, p.30): O sistema capitalista na sua configuração neoliberal ou sistema econômico neoliberal tem como eixo articulados das reformas do estado, a defesa da propriedade privada; mercado soberano; liberdade limitada e privilégios pertencentes aos proprietários, em detrimento das propostas apresentadas pela sociedade civil, em geral. A meta prioritária desse sistema econômico é a transformação rápida e eficiente do trabalho, por meio de um currículo e de um processo de ensino-aprendizagem que primam pela qualidade vinculados à produtividade, mercantilização, competitividade e rentabilidade. Para tanto, os cursos oferecidos pelas universidades, em específico àqueles destinados à formação do professor 90 para atuar na educação básica são convergem suas ações pedagógicas e curriculares que contribuam para uma formação/atuação docente polivalente e generalista, decorrendo daí, as reformas educacionais que assinalam a inserção do indivíduo no mercado de trabalho. Capitalismo, Trabalho e Educação O capitalismo consiste em um sistema bruto e politicamente econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção, no lucro, nas decisões quanto ao investimento de capital realizados pela iniciativa privada, e com a produção, de distribuição de preços dos bens, serviços e exploração da mão-de-obra condicionados pelas forças da oferta e da procura. Freitas (2005, p.115) afirma que: O capitalismo consiste em uma forma de organização social que vive de crises. A crise é o momento em que o capitalismo, por consenso, pela força, prostega seus problemas, renova suas forças e ganha tempo Professora do Curso de Pedagogia da Unidade Universitária de Ciências Sócio-econômicas e Humanas (UnUCSEH) de Anápolis, da Universidade Estadual de goiás (UEG). Graduada em Pedagogia. Especialista em Planejamento e Administração Educacional. Mestranda da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Docência Universitária e Inovações Pedagógicas (GE/PRÓ/ DOCÊNCIA) da Universidade de Brasília (UNB). 90 Lê-se professor (es) e professora (s).
2 Assim, as diversas crises e transformações promovidas pelo sistema econômico capitalista conduzem às intensas alterações sociais e, por conseguinte, contribui para o destaque da divisão social e da contradição entre as classes sociais - burguesia e proletariado. No discurso capitalista, a educação deixa de ser caracterizada como parte do campo social e político e passa a ser identificada como instituição propulsora dos seus princípios doutrinários e promotora no preparo de profissionais qualificados, cujos eixos da organização do trabalho pedagógico se revertem na valorização de técnicas, no raciocínio de dimensão estratégica e na capacidade de trabalho de qualidade. Nesse contexto, o trabalho passa a consistir em uma atividade que altera o estado natural das pessoas, transformando-as para melhor satisfazer as necessidades do mercado, pois, de acordo com as perspectivas sociais atuais, o mundo do trabalho, em todos os setores, tem ocasionado impactos significativos nas relações sociais. No que diz respeito à formação de professores e às práticas pedagógicas desenvolvidas no interior das instituições formadoras emerge-se para uma necessidade premente de reconstrução ou reorganização dos currículos, das metodologias e dos processos avaliativos de caráter globalizado. O capitalismo, o trabalho e a educação se constituem, portanto, em paradigmas complexos que se modificam, continuamente, para se adequarem às demandas sócio-econômicas, em constantes e rápidas transformações. Currículo e Profissionalização Docente O entendimento relativo ao papel que o currículo tem na sociedade, sofreu grandes transformações ao longo do tempo, implicando e sendo implicado pelas modificações políticas, econômicas, sociais, culturais e científicas, pois, de simples prescrição instrumental, o currículo assume, gradativamente, um caráter decisivo na constituição da relação entre saber e poder, assim como, na produção da subjetividade individual e social. O potencial político-cultural do currículo está presente em todos os espaços em que a formação humana é questão central, sejam esses formais ou informais, de dominação ou contestação, de manifestações explícitas ou ocultas. Dessa forma, as interpretações e as caracterizações do currículo suscitam questionamentos e análises diversos, em torno do seu real significado e da sua acuidade na prática educativa, ao longo das diversas fases históricas da humanidade e que estão relacionadas às abordagens pedagógicas eleitas pelas instituições educativas que enfatizam a conjectura da organização sócio-econômica e político-cultural de uma determinada sociedade. Analisar as várias formas como o currículo se concretiza consiste em discutir sua perspectiva de mundo, de sociedade e de ser humano, que nela participa. Esse debate não pode ser reduzido somente à abordagem tradicional, pois, como afirma Sacristán (2000), é importante a realização de uma reflexão relacionada à observância em torno da identificação do sentido real das renovações de conteúdos integrados às mudanças de procedimentos e uma fixação desses à cultura existente. Na abordagem estruturalista o currículo é concebido como um modelo rígido que se traduzem na interdependência dos objetivos, conteúdos e métodos de ensino. Segundo Moreira (1999, p.24): [...] preocupação com o planejamento do ambiente educacional a ser vivido por professores e alunos confere aos estudos do campo de caráter dominantemente prescrito. O lócus central é como fazer como planejar, como programar e como avaliar os currículos. A abordagem pós-estruturalista visa o desenvolvimento de uma prática educativa baseada na expressão na função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele, uma série de subsistemas ou práticas diversas.
3 Silva (2003) enfatiza que o currículo representa um instrumento preponderante à identificação de diversos mecanismos de produção de culturas, de comportamentos e de valores que interpelam os indivíduos a quem se dirige e que está diretamente imbricada nas relações de poder, cuja ênfase recai na compreensão do currículo escolar como espaço conflitivo de interesses e culturas diversos. Recorrendo a Mizukami (1994) e Silva (2003) é possível destacar quatro visões e teorias de currículo presentes nessas abordagens: 1. A visão tradicional, dentro de uma perspectiva humanista, de uma cultura conservadora (estável e fixa) e do conhecimento como fato, como informação, visão conservadora de escola e de educação, onde o currículo é reduzido a um conjunto de disciplinas e de conteúdos a serem passados aos alunos e organizados rigidamente em uma grade curricular. Nessa perspectiva, uma concepção tradicional de currículo estaria basicamente preocupada com a questão de como planejar um currículo, em detrimento da identificação das necessidades e expectativas da comunidade escolar onde será desenvolvido. A organização do conhecimento por disciplinas compartimentadas e/ou fragmentadas, de caráter livresco e verbalista, de um ensino puramente transmissivo, centrado no professor e na matéria de ensino e a instituição é a principal responsável pelo ajustamento social dos alunos e, estes devem ser capazes de armazenar informações, com preocupação intensa com os produtos da aprendizagem (avaliação). 2. A visão tecnicista que em alguns aspectos é semelhante a tradicional, mas que destaca as dimensões instrumentais e econômicas da educação e busca a transmissão de conteúdos e desenvolvimento de habilidades a serviço da produção. Parte-se de uma organização curricular previamente prescrita por especialistas que, a partir de critérios técnicos e científicos, formulam objetivos e conteúdos, padrões de desempenho, habilidades considerados úteis e desejados pela sociedade e o currículo se firma na racionalidade técnica e instrumental, objetivando desenvolver habilidades e destrezas essenciais à formação técnica. A metodologia utilizada relaciona-se à introdução de técnicas mais refinadas de transmissão (computadores e mídias), cujas formas de desenvolvimento dos conteúdos de ensino não precisam ser discutidas, pelos agentes diretos envolvidos com o ensino e a aprendizagem (professores e instrutores), pois, a principal preocupação da instituição é a busca contínua de uma maior eficiência em função dos produtos da aprendizagem. 3. A visão crítica é baseada numa análise e interpretação da escola e da educação como instituições voltadas para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista, na qual o currículo reflete e reproduz essa estrutura, porém numa perspectiva reflexiva em torno do poder e da ideologia presentes nas relações político-sociais e culturais. O currículo privilegia os conceitos de ideologia, reprodução cultural e social, poder, classes sociais, capitalismo, relações sociais e libertação, currículo oculto e resistência o que revela que existe um deslocamento do eixo dos conceitos pedagógicos de ensino e aprendizagem, por meio de um para um currículo centrado no aluno e no provimento de experiências de aprendizagem como forma de integrar a escola com a sociedade. Concorre, portanto, para a concepção de ensino como compreensão da realidade para transformá-la, objetivando a construção de novas relações sociais, visando eliminar as mazelas sociais (desigualdades sociais e econômicas) existentes. A organização metodológica e o alcance eficiente do processo educativo caracterizado como um processo de socialização relacionado às experiências escolares e não-escolares que carregam consigo a afetividade, a agressividade e os valores que influenciam na formação global do sujeito e é visto como o eixo norteador da autonomia, da responsabilidade social e do interesse coletivo. 4, Na visão pós-estruturalista o currículo é identificado como um artefato sociocultural. A prática educativa é vista como uma agência social diretamente imbricada nas relações de poder, por meio dos saberes e dos discursos, da sua visão de mundo, do seu projeto social e da sua verdade sobre as coisas organização curricular estruturada, a partir de uma prática política de representação e discursividade.
4 O currículo incide na luta pela definição e representação de determinadas concepções que objetivam produzir sujeitos reflexivos e condutas específicas, por meio da compreensão de significações e representações - alteridade, diferença, subjetividade, imaginário, significação, discurso, representação, cultura, multiculturalismo, gênero, raça e etnia, privilegiando as dimensões subjetivas e singulares dos indivíduos sociais sobre os aspectos sociais e políticos. Nesse sentido, pode-se afirmar que a tipologia curricular adotada pelas instituições formadoras influenciam, marcadamente, o desenvolvimento da profissionalização docente que, diferentemente das outras profissões, requer a observância de uma formação, a partir de uma qualificação acadêmica (saberes profissionais) e de uma qualificação pedagógica, que repercutem em um conjunto de métodos e técnicas utilizados por este profissional no exercício de sua atividade pedagógica cotidiana. Assim, as diversas atividades profissionais foram vistas, por muito tempo e ainda permeiam alguns processos organizacionais atuais, como uma prática de proletarização baseada no controle e na burocratização do Estado junto às empresas, à educação, à escola e aos professores. Essas atividades provocam uma degradação no desenvolvimento do trabalho, de forma geral e, em específico, das ações didático-metodológicas do professor, pois imprime um efeito de desqualificação, como também, promove a realização de práticas mecanizadas, técnicas e rigidamente definidas, dificultando o avanço e o enriquecimento (pessoal e profissional) dos trabalhadores. Esse processo deve estar em consonância com as diretrizes que orientarão a organização do trabalho pedagógico das universidades, fazendo surgir saberes e práticas que contribuam para a melhoria e para o avanço do processo educativo como resposta às diferentes situações de trabalho. Nóvoa (1995) afirma que esta forma de visualizar ou caracterizar a formação de professores representa uma nova abordagem de ensino, mais autônoma e reflexiva, em oposição às propostas que acabavam por reduzir a profissão docente a um conjunto de competências e técnicas rigidamente determinadas, fazendo com que a instituição formadora funcionasse como um sistema fechado face ao meio circundante. As características concernentes à profissionalização docente implicam na busca, pelo profissional a ser formado e pelas instituições formadoras, de subsídios pedagógico-curriculares que contemplem uma formação mais integrada, numa perspectiva de trabalho interativo e em conformidade com novos contextos sociais e educacionais, os quais suscitam modificações nas competências profissionais e no saber dos professores, cujo conjunto de saberes do professor, de acordo com Tardif (2002, p ): [...] deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula. [...] embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma, o sabre está a serviço do trabalho. Dessa forma, o saber do professor está vinculado às funções que este desempenha no interior da escola de educação básica cabendo-lhe identificar o seu saber profissional a luz de um conjunto de saberes e práticas que permeiam sua atuação, na busca de sua autonomia pedagógica, visando o enriquecimento e a ampliação dos processos de construção e desenvolvimento das práticas educativas. Segundo Villas Boas (2002, p.2), A profissionalização docente implica a existência de autonomia pedagógica [...]. Nesse sentido, a autonomia profissional do professor é alcançada por meio de uma qualificação profissional que possibilite o exercício contínuo da reflexão, investigação, bem como a apresentação de novas e variadas formas de organizar e desenvolver o trabalho pedagógico cotidiano. Assim, o processo de profissionalização deve ser efetivado com a participação do professor nos processos de formação inicial e continuada, nos quais este aprende, apreende e desenvolve as competências, as habilidades e as atitudes profissionais compatíveis com as proposições legais e com as suas necessidades, contribuindo para uma atuação atuação profissional dialógica e democrática.
5 Esses aspectos são primordiais para a construção da identidade profissional do professor, que segundo Veiga (2006, p.472): [...] é uma das condições para sua profissionalização e envolve o delineamento da cultura do grupo de pertença profissional, sendo integrada no contexto sociopolítico. A identidade docente construída à luz do processo de profissionalização possibilita, portanto, o desenvolvimento pessoal e profissional, como também, propicia uma relação mais intensa com os seus pares, com vistas à ampliação de seus saberes práticos profissionais. Diante do exposto, é possível afirmar que a questão da profissionalização é caracterizada como uma atividade desenvolvida no mundo do trabalho, por meio da abrangência de um domínio de conhecimentos e competências específicos, contemplando a implantação de um currículo integrado, de um processo contínuo de novos saberes e práticas que devem ser vivenciadas e refletidas, para um melhor e mais prazeroso desempenho profissional Aproximações Conclusivas Levando em conta os elementos apontados anteriormente, chegamos às aproximações acerca da profissionalização docente baseada nos princípios oriundos do sistema econômico capitalista, na sua configuração neoliberal. A racionalidade subjacente às políticas educacionais difundidas pelo capitalismo é decorrente da globalização, da concorrência intercapitalista e da racionalidade empresarial. Os valores que ela apregoa estão relacionados à eficiência como caminho para a competitividade, a produtividade e o lucro como recompensas e fins a serem auferidos e dessa forma, inferem na escolha da tipologia de currículo e que, consequentemente, exercem grande influência no processo de formação e de atuação profissional. A educação não deve ficar alheia às ações empreendidas no contexto sócio-político, mas, também não pode ser determinada por ele, pois deve, antes de tudo, interagir com a realidade para transformá-la. Nessa perspectiva, o saber e o saber-fazer do professor passa a representar novas formas de contextos de trabalho reconhecidos como uma prática de suma importância à evolução social, por meio de uma prática contínua de reflexão (individual ou coletiva) sobre prática educativa, que deve ser constantemente problematizada e mudada ou enriquecida, conforme as necessidades do professor e da qual faz parte. Tais ações, certamente emergem para o destaque da profissionalização docente como um processo que constitui a subvenção da reestruturação e da melhoria da organização e desenvolvimento do trabalho pedagógico contemporâneo. Referências Bibliográficas FREITAS, Luiz Carlos de. Capitalismo. In: Crítica da Organização do Trabalho Pedagógico e da Didática. 7. ed. São Paulo: Papirus, 2005, p G.ASTALDI, J. Petrelli. Sistema Econômico Neoliberal. In: Elementos de Economia Política. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.30. MOREIRA, Antonio Flávio B. Planejamento do Currículo. In: Reflexões sobre o Currículo Revista Nova Escola. nº. 9, maio/99, p. 24. MIZUKAMI, Maria da Graça. As Tendências Pedagógicas. In: Ensino: As Abordagens do Processo. São Paulo: EPU, 1994, p
6 NÓVOA, Antonio. Formação do Professor. In: NÒVOA, Antonio (Org.). Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1991, p.15. TARDIF, Maurice. Saber do Professor. In: Saberes Docentes e Formação Profissional. 3. ed. São Paulo: Vozes, 2002, p SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo. In: O currículo - uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000, p.46. SANTOMÉ, Jurjo T. O Currículo Oculto. In: O Curriculum Oculto. Porto: Porto Editora, SILVA, SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo. In: Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Docência, Formação, Identidade Profissional e Inovações Didáticas. In: XIII Encontro nacional de Didática e Prática de Ensino ENDIPE. Recife, abril/2006, p VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Trabalho Docente: Proletarização ou Profissionalização. In: Módulo I do Curso de pedagogia para professores em exercício no início de escolarização PIE - FE/UNB, 2002, p.2.
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