REPRESENTAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CINEMA. Palavras-chave: Formação Profissional, Atividades Culturais, Políticas Públicas.
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- Jerónimo Peixoto Soares
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1 Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2013, v. 17, n. 17, p REPRESENTAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM CINEMA SENA, Marcello Santos (Orientador) 1 LACERDA, Lucélia Tavares de 2 Palavras-chave: Formação Profissional, Atividades Culturais, Políticas Públicas. Introdução O objetivo desta pesquisa é conhecer as percepções de jovens estudantes de cinema a respeito da formação profissional e do ingresso no mercado de trabalho. Será dada ênfase à identificação dos sentimentos que se expressam durante o período de aprendizagem e às circunstâncias nas quais se dá a assimilação dos mesmos. Para auxiliar a reflexão, produzimos uma contextualização que incluiu as transformações recentes ocorridas na indústria cinematográfica no mundo e no Brasil e suas repercussões na formação profissional para esta atividade. Buscamos ponderar sobre as políticas públicas voltadas para a cultura e para a formação profissional nesta área a fim de identificar ligações factuais entre elas e as oportunidades de educação e emprego nesta atividade. A pesquisa de campo ocorreu entre alunos considerados de baixa renda, estudantes de um curso de cinema oferecido por uma ONG a qual denominamos de CN. A análise dos resultados e a discussão dos mesmos foram realizadas com base nos pressupostos teóricos de G. Simmel, M. Foucault e N. Elias. Procedimentos Metodológicos A pesquisa proposta deu-se em nível exploratório e de tipo qualitativo, pois pretendeu proporcionar uma aproximação e familiarização com o tema a fim de levantar questões a serem aprofundadas em novas investigações. O delineamento metodológico empregado conjugou a pesquisa bibliográfica e o trabalho de campo etnográfico realizado através de visitas esporádicas à escola de cinema para acompanhar a realização das atividades de ensino e aprendizagem, mas 1 Doutorando (Uerj/Unicamp), professor da Escola de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Castelo Branco/RJ. Orientador do Programa de Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2012/ sena@castelobranco.br 2 Graduanda do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Bolsista Integral Prouni. Aluna Voluntária do Programa de Pesquisa Institucional de Iniciação Científica & Tecnológica 2012/ lucelia.lacerda@hotmail.com
2 principalmente para coleta informações através de entrevistas semidiretivas realizadas com os alunos. Beaud & Weber (2003, p. 8) assinalam que o trabalho de campo é, sobretudo, um trabalho e não uma passagem, uma visita ou uma presença. Afirmam ainda que este trabalho consiste em reaproximar o longínquo, em tornar familiar o estranho (BEAUD & WEBER, 2003, p. 9), ou seja, por mais próximo que se esteja do objeto, como é o caso da antropologia realizada em sociedades industrializadas ou consideradas complexas, o antropólogo deve se distanciar para melhor ver. As entrevistas semidiretivas permitem ao entrevistador exercer certo controle sobre a entrevista mediante a apresentação de um tema que deve ser focado, mas deve-se deixar que o entrevistado responda livre e espontaneamente (TRIVINOS, 1987). Análise de dados Verificamos que se reproduz no Brasil uma tendência à desverticalização e flexibilização da produção cinematográfica a qual estabelece uma individualização que se evidencia pela existência de redes de subcontratação. Existe ainda forte presença das majores que, associadas aos conglomerados de mídia, dominam a produção e distribuição dos filmes. As políticas econômicas, culturais e educacionais que amparam a produção cinematográfica, aparentemente, não estimulam uma produção industrial de massa. Foi diante desta conjuntura que coletamos as impressões junto aos estudantes do CN. Ficou evidente que entendem que a produção de um filme é cara e apresenta fortes incertezas e instabilidades, conferindo-lhes uma percepção clara do risco. Tal percepção gera entre os estudantes uma ansiedade pelo planejamento do processo para que seja possível exercer o controle sobre o processo de trabalho. Este controle exige certa disciplina que se torna uma necessidade difusa entre os estudantes. O controle e a disciplina valorizados no comportamento dos alunos e revelados pela investigação são reforçados pela percepção de que as funções numa produção devem ser rigidamente respeitadas. Embora nos exercícios de aprendizagem a prática revele certa polivalência, o mesmo podendo acontecer em pequenas produções independentes, e apesar do aprendizado abrangente de diversas profissões durante a formação, o aluno tende a desenvolver o hábito de não executar duas funções simultaneamente. Quando são chamados a refletir sobre a importância do planejamento, fica claro que o controle das ações é indispensável para a realização das atividades de produção que gere um 206
3 ambiente cooperativo. A participação é mais do que desejável sendo considerada parte integrante do processo. Isto significa que o planejamento não termina no roteiro e na produção executiva. Aprende-se que a própria prática do que foi planejado exige um novo planejamento que integre, no momento da execução, as funções e os responsáveis por ela. No entanto, este novo planejamento evidencia as vozes de comando quanto aos objetivos a serem atingidos, o que traz novamente à cena o tema do controle e da disciplina. A ausência desta percepção limita o controle que deve ser exercido a fim de lidar com o risco e, em razão disso, no que tange ao comportamento desejado para exercer a profissão, a organização, a responsabilidade e a pontualidade são competências extremamente valorizadas. Uma pesquisa realizada pelo orientador deste projeto, com o objetivo de elaborar tese de doutorado sobre a conduta dos dirigentes da produção de um filme, revelou que este medo encontra-se de igual modo disseminado no processo de produção de um filme desde a fase de pré-produção. Este rigor reflete as exigências feitas pela Ancine para aprovar um projeto de captação de recurso para a produção de um filme, que tendem a ser consideradas excessivas porque coloca num mesmo patamar iniciantes e pessoas experientes e comprometidas com as exigências inerentes de se fazer um filme dado os riscos existentes aí. Os resultados apresentados acima nos dão uma visão geral de que, mais do que o aprendizado técnico e teórico, o aluno desenvolve percepções e atitudes que deverão ser integradas à realização das atividades profissionais. Estas percepções e atitudes manifestam uma preocupação com os riscos que envolvem uma produção extremamente cara, os quais devem ser enfrentados com base na disciplina e no controle. A fim de se obter disciplina e controle, a investigação nos permitiu identificar que, além das ferramentas de gestão próprias desta atividade, recorre-se à expressão de sentimentos como fidelidade e confiança. Abaixo apresentamos uma discussão mais refinada destas percepções e atitudes visando a demonstrar ligações entre a expressão dos sentimentos revelados acima e as formas de controle e disciplina existentes aí. Discussão dos resultados Ao se falar do tema do risco, é necessário levar em consideração o fato de que este não traz sempre apenas danos. Não é raro pessoas verem-se diante do dilema de assumir um risco quando existe a possibilidade de se obter benefícios em contrapartida aos perigos implícitos que ele encerra. 207
4 Douglas e Wildavsky (1983) consideram que os grupos sociais têm, dadas suas condições atuais de existência, percepções próprias sobre o risco e, assim, definem formas próprias de compreendê-lo e avaliá-lo. Portanto, não é adequado falar em risco de modo heurístico, pois é necessário contextualizá-lo de acordo com a especificidade de fatores políticos, econômicos, culturais e históricos. Cada grupo irá categorizar e conferir um determinado estatuto de perigo ao risco que enfrenta definindo o patamar de tolerância e aceitabilidade para o mesmo, assim como a conduta que se deve assumir diante dele. Diante destas condições de aceitabilidade do risco é que o medo pode ser melhor qualificado, já que nem sempre o risco implica em níveis elevados de medo. Uma vez que o medo está mais associado à incerteza e à insegurança, a certeza do risco pode proporcionar a preparação para enfrentá-lo. Este enfrentamento se dá não apenas pela mobilização de princípios racionais e universais de gestão, mas também pela evolução de sentimentos que auxiliam na disciplina e no controle. Gratidão e fidelidade, por exemplo, são centrais para a manutenção das formas de interação e de desenvolvimento da personalidade e das formas de solidariedade. (SIMMEL, 1964). Estes sentimentos engendram relações de poder. Somos gratos a alguém que teve o poder de fazer algo que não pudemos e, por esta razão, mantemo-nos fiéis. Note-se que não negligenciamos o fato de existirem poderes institucionalizados como aquele gerido pelo Estado através da Ancine, porém este exercício de poder exige formas mais sutis de controle. Foucault discorre a respeito das formas sutis de controle evidenciando relações de poder que se revelam na vigilância, na disciplina e no discurso que torna os corpos dóceis. O termo "disciplina" deve pontuar, portanto, controle, sustentação e direcionamento. O poder é algo que circula incessantemente sem se deter exclusivamente nas mãos de ninguém: potencialmente, todos são, ao mesmo tempo, detentores e destinatários do poder. Como diz Foucault, o poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles (...) o poder transita pelo indivíduo que ele constituiu (FOUCAULT, 1999, p. 35). Quando os alunos do CN referem-se ao tema da confiança e, consequentemente, da fidelidade, fica expresso o fato de que quem cumpre com as tarefas designadas demonstra disciplina e submissão ao controle de outrem que deseja atingir certo objetivo. Porém, parece difusa entre os estudantes a ideia de que não é apenas um que vigia o outro, cada um se autocontrola. 208
5 A este respeito buscamos apoio em N. Elias. Para o sociólogo e historiador alemão, o poder é um atributo de uma configuração social, onde ocorre um equilíbrio instável de poder, com as tensões que lhe são inerentes (ELIAS, 2000, p. 23). Esta percepção das relações de poder vai além das análises tradicionais que localizam o poder em formas institucionais como a dominação de classe ou política. Grupos e indivíduos podem exercer o poder uns sobre os outros em diferentes situações através de sentimentos como amor, medo, confiança e fidelidade. É possível ainda, como foi demonstrado no livro O processo civilizador, que através da educação o controle externo das regras sociais entre em equilíbrio com o controle interno amenizando a ação dos impulsos e paixões próprios dos interesses individuais. Com isso, parece-nos razoável supor que a complexificação e a diferenciação funcional na indústria cinematográfica, assim como na maior parte das indústrias modernas, levaram a uma individualização entre os trabalhadores gerando fortes competições e conflitos que tendem a ser negociados mediante a difusão de ideias e da expressão de certos sentimentos que pacifiquem ou amenizem as ações gerando controle e disciplina, as quais são desenvolvidas desde o processo de formação profissional. Considerações Finais Consideramos que o objetivo proposto foi atingido. A pesquisa nos mostrou, através dos depoimentos dos alunos, que as atitudes e sentimentos que se desenvolvem durante o aprendizado profissional em cinema correspondem em grande medida à prática profissional. Foi possível verificar que sentimentos como medo, confiança e fidelidade, sobretudo, marcam as percepções e o entendimento que os estudantes têm do processo de trabalho na atividade audiovisual de cinema. Estes sentimentos que tingem o processo de aprendizagem e ligam educação, cultura e trabalho constituem-se em substratos de relações de poder que se afiguram como indispensáveis para a realização do filme. Não se está afirmando aqui que um indivíduo não qualificado pode se tornar imediatamente um trabalhador na indústria cinematográfica devido aos laços de parentesco e amizade ou por manifestar os sentimentos de lealdade e gratidão. Mas a entrada, a permanência e a decisão por aperfeiçoar as qualificações podem ser condicionadas por estas concepções e práticas do processo de trabalho. A compreensão da realidade da formação profissional em cultura, particularmente entre o 209
6 segmento social de menor renda, abre perspectivas para a atuação do assistente social neste âmbito no sentido de viabilizar, garantir e ampliar políticas públicas que articulem educação, cultura e trabalho. Referências Bibliográficas BEAUD, Sthéfane; WEBER, Florence. Guia para Pesquisa de Campo. Petrópolis: Vozes, DOUGLAS, Mary & WILDAVSKY, Aaron. Risk and culture. Los Angeles: University of California Press, ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994, v I e II. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, SIMMEL, Georg. Faithfullness and gratitude. In: Kurt Wolff (Org.) The Sociology of Georg Simmel. New York & London: Free press,
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