O Direito Empresarial no Mercosul Paulo Roberto Colombo Arnoldi
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- Airton Silva Arantes
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1 O Direito Empresarial no Mercosul Paulo Roberto Colombo Arnoldi Sumário: 1. Mercosul; 2. Personalidade Jurídica e Fontes; 3. O Tratado de Assunção; 4. Estrutura; 5. Direito Comunitário, o Direito Empresarial e a Harmonização das Normas; 6. Evolução e Estágio Atual; 7. Controvérsias e Conflitos; 8. Futuro Próximo; 9. Harmonização das Legislações, Cooperação e Assistência Jurisdicional; 10. Conclusão. 1. MERCOSUL Atualmente assistimos a um crescente processo de integração entre Estados de regiões similares com o objetivo de constituir espaços econômicos transnacionais uniformes, como é o caso da União Européia, do NAFTA e, para nós, do Mercosul. A integração tem sido definida como: um conjunto de medidas destinadas a suprimir as discriminações entre unidades econômicas pertencentes a distintos países (Eguivar, Luis A., Rua Boiero, Rodolfo R., Mercosul, Buenos Aires, 1991, p. 43). A Constituição Federal de 1988, em seu art. 4º, parágrafo único, estabelece a possibilidade de o Brasil buscar a integração econômica, política, social e cultural com outros países da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. Cabe esclarecer que a integração supõe uma delicada tensão entre as soberanias estatais, com a delegação de funções do poder político para órgãos supranacionais. Com o processo de integração em blocos econômicos cria-se um novo direito, denominado Direito Comunitário, que se coloca acima do direito vigente nos Estados. Quando houver colidência da norma nacional com a comunitária, esta se sobrepõe, relativizando-se a soberania dos Estados frente às normas comunitárias. Antes de analisarmos o processo de integração que redundou na criação do Mercosul em 1991, devemos mencionar que o Brasil, bem como os outros países integrantes da América do Sul tentaram processos semelhantes, sendo o mais importante a ALALC Associação Latino-americana de Livre Comércio, criada pelo Tratado de Montevidéu em 1960, que tinha por objetivo a criação de um mercado comum, que não foi alcançado. Da mesma forma, tivemos a criação da ALADI Associação Latino-americana de Integração, criada pelo Tratado de Montevidéu de * Mestre, Doutor em Direito Comercial pela PUC/SP. Livre-docente pela Unesp. Professor de Direito Comercial. Membro do Instituto de Direito Comercial da UNA Buenos Aires. Presidente de honra do Instituto Paulista de Direito Comercial e da Integração.
2 O Mercosul (Mercado Comum do Sul) é um processo de integração criado com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Historicamente, apesar do pouco tempo, o Mercosul é o resultado de um lento processo de amadurecimento que, ao longo do tempo, levou seus países membros a substituirem o conceito de conflito pelo ideal de integração. A primeira coisa a se frisar é que o Mercosul é um processo que evolui em etapas, conforme as necessidades que vão surgindo e a situação específica de seus países membros. 2. PERSONALIDADE JURÍDICA E FONTES O Mercosul dispõe de personalidade jurídica de direito internacional desde a assinatura do Protocolo de Ouro Preto. A titularidade da personalidade jurídica do Mercosul é exercida pelo Conselho do Mercado Comum. As principais fontes jurídicas do Mercosul são o Tratado de Assunção, seus protocolos e instrumentos adicionais ou complementares; as decisões do Conselho do Mercado Comum, as resoluções do Grupo Mercado Comum e as diretrizes da Comissão de Comércio. 3. O TRATADO DE ASSUNÇÃO Assinado em março de 1991, o Tratado de Assunção estabelece os primeiros compromissos de natureza comercial entre os países membros. Nele são definidos os pilares básicos do projeto de criação de um Mercado Comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai O Tratado de Assunção objetiva principalmente a integração dos quatro países, por meio da livre circulação de bens e serviços, o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum, para tornar possível o processo de integração. É bom lembrar que todas as normas elaboradas pelos órgãos do Mercosul não possuem validade nem aplicação automática nos países membros, carecendo, para tanto, de sua incorporação nos ordenamentos jurídicos nacionais. 4. ESTRUTURA O Mercosul teve sua estrutura institucional definida pelo Protocolo de Ouro Preto. Seus principais órgãos, segundo tal protocolo, são: - Conselho do Mercado Comum (CMC): é o órgão máximo, ao qual cabe a condução política do processo de integração; - Grupo Mercado Comum (GMC): é o órgão executivo do Mercosul;
3 - Comissão de Comércio do Mercosul (CCM): é o órgão encarregado de assistir o Grupo Mercado Comum na aplicação dos instrumentos de política comercial comum; - Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul: é o órgão representativo dos parlamentos dos países do Mercosul; - Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul: é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais; - Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM): é o órgão de apoio operativo, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do Mercosul. 5. O DIREITO COMUNITÁRIO, O DIREITO EMPRESARIAL E A HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS Desde o início do Mercosul até os dias de hoje, discute-se a problemática da harmonização das legislações dos países membros. Segundo o Prof. Fábio Ulhoa Coelho, existem três formas de harmonização ligadas ao Direito Empresarial: A primeira forma de harmonização do Direito é a adoção, por um país, do Direito vigente em outro do mesmo bloco regional econômico. A segunda forma de harmonização se concretiza pela mudança do Direito vigente nos países participantes, para a adoção de normas inspiradas no Direito em vigor de um país não participante. A terceira e última forma independe de mudança no Direito Positivo. Opera-se através da doutrina e jurisprudência, com o aproveitamento, na interpretação das leis de um dos países participantes do bloco, da experiência jurídica de outro país do bloco. Com o passar do tempo vimos que, na verdade, esta harmonização vem assentando-se naturalmente, sem problemas, evoluindo juntamente com as etapas do processo de formação do Mercosul, conforme tratamos abaixo, no item EVOLUÇÃO E ESTÁGIO ATUAL Atualmente, o Mercosul é uma União Aduaneira, com o objetivo de evoluir à condição de Mercado Comum. Para tanto, foi percorrido um longo caminho, em sintonia com a teoria do comércio internacional, passando-se pelas quatro situações clássicas de integração econômica: Zona de Preferências Tarifárias, Zona de Livre Comércio, União Aduaneira e Mercado Comum. Observa-se ainda uma quinta etapa, recente que é constituída pela União Econômica e Monetária. A Zona de Preferências Tarifárias é a adoção recíproca, entre dois ou mais países, de níveis tarifários preferenciais, ou seja, as tarifas incidentes sobre o comércio entre os países membros do grupo são inferiores às tarifas cobradas de países não-membros.
4 A segunda etapa de integração é a Zona de Livre Comércio, que consiste na eliminação de todas as barreiras tarifárias e não-tarifárias que incidem sobre o comércio dos países do grupo. A União Aduaneira corresponde a uma etapa de integração na qual os países membros de uma Zona de Livre Comércio adotam uma mesma tarifa às importações provenientes de mercados externos. A essa tarifa dá-se o nome de Tarifa Externa Comum (TEC). A aplicação da TEC redunda na criação de um território aduaneiro comum entre os sócios de uma União Aduaneira, situação que torna necessário o estabelecimento de disciplinas comuns em matéria alfandegária. A quarta etapa, o chamado Mercado Comum, tem a União Européia como principal modelo. Prevê não só a livre circulação de mercadorias, como na União Aduaneira, mas também a livre circulação dos demais fatores produtivos, que nada mais são que capital e trabalho, ou seja, a livre circulação de pessoas e de capitais. Finalmente, a União Econômica e Monetária constitui a etapa mais avançada e complexa de um processo de integração. Ela está associada a uma moeda única e a uma política comum em matéria monetária, conduzida por um Banco Central comum. Diferentemente do Mercado Comum, aqui se frisa a existência de uma política macroeconômica, de uma política comum. Conclui-se, portanto, que a criação de um Direito Comunitário está operando-se gradativamente, o que deverá culminar numa Carta de Direitos Sociais Fundamentais ou em outro diploma legal que venha ratificar as pretensões conjuntas. 7. CONTROVÉRSIAS E CONFLITOS O sistema de solução de controvérsias do Mercosul baseia-se no Protocolo de Brasília de 1991 (decisão 1/91), em vigor a partir de 24 de abril de 1993, e no Anexo ao Protocolo de Ouro Preto de O Protocolo de Brasília criou três fases de solução de conflitos: a negociação, a conciliação e a arbitragem. No caso do surgimento de conflitos entre os países do Mercosul, segundo o Protocolo de Ouro Preto, tais controvérsias serão submetidas aos procedimentos de solução estabelecidos. Porém, se surgirem conflitos entre um país qualquer e outro país membro do Mercosul, estes deverão ser resolvidos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). 8. FUTURO PRÓXIMO A previsão governamental é a de que Em primeiro de janeiro de 2006 todos os bens produzidos no Mercosul circularão livremente no espaço econômico
5 integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Mercosul será um enorme mercado de mais de 250 milhões de habitantes. Uma mesma e única Tarifa Externa Comum (TEC) vigorará para o comércio de produtos entre o Mercosul e o resto do mundo. O Mercosul será um território aduaneiro único, não haverá barreiras alfandegárias para o fluxo comercial interno e os controles que ainda persistirem serão feitos de forma conjunta por autoridades de países vizinhos. O conceito de fronteira praticamente deixará de existir do ponto de vista econômico. As exceções estabelecidas à TEC não mais existirão. Regulamentos e normas técnicas estarão harmonizados, os produtos respeitarão os mesmos critérios e especificações na hora de sua produção e serão vendidos a consumidores que terão garantidos direitos equivalentes, independentemente de seu país de origem. A liberalização do comércio de serviços estará avançada e seus efeitos já se farão sentir nos quatro países: profissionais de várias áreas começarão a ver expandir os horizontes de seu mercado de trabalho. Os Ministérios de Economia e os Bancos Centrais dos quatro países, tendo atingido suas primeiras metas fiscais comuns, avançarão no processo de coordenação macroeconômica. O Mercosul estará inserido, por outro lado, em uma rede de acordos de liberalização comercial que abarcarão todo o continente, e se espalharão por outros horizontes. 9. HARMONIZAÇÃO DAS LEGISLAÇÕES, COOPERAÇÃO E ASSISTÊNCIA JURISDICIONAL O Tratado de Assunção firmou o compromisso de harmonizar as legislações dos Estados membros para fortalecer o processo de integração (art. 1º). O Conselho do Mercado Comum acordou o Protocolo de cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa (decisão 5/92), sujeita a aprovação legislativa dos Estados partes. Com relação à harmonização legislativa, Ana Maria Aguines afirma que as meras diferenças legislativas nem requerem modificações, não se constituindo em um obstáculo para a transformação do Mercado Comum. Só as diferenças legislativas que provoquem assimetrias jurídicas devem ingressar no terreno da harmonização propriamente dita, isto é, quando as empresas, por razões de facilidades para sua instalação, transferência ou reservas administrativas, derivadas de leis substanciais ou administrativas, preferem um país a outro e quando as divergências são artificialmente provocadas por normativas discricionárias sem base numa dificuldade ou vantagem objetiva (Empresas e Inversiones en el Mercosur, Abeledo Pevrot, Buenos Aires, 1993, pps. 13 e 14). Em face da carência ou inexistência de um Direito Comunitário, as distintas instituições de Direito Comercial devem ser analisadas à luz dos direitos de cada um dos Estados partes (José Alberto Garrone Manual de Derecho Comercial, 2º ed., Abeledo Perrot, Buenos Aires, 1996). Tratando-se de relações jurídicas internacionais, reveste-se de importância fundamental a determinação de qual vai ser a jurisdição e a lei aplicável em caso
6 de uma controvérsia. Esta questão diz respeito ao Direito Internacional Privado, cujo estado extrapola os limites desse manual. Todavia, deve-se sempre levar em consideração como um guia, de se escolher ou eleger as normas que sejam adequadas ao Estado, em que se deve buscar a eventual execução forçada da sentença. Ao contrário, corre-se o risco de obter um pronunciamento ou decisão, que vai carecer em última instância de executoriedade. O tratamento completo das formas jurídicas que as empresas podem adotar nos Estados integrantes do Mercosul é inviável, conforme visto nos despretensiosos limites deste artigo. 10. CONCLUSÃO À guisa de conclusão, elencamos alguns temas que, a nosso ver, necessariamente devem ser tratados no âmbito do Mercosul no sentido de se viabilizar o processo de integração econômica, como é o caso: a) das Sociedades Anônimas, no que diz respeito à sua constituição, capital social, ações, administração e representação, assembléias, conselho fiscal (fiscalização); sociedades estatais, sociedades estrangeiras, grupos de sociedades, contratos associativos, tais como agrupamentos de empresas, colaboração, consórcios, joint venture, contratos inominados; b) dos contratos, especialmente contrato de seguro, empresa de seguros etc.; c) dos títulos de crédito, validade, execução etc.; d) da Integração dos mercados de capitais (Bolsas de Valores); e) da crise econômica das empresas situadas ou instaladas em outros países, onde se procurará analisar os processos de falência, concordatas, crimes falimentares, etc.; f) do Direito da Concorrência entre as empresas. Conforme se observa, existem muitas matérias no âmbito do Mercosul que necessitam de um estudo comparativo para se aprofundar o processo de integração econômica, o que, sem dúvida, ampliará o mercado de negócios para as empresas, desvendando-se inúmeras outras oportunidades para os empresários e para os operadores do direito nesta área, que precisarão conhecer não só o espanhol, como também o conjunto normativo, ou sistema jurídico destes Estados partes. Trata-se de um grande desafio para as novas gerações.
7 BIBLIOGRAFIA AGUINES, Ana Maria M. de. Empresas e Inversiones em el Mercosul. Buenos Aires: Abeledo Perrot, COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, GARRONE, J. Alberto, SAMMARTINO, Mario E. Castro. Manual de Derecho Comercial, 2 a. ed., Buenos Aires: Abeledo Perrot, * Links relacionados:
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