TRANSIÇÃO DE GÊNERO E DIREITO À SAÚDE GT1 - DIVERSIDADE E DIREITOS HUMANOS
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- Lorenzo Alvarenga Barateiro
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1 TRANSIÇÃO DE GÊNERO E DIREITO À SAÚDE GT1 - DIVERSIDADE E DIREITOS HUMANOS Júlia Arruda F. Palmiere 1 (juliapalmiere@hotmail.com) Anita Guazzelli Bernardes 2 (anitabernardes1909@gmail.com) Dayane Eurico dos Santos³ (dayeurico@hotmail.com) RESUMO: O presente trabalho é parte de uma pesquisa que se insere na área da Psicologia Social e da Saúde, em que se analisa as práticas disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em 2008, com a implementação do Processo Transexualizador. A análise se direciona as políticas públicas que compõem o território existencial em que as práticas voltadas à população trans são operacionalizadas e se apoia em autores que problematizam processos sociais, como Judith Butler e Michel Foucault. Para acessar os serviços de saúde disponibilizados a população trans encontra um conjunto heterogêneo de práticas de negociação com a política de saúde implementada e tem sua experiência de transição regulada por mecanismos biopolíticos de gestão, que permitem a reatualização de regimes de verdade sobre o binarismo de gênero e o sexo biológico, ou seja, o acesso aos direitos é um itinerário que implica jogos políticos de governo dos corpos. As práticas operacionalizadas durante o Processo funcionam como um dispositivo, de naturalização e regulação das vivências trans. O território existencial onde as transições de gênero se tornam possíveis é engendrado por jogos de força jurídicos e políticos, atualizados por regimes de verdade e estratégias de governo da vida, visando a normalização de certas formas de existir. O que condiciona o direito à saúde, aos modos de vivenciar a transição de gênero. Palavras-chave: Processo Transexualizador; Gênero; Direito à Saúde; Políticas Públicas. 1 Acadêmica de Psicologia e Bolsista de Iniciação Científica CNPq 2 Professora Doutora e Pesquisadora na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) ³ Acadêmica de Psicologia e Bolsista de Iniciação Científica UCDB
2 2 1. INTRODUÇÃO Os processos de transição de gênero passaram a ser administrados pela Saúde Pública em 2008, com a implementação do Processo Transexualizador no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O que se deu a partir do reconhecimento da vulnerabilidade da população trans no país, cabendo ao SUS oferecer atendimento aos que sentem mal-estar e inadequação em relação ao sexo biológico. Um conjunto de práticas passou a se direcionar à vida da população que deseja transicionar, a fim de regular de que modo as transições de gênero podem se tornar possíveis. As intervenções biotecnológicas adquirem posição central no Processo, por ser o que oferece visibilidade às experiências de transição. Para que seja possível acessar parte delas, como as cirurgias de redesignação sexual, se deve passar por um período de dois anos em terapia compulsória e receber um diagnóstico psiquiátrico, que ateste a sintomatologia presente no diagnóstico de Disforia de Gênero (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2014). Portanto, o acesso à saúde está condicionado à patologização das identidades trans. A transexualidade foi objetificada enquanto uma patologia pelo discurso psiquiátrico, pautada na naturalização da diferença sexual e dos modos binários de vivenciar o gênero. O presente trabalho aborda a produção de subjetividade a partir das experiências de transição, considerando de que forma essas experiências são performadas por um conjunto de práticas operacionalizadas no interior do Processo. 2. PROBLEMA DE PESQUISA Buscou-se investigar os modos através dos quais a população trans acessa os serviços disponibilizados pela Saúde Pública. A partir da implementação do Processo Transexualizador, um território existencial é forjado, no qual mecanismos políticos de administração da vida se articulam, produzindo modalidades de existência. O que permite investigar as estratégias biopolíticas de regulação do gênero e da sexualidade, considerando como as pessoas trans têm seu acesso às transformações corporais e à saúde regulado.
3 3 Uma série de condicionalidades é imposta aos que desejam acessar os serviços disponibilizados, como dois anos de terapia compulsória e a necessidade de um diagnóstico patologizante. Quais os efeitos dessas condicionalidades em termos de produção de subjetividade e de condições de acesso às possibilidades de vida foram questões problematizadas, considerando os investimentos da Política implementada na vida da população trans. 3. REFERÊNCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS Para as investigações empreendidas se fez uso do método cartográfico, a partir do qual se utilizou do rastreamento metodológico de materiais documentais e bibliográficos sobre a temática do Processo Transexualizador, considerando os movimentos e jogos de força que produzem os fenômenos e direcionam investimentos à vida da população. Apoiou-se em autores pós-estruturalistas, como Michel Foucault e Judith Butler, para discutir processos sociais. Para refletir acerca dos mecanismos e estratégias que se direcionam a vida das pessoas trans, se fez uso das seguintes ferramentas conceituais: subjetividade, verdade e governamentalidade, desenvolvidas na relação entre governo de vida e ética. O campo de investigação se aproximou, dentre outros materiais, das portarias do Ministério da Saúde, nº 457, de 2008 e nº 2.803, de 2011, que apresentam diretrizes técnicas e éticas para a implementação do Processo Transexualizador; da Resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1.652, de 2002, que indica condições para realização das cirurgias de transgenitalização; e de protocolos de jurisprudência disponíveis no banco de dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, referentes às solicitações de mudança de nome e sexo no Registro Civil. O que permitiu investigar o que esses materiais propõem em termos de investimento na vida das pessoas trans. 4. RESULTADOS ALCANÇADOS As práticas trans-específicas no âmbito do Processo Transexualizador operam a partir da noção de Transexual Verdadeiro, que emerge na década de 50, a partir do movimento de classificação das sexualidades periféricas e se apoia em concepções binárias e heteronormativas acerca dos modos de performar o gênero. O Manual Diagnóstico e
4 4 Estatístico dos Transtornos Mentais DSM-5 ao abordar a Disforia de Gênero pressupõe a transição de gênero como um processo binário, no qual se desloca por completo da posição de um gênero ao outro. Os critérios exigidos pelo Conselho Federal de Medicina para a realização dos procedimentos de ordem médica referentes à transição e os critérios diagnósticos que devem ser contemplados para o acesso a determinados serviços de saúde, referem-se ao desejo de viver em tempo integral enquanto pessoa do sexo oposto, intenso mal-estar de gênero e aversão ao órgão genital, "devendo o paciente ser portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e\ou autoextermínio" (CFM, 2010). A patologização das identidades trans é determinante para o acesso aos serviços de saúde, o que contraria a lógica da Saúde Coletiva, campo sobre o qual a saúde pública como um direito se estrutura no Brasil. Nesse campo, se opera com um conceito ampliado de saúde, rompendo com a lógica de saúde como ausência de doença, e se considera a discriminação por identidade de gênero como parte dos condicionantes e determinantes de saúde. O diagnóstico pressupõe que não houve assimilação de normas naturais de gênero por algum erro ou falha, e pode funcionar como instrumento de estigma e exclusão das pessoas trans, relegando as experiências de transição a anormalidade (BUTLER, 2009). As pessoas trans costumam chegar aos serviços de saúde em condição de vulnerabilidade psíquica, física e social, sendo diversas as formas de sofrimento produzidas por experiências de não reconhecimento e exclusão (ÀRAN, 2006). O acesso às intervenções cirúrgicas e a permissão para a mudança de nome no Registro Civil são aquisições fundamentais para o bem-estar dessa população. A mudança de nome no Registro Civil, viável através do mecanismo de jurisprudência, tornou-se possível a partir da concepção de que se a transição de gênero passou a ser regulada pela Saúde Pública, também deve ser autorizada por mecanismos jurídicos (SENADO FEDERAL, 2014). O que esboça a composição de um dispositivo da transexualidade no qual um conjunto heterogêneo de práticas passa a administrar as transições de gênero, de acordo com parâmetros binários e heteronormativos, que permitem a reatualização de regimes de verdade sobre o sexo biológico e o gênero.
5 5 O território existencial em que as transições de gênero se tornam possíveis é engendrado por jogos de força jurídicos e políticos, atualizados por regimes de verdade e estratégias de governo de vida, visando à normalização de certas formas de existir. A partir do que as Políticas propõem em termos de investimento na vida da população trans, é possível visualizar que a submissão à patologização faz parte do itinerário para acessar os serviços de saúde disponibilizados. O que coloca essa população em negociação com a Política implementada e condiciona o direito à saúde, aos modos de vivenciar a transição de gênero. 5. BIBLIOGRAFIA ARÁN, M. A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora (Rio de Janeiro) v. IX n. 1 jan/jun, ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-V Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, BUTLER, Judith. Desdiagnosticando o gênero. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, pg95-126, BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 457\GM, de 19 de agosto de Diário Oficial da União, Brasília, DF, BRASIL. Ministério da Saúde. Transexualidade e travestilidade na saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Editora MS. Brasília, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n de maio de Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo. Diário Oficial da União, 02 de dezembro de FOUCAULT. História da Sexualidade I: a vontade de saber, tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 2º ed. Paz e Terra. São Paulo KASTRUP, V. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. Psicologia & Sociedade. Porto Alegre, v. 19, n. 1, p , SENADO FEDERAL. Especial Cidadania In: Biblioteca digital do Senado Federal Disponível em > <
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