Luciel Ribeiro. Contos de Arrepiar. Histórias para serem lidas à noite...
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- Aurora Guterres Peralta
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1 Luciel Ribeiro Contos de Arrepiar Histórias para serem lidas à noite...
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3 Índice de contos, pág - 137
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5 Uma chamada estranha O telefone tocou na central. O policial, que estava de plantão, atendeu. Graças a Deus! O senhor tem que me ajudar disse uma mulher em desespero. Tudo bem, eu vou ajudá-la. Só me diga o que está acontecendo. Tem que vir aqui me ajudar, policial! Tem que vir aqui! Eu não sei mais o que fazer, ele vai me matar! Quem? Eu não posso dizer, eu não posso falar seu nome respondeu a mulher, com a voz sufocada. Ricardo pensou ser um trote. Me passe seu endereço. Eu moro na Rua das Oliveiras, número 45. Por favor, venha depressa, antes que ele... A voz da mulher desapareceu e o policial escutou um baque. Houve um grito. Alô! Alô! chamou Ricardo, sem resposta. Depois de um vago silêncio, o policial ouviu a voz de homem: Olá Ricardo. Quem é você e como sabe o meu nome? Eu sei de muitas coisas, policial. 5
6 É três e quinze da manhã, você está sem sono e resolveu ligar para a polícia para passar o tempo. Muito bom! ironizou Ricardo por que você não arranja uma namorada em vez de ficar passando trote? Talvez eu procure a Michele, sua namoradinha. Posso passar um tempo com ela? Me divertir um pouco? falou o homem. Ricardo tremeu. Quem poderia estar brincando com ele? Nenhum de seus amigos seria tão idiota para fazer esse tipo de brincadeira. Ligou o rastreador. Cadê a mulher que estava falando comigo? perguntou Ricardo. Por que ligou o rastreador de chamadas? perguntou o homem. Afinal, quem é você? Eu sou um amigo. Também fui amigo do seu pai. Eu vi quando ele se enforcou na casa de ferramentas, você se lembra, não? Claro, foi você que achou o corpo. Quem seria esse homem? Como ele poderia saber tanto de sua vida? Perguntava-se Ricardo. Vejo que ficou sem palavras disse o estranho deve se perguntar como sei tanto sobre você. Eu também sei que você culpou sua mãe por seu pai ter se matado. Mas, na verdade, seu pai não se matou porque pegou sua 6
7 mãe na cama com outro, ele se matou porque era um fracassado. O rastreador indicou o mesmo endereço que a mulher tinha falado. Não era um trote. Ricardo desligou o telefone e acionou pelo rádio uma viatura. Solicitou aos dois policiais de ronda que fossem averiguar o endereço. Duas horas se passaram e Ricardo não recebeu nenhum retorno. Central chamando carro 05! Central chamando carro 05! Alguém na escuta? chamava Ricardo, não obtendo resposta. Pressentindo que alguma coisa estava errada, ele solicitou que outra viatura fosse até o número 45 da rua das Oliveiras. Minutos depois, foi informado que os dois policiais estavam mortos. Mas como? O que aconteceu? perguntou Ricardo aos gritos. Não sabemos respondeu o policial do outro lado da linha os encontramos caídos no chão da sala, sem nenhum sinal de machucado ou de tiro. E quem estava na casa? Apenas uma mulher. Ela está em estado de choque. Não fala, não responde e parece não ouvir nada do perguntamos. Não havia mais ninguém? Um homem? 7
8 Só a mulher. Revistamos a casa inteira. Os corpos dos policiais foram para o IML. O legista atestou que a morte dos dois policiais foi provocada pelo destroncamento do pescoço. A mulher foi presa e depois encaminhada para um hospital psiquiátrico. Não foram encontradas pistas sobre a identidade do homem que falou com Ricardo. A investigação foi encerrada por falta de provas. A mulher permaneceu internada no hospital devido ao seu estado de letargia. Ricardo foi visitá-la um dia. Ele entrou sozinho naquele quarto pequeno. A mulher estava deitada na cama, com seus olhos abertos fixados em um ponto invisível do teto. O policial sentou-se ao lado da cama. Examinou o rosto sem expressão da mulher. Lembrou-se dela pedindo por ajuda, lembrou-se de seu desespero ao dizer que ele iria matá-la. Quem seria ele? Ricardo abaixou a cabeça. Sua memória buscou os rostos dos policiais que morreram. Eram seus companheiros, amigos. Ao levantar sua cabeça, Ricardo tomou um grande susto ao ser confrontado pelo olhar da mulher. Seus olhos estavam vivos, assustados, dilatados. Os olhos dela 8
9 se desviaram de Ricardo para fixarem em um ponto imediatamente atrás dele. O policial virou sua cabeça de lado e, pelo canto do olho, divisou alguém, que rapidamente desapareceu. Virou-se novamente para a mulher e viu que ela estava morta. 9
10 A bela e o pintor Com as tintas da aquarela, Eduardo dava vida a sua mais nova criação. A pintura já estava quase no fim, faltavam apenas alguns retoques. O seu criado e também amigo Antônio entrou no ateliê. Seu rosto se encheu de luz ao contemplar a nova pintura de Eduardo. Mestre, quadro fabuloso! exclamou Antonio. Sim, mas acho que ainda não está perfeito, parece que falta uma coisa. Mas é a perfeita retratação de uma bela dama. Parece mesmo uma fotografia. Não vejo defeitos, não vejo o que precisa ser feito. Não vejo o que pode estar faltando. Eduardo ficou em silêncio por alguns segundos olhando para aquela pintura. Era a pintura de uma jovem moça, de cabelos amendoados, tez bronzeada e olhos verdes. Estava pintada em seus mínimos detalhes, mas para o pintor ainda faltava alguma coisa para ficar perfeita. Não consigo ver o que está faltando, mas sei que está faltando alguma coisa disse por fim Eduardo. Estou indo ao mercado. Queria saber se não gostaria de vir comigo. Faz tanto tempo que o senhor está 10
11 trancafiado nesse quarto, sozinho, que penso que um pouco de sol lhe faria bem. Tem razão Antônio, talvez uma volta me fará bem. 2. No mercado, Ângela ajudava seu pai na banca de verduras. A sua beleza singular atraía muitos fregueses. Era uma jovem faceira, de corpo esguio, no pleno desabrochar dos seus 18 anos. Loira, cabelos lisos que desciam até a cintura, olhos verdes e boca pequena. Ela ainda não sabia o que era se apaixonar por um homem até ver Eduardo. Não resistiu aos encantos do pintor ao vê-lo chegar à banca de seu pai. Ele era jovem, ao mesmo tempo sério, com um semblante austero, falava macio, tinha a voz baixa e um sorriso cativante. Seus olhos escuros transbordavam mistério, mas também beleza. Ângela apaixonou-se por Eduardo a primeira vista. É um homem de sorte meu amigo disse Eduardo para o pai de Ângela Deus lhe deu um verdadeiro anjo como filha. Nunca em minha vida ousei imaginar que pudesse existir moça tão bela. 11
12 O pai de Ângela agradeceu o elogio, enquanto que a moça corou-se de vergonha. Mas essa vergonha logo se tornou alegria quando ela escutou o pintor pedir permissão a seu pai para conhecê-la. 3. Eduardo estava em frente ao espelho, penteava seus cabelos pretos quando Antônio entrou no quarto trazendo um par de sapatos. Mestre, devo dizer que deixei estes sapatos tão engraxados, dei tanto brilho, que é possível se ver o reflexo neles. Obrigado Antônio, hoje é um dia especial, tenho que estar impecável. Vou pedir a mão de Ângela em casamento. Estou feliz que finalmente irá abandonar a solidão do seu oficio para se alegrar na companhia de uma bela dama. Preocupava-me sua obsessão com a pintura, estava deixando as alegrias de sua mocidade passar, se esquecendo do resto do mundo, perdendo seus melhores anos. Isso acabou meu amigo. Ângela se tornou a luz da minha vida, sua presença me conforta, me traz paz, quando me dei conta de que não poderia viver mais sem 12
13 ela, decidi pedi-la em casamento explicou Eduardo com um largo sorriso. Um sorriso que se dez quando seus olhos pousaram sobre aquela pintura que ele havia terminado meses antes. A pintura da moça de cabelos amendoados. Qual o problema meu amo? perguntou Antônio vendo a mudança de Eduardo. É este quadro respondeu ele vejo que está completo, perfeito e mesmo assim continua parecendo que falta algo. Por favor meu amigo, não se perca em devaneios por causa desse quadro. Aceite o fato de que ele é maravilhoso e de que nada nele falta. Tem razão Antônio, não tenho que me preocupar com isso agora. Vamos para a casa de Ângela, muitas felicidades estão reservadas para esse dia! 4. A luz de velas, Ângela escovava seus lindos cabelos loiros diante da penteadeira. Havia tomado banho, perfumou-se com sua melhor fragrância e vestiu uma camisola de cetim. Deitou-se na cama e ficou a espera de seu marido. Os minutos demoravam a passar e Ângela decidiu ir buscá-lo. 13
14 Encontrou o pintor em seu ateliê iluminado por dois candelabros. Ele estava sentado diante de sua nova pintura, com a feição compenetrada na imagem a sua frente. Estava tão concentrado que levou um susto quando Ângela pousou a mão em seu ombro. Desculpe querido, não quis assustá-lo disse Ângela. O pintor levantou-se e a beijou. Eu que peço desculpas, essa pintura acabou por me prender. Você passou o dia inteiro aqui. Já é tarde, vamos deitar pediu Ângela. Claro meu anjo. Não a deixarei esperando. Eduardo apagou as velas e levou Ângela no colo até o quarto. Ele a colocou na cama e deitou-se ao seu lado. Às vezes sinto que você não me ama disse Ângela acariciando o rosto de seu marido. E quem no mundo eu poderia amar senão a mulher mais linda com quem me casei? Tu bem sabes que para mim você é a primeira e única. A quem outra poderia amar? perguntou Eduardo. A sua arte. A minha arte? Você passa a maior parte do dia concentrado em seus pincéis e tintas que agora, quando você se deita 14
15 comigo, não me sinto sua esposa, mas a sua amante, sinto ser a mulher de um homem já casado que me procura apenas quando se cansa de sua senhora. Não diga bobagens meu anjo. Entendas que eu sou um artista, e como qualquer artista às vezes eu fico muito absorto na criação. Mas prometo que irei passar menos tempo pintando. Amanhã a levarei para passear, vamos passar o dia inteiro juntos. Promete? Prometo confirmou Eduardo dando um beijo em sua esposa. 5. Antonio atendeu a porta e deparou-se com um homem bem apessoado. Ele vestia fatos pretos, tinha uma barba negra vigorosa e uma boina vermelha. Procuro por Eduardo, que dizem ser o melhor pintor dessas terras disse ele. Meu amo saiu para dar um passeio com sua esposa. Neste caso, será que eu poderia aguardá-lo. Sou o Conde de Bovieiro e venho com o interesse em comprar um quadro de Eduardo. 15
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