PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA

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1 . 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA ACÓRDÃO APELAÇÃO CRIMINAL N , / 001 CAPITAL Relator : Juiz convocado Eslu Eloy Filho Apelantes : Reinaldo Oliveira de Alencar (Adv. Hercília Maria Ramos Régis) Apelada : A Justiça Pública FURTO Prova inconteste da materialidade e da autoria Condenação inafastável Abuso de confiança Qualificadora não configurada Exclusão Desclassificação para a modalidade simples Apelo parcialmente provido. 1. Se a prova demonstra, à saciedade, que o réu subtraiu cheques e dinheiro da vítima, inadmissível o a- colhimento da pretensão absolutória. 2. Não havendo prova inconteste de que o acusado gozasse da confiança da vítima, impossível o reconhecimento dessa qualificadora do furto, até porque essa circunstância não se presume da simples natureza da relação entre as partes, seja empregatícia, amorosa, de coabitação ou de parentesco, devendo ser efetivamente demonstrada. 411". VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação criminai, acima identificados: - ACORDA a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba, à unanimidade, em dar provimento parcial ao apelo. Na comarca da Capital (6 a Vara Criminal), o representante do Ministério Público ofertou denúncia contra REINALDO OLIVEIRA DE ALEN- CAR, dando-o como infrator do art. 155, 4 0, II, do Código Penal. Narra a peça pórtica acusatória que o réu, aproveitando-se da confiança em si depositada, subtraiu, repetidas vezes, dinheiro e cheques da Federaçãoi Espírita da Paraíba, localizada nesta Capital, fato que somente foi des- co eào depois que o acusado tentou sacar uma cártula no valor de R$ 4 100,00 (quatro mil reais), girado contra a Caixa Econômica Federal. li

2 t, PODER JUDICIÁRIO.!te TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAI BA. Consta, ainda, que, até ser desto -berto o furto, o acusado já havia descontado outros dois cheques, girados contra o Banco do Brasil, além de haver subtraído, em espécie, cerca de quinhentos reais. O processo seguiu seus trâmites legais, sobrevindo a r. sentença que condenou o réu, nos termos da denúncia, à pena de quatro anos e seis meses de reclusão, no regime semi-aberto, mais o pagamento de vinte e seis diasmulta, arbitrados em 1/30 avos do salário mínimo. Irresignado, recorre o réu, por intermédio de sua defensora pública, fl. 121, alegando, nas razões, que não foram juntadas as originais dos cheques nem se realizou perícia técnica, sendo, assim, impossível aferir-se a materialidade do delito. Além disso, a cópia original do cheque n , microfilmado, constante das fls. 18/19, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), o número do RG do endossante não condiz com o do apelante. Por isso, roga a absolvição, fls Contra-razões do Ministério Público, fls. 144/147, protestando pela manutenção da r. sentença. Parecer da douta Procuradoria de Justiça opinando pela exclusão da qualificadora do abuso de confiança. É o relatório. - VOTO- Como visto, o réu protesta contra a sentença que o condenou como incursos nas penas do art. 155, 4, II do CP, dizendo não haver a prova material do crime, à falta de anexação dos originais dos cheques, além do que, um deles, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), o nome e o RG constantes do endosso não condizem com o dele apelante. Os argumentos são de todo insubsistentes. É que, o crime não é de falso ou de fraude, tampouco daqueles que deixem vestígios, a ponto de exigir prova pericial. Cuida-se, de fato, do furto de alguns cheques, cuja configuraço não se faz necessária a juntada de laudo técnico, podendo a materialidade, ssim como a autoria, ser colhida através da própria prova oral

3 :00(PODER JUDICIÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA No caso, o próprio réu confess-ou-, com todas as letras, que esteve de posse dos cheques. Alegou, apenas, que bebia com amigos em um bar que fica ao lado da Federação Espírita e, "em dado momento, foi urinar e encontrou, jogados no chão, alguns cheques nominais à Federação Espírita e dois cheques em branco; que eram vários os titulares dos cheques, não se recordando o nome dos titulares dos aludidos cheques; (.) que ficou receoso de devolver os cheques pois já tivera cometido furtos anteriormente e ficou receoso de ser acusado de furtar os cheques; (.) que quando chegou em casa no sábado, tomou conhecimento, por meio de sua ex-esposa que o filho dele interrogando, havia sido assassinado; (.) que na oportunidade não tinha dinheiro comprar o caixão do seu filho; que por isso surgiu-lhe a idéia de procurar o gerente do banco e conversar para que pudesse (descontar) o cheque que estava em branco; que o gerente não descontou o cheque porque disse que conhecia Domingos Soares, tesoureiro da Federação, em nome de quem estava o cheque e disse ainda que iria pergunta-lo se o mesmo havia dado o cheque a ele interrogando; que como o gerente não conseguiu entrar em contato com Domingos Soares, sugeriu que o depoente fosse para casa e voltasse no dia seguinte...; (.) que a importância que ele pretendia sacar era de mil e poucos Reais...; (.) ele interrogando espontaneamente entregou um envelope contendo todos os cheques encontrados, exceto aquele em que constava o número da cédula de identidade dele interrogando...", fl. 94. Vê-se, assim, que o acusado esteve, efetivamente, com os cheques que se afirmam furtados. De modo que, no ponto, não há a menor dúvida da existência material do delito. Por outro lado, a tese do acusado de que não descontara nenhum dos cheques e, bem assim, que apenas buscara sacar mil e poucos reais para fazer face à despesas com o funeral de um filho seu não tem a menor consistê ncia. Ora, Domingos Soares da Silva, tesoureiro da Federação Espírita, disse ter tomado conhecimento do fato "quando o gerente da Caixa Econômica procurou saber do presidente JOSÉ RAIMUNDO DE LIMA a respeito do cheque no valor de R$ 4.000,00 reais apresentado parda desconto pelo denunciado; que o cheque não foi pago ao denunciado porque houve unia desconfiança da gerência no que se refere a assinatura do tesoureiro e do presidente da Federação Espírita; que foram feitas diligências na tesouraria e daí veio a descoberta que outros cheques haviam desaparecido; que o réu conseguiu sa- car três cheques que importaram no valor de R$ 2.450,00 reais; que acredita qu, o '/usado furtou os cheques no período da noite aproveitando-se da aus, ncia de pessoas na tesouraria", fl

4 ' PODER JUDICIÁRIO,. é ; TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA Nessa mesma linha, emborassen - muitos detalhes, foram os depoimentos de Shirley Emanuelly Maciel de Oliveira e José Daniel da Silva, fls. 55/56. Já o presidente da Federação Espírita, José Raimundo de Lima, além de coonestar os depoimentos anteriores,.disse conhecer o réu desde ele fora acolhido no Lar da Criança, aos quatro anos de idade, sendo que, não obstante a boa orientação que lhe fora ministrada, sempre esteve envolvido em ilícitos. E esclareceu: "que o acusado era bem recebido na Federação; que ele não tinha acesso a tesouraria, tendo feito uma cópia clandestina da cila-, ve que foi depois por ele utilizada para ter acesso ao local e furtar os cheques e dinheiro", fl. 58 grifei. São elementos incontestes, que demonstram, à saciedade, a prática do crime de furto pelo acusado, não havendo, portanto, que se falar em absolvição, seja pela ausência de prova material do crime, seja pela alegada insuficiência de prova da autoria. Em síntese, a prova técnica não é 'a única apta a comprovar a materialidade do crime de furto, podendo ser comprovada por outros meios capazes de levar ao convencimento o julgador, máxime se com o acusado foi encontrada parte da res furtiva, sendo, portanto, descabida a pretensão absolutória. O recurso, no entanto, parece merecer provimento parcial. É que, não alcanço na prova elementos que justifiquem a incidência da qualificadora do abuso de confiança, que exige um indiscutível e inolvidável vínculo de confiança entre o autor do delito e o lesado. Neste ponto, sobreleva notar que o simples fato de que o acusado era amigo do Presidente da Federação Espírita, órgão lesado, não demonstra a existência de relação de confiança capaz de configurar a qualificadora do furto. Ora, a qualificadora do furto consistente no abuso de confiança -exig um especial vínculo de lealdade ou de fidelidade entre o autor do furto e a p ssoa lesada, sendo irrelevante, por si só, a simples relação de amizade ou d coaboção. 4

5 Á: "' "f PODER JUDICIÁRIO -, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA..amc. - Para Guilherme de Souza Nu-Cti, a "... qualificadora que diz respeito ao abuso de confiança pressupõe a existência prévia de credibilidade, rompida por aquele que violou o sentimento de segurança anteriormente estabelecido" (Código Penal Comentado. 4 ed. São Paulo: RT, 2003, p. 524). 1111" No caso, não há prova inconteste de que o acusado gozasse da confiança de todos os membros da Federação Espírita, ora vítima, apenas porque era uma espécie de "protegido" do presidente da instituição. E essa condição, aliás, não se presume da simples natureza da relação entre as partes, seja empregatícia, amorosa, de coabitação ou de parentesco, devendo ser efetivamente demonstrada: Com efeito, o "... abuso de confiança precisa ficar comprovado, não podendo ser presumido por mero parentesco ou pelo trabalho, a não ser quando a fidúcia é insita à atividade do agente" (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 1126). E no caso, ao contrário, todas as testemunhas informam que o a- cusado utilizou-se de artifícios para ingressar na tesouraria e subtrair os cheques, ou seja, não adentrou o recinto por força da confiança que os dirigentes do órgão nele depositassem. Por sinal, conforme visto anteriormente, o próprio presidente da Federação Espírita é quem esclarece que o acusado se utilizou de uma cópia da chave para ter acesso ao local onde estavam as cártulas e - o dinheiro surrupiados. A jurisprudência assim já se manifestou: "Inexistência de relação entre a confiança e a subtração - TACRSP: 'Se a confiança existente entre o réu e a vítima em nada facilitou a execução do furto, não há que se cogitar da qualificadora do art. 155, sç 4o, no II, primeira figura' (RT 403/304)" (MIRABETE, op. cit., p. 1128). Nesse passo, dou parcial provimento ao apelo para, excluída a qualificadora do abuso de confiança, desclassificar o delito de furto para a sua forma simples. E, levando em conta as circunstâncias judiciais, corretamente analisadas pelo nobre Juiz sentenciante, estabeleço a pena-base em dois anos de reclusão e os mesmos vinte dias-multa. 5

6 *, :,,,, i ; rs...t PODER JUDICIÁRIO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA :: "1 n-, $4.. Não havendo atenuantes e cniàiderando a agravante da reincidência, elevo a reprimenda de três meses e três dias-multa. E, por fim, tendo em conta a continuidade delitiva, aumento da reprimenda em um sexto, tornandoa, assim, definitiva em dois anos, sete meses e quinze dias de reclusão, além de vinte e três dias-multa, à base unitária de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo da infração. Ficam mantidas todas as demais determinações da sentença, inclusive o que tange ao regime prisional, que permanece o semi-aberto, considerando o passado maculado do imputado. 1 É como voto. Presidiu o julgamento o Des. Leôncio Teixeira Câmara, sem voto, e dele participaram o Juiz convocado Eslu Eloy Filho, relator, e os Des. José Martinho Lisboa e Nilo Luís Ramalho Vieira. SALA DE SESSÕES "DES. M. TAIGY DE QUEIROZ MELO FILHO" DA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA PA- RAÍBA, em 25 de outubro de 2007., Juiz co vocad#f,slu Elo Filho " EL A TORJ *:1..:,:

7 TRISUNIAL DE JUSTIÇA Coordenadoria Regtstradr) 67i1, 5