Curta o cotidiano Projeto Documentário e Comunidade

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1 Curta o cotidiano Projeto Documentário e Comunidade BALDISSERA, Mari A G 1 MORO, Fernanda 2 SANTIN, Suellen 3 GOLDSCHMIDT, Ilka Margot 4 Unochapecó, Chapecó/SC RESUMO O projeto de extensão Documentário e Comunidade uma história que vai virar filme atua na perspectiva da mídia cidadã com a exibição de documentários promovidos pelo curso de jornalismo e com a produção de vídeos pela comunidade. O local onde as atividades foram realizadas até o primeiro semestre de 2010 foi o Bairro São Pedro, em Chapecó. A partir da mostra de documentários são provocadas discussões sobre o processo de produção e sobre os temas sociais abordados. A intenção é possibilitar aos moradores o acesso a esse gênero audiovisual. Os alunos auxiliam no aprendizado técnico e conceitual para a produção de documentários com oficinas de câmera, roteiro, produção e edição, para que os próprios moradores atuem como diretores. No segundo semestre de 2009 o projeto resultou em dois documentários de curta-metragem sobre histórias presentes no cotidiano daquela comunidade. Palavras-chave: mídia cidadã; jornalismo; documentário; cotidiano A intenção do projeto Documentário e Comunidade uma história que vai virar filme é exibir documentários produzidos pelo curso de Jornalismo, debater sobre os vídeos e oferecer aos moradores oficinas e capacitações técnicas para a produção 1 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Jornalismo da Unochapecó, fotógrafa, bolsista do projeto de extensão Documentário e Comunidade: uma história que vai virar filme. mari.b@unochapeco.edu.br 2 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Jornalismo da Unochapecó e bolsista do projeto de extensão Documentário e Comunidade: uma história que vai virar filme. nandamoro@unochapeco.edu.br 3 Acadêmica do 4º semestre do Curso de Jornalismo da Unochapecó, bolsista do projeto de extensão Documentário e Comunidade: uma história que vai virar filme. susantin@unochapeco.edu.br 4 Professora do Curso de Jornalismo da Unochapecó e coordenadora do projeto de extensão Documentário e Comunidade: uma história que vai virar filme. ilka@unochapeco.edu.br 116

2 audiovisual. Os documentários são produzidos anualmente, desde 2000, pelos alunos de jornalismo e abordam temas regionais sobre história, cultura, música e cotidiano. A característica de explorar a realidade está presente nos documentários, que também abordam aspectos que fogem do habitual da mídia, com a particularidade do gênero: o caráter autoral que o distingue do jornalismo factual e rotineiro. O projeto trabalha na perspectiva de mídia cidadã enfatizando a produção de documentários pela própria comunidade. Trabalhar com mídia cidadã é oferecer alternativas à mídia convencional, com visões diferentes e possibilitar a todos o acesso a informações responsáveis através da valorização de uma comunicação democrática. A proposta do projeto é trabalhar em diferentes bairros da cidade. De 2007 a 2010 as atividades foram concentradas no bairro São Pedro porque a Universidade já possuía vínculos através do programa permanente de extensão Ação e Cidadania, que foi como uma porta de entrada para a comunidade. O bairro São Pedro é marginalizado pela mídia local, e os moradores se sentem prejudicados, pois existe uma visão negativa de que as pessoas que vivem no bairro são marginais. Através da produção de documentários a comunidade teria uma forma de mostrar outros olhares sobre o bairro, com a realidade vivenciada por eles, além da veiculada pela imprensa. A principal dificuldade foi chamar atenção das pessoas para participar do projeto e conseguir que se envolvessem com as atividades de forma que as ações e reuniões fossem construtivas. O primeiro passo do curso de jornalismo foi a participação em dois grupos do programa Ação e Cidadania no início de 2007, que realizavam atividades com adolescentes e crianças. Em seguida, o projeto buscou aproximação dos pais desses jovens para apresentar o projeto e convidá-los para participar da primeira reunião. Com o encontro foi formado o grupo de pessoas que passou a atuar no projeto. Através da interação com a comunidade, os alunos de jornalismo passam a ter uma visão diferente sobre a profissão, as responsabilidades do jornalista e a importância de distinguir para quem o profissional realmente trabalha e o que é de interesse público. Para os acadêmicos é uma experiência enriquecedora, uma oportunidade de colocar em prática os conteúdos vistos em sala de aula e nos laboratórios. O projeto é uma maneira de a comunidade ter contato com o meio acadêmico, conhecer um pouco mais da estrutura e do mundo de possibilidades que a universidade oferece. Além disso, é um meio onde a população pode discorrer sobre as questões da 117

3 sua comunidade, da cidade, e registrar o cotidiano através da produção dos documentários. Atividades 2009 Em 2009 as atividades envolvendo a comunidade do bairro São Pedro iniciaram no mês de agosto com a realização de encontros semanais no Salão Paroquial. O projeto propõe experiências e atividades inseridas no contexto da mídia cidadã e por esse motivo envolveu os moradores na discussão, produção e apresentação da Rádio Frequência Universitária e de documentários de curta-metragem. Nos encontros semanais foram discutidas propostas, temas do cotidiano e a apropriação das técnicas de produção e dos conceitos que envolvem as mídias em questão. No primeiro encontro, no início de agosto, foi surpreendente o número de pessoas que compareceram no salão com interesse em continuar fazendo parte do projeto e em participar pela primeira vez do Documentário e Comunidade. Como o projeto ficou meio ano sem atividades, esta situação reiterou o importante papel da extensão universitária naquela comunidade. O grupo do projeto foi novamente reformulado, com a integração de outras pessoas e ficou composto por aproximadamente 20 moradores, entre crianças, adolescentes e adultos. A proposta para 2009 foi a de realizar documentários de curtametragem, diferente do primeiro vídeo produzido pelo projeto, São Pedro Diário, com duração de 30 minutos, que fala sobre o cotidiano e a história do bairro. O objetivo era desenvolver vídeos curtos que abordassem assuntos mais específicos. Uma das estratégias para a capacitação do grupo foi levá-los para participar da I Mostra de Documentários de Chapecó Ó o Doc Aí, no Teatro do Sesc Chapecó. Além de assistir aos documentários, os moradores tiveram a oportunidade de participar de uma discussão com a presença dos diretores de um dos documentários. Os documentaristas falaram do processo de produção e sobre o tema abordado no filme, assunto polêmico, já que trata da suinocultura, principal atividade econômica do oeste de Santa Catarina e também principal causadora da poluição nos rios da região. Esse momento foi importante no processo porque despertou nos moradores do bairro São Pedro questionamentos mais críticos sobre o compromisso de agroindústrias e produtores com o desenvolvimento sustentável. Paralelamente foram realizadas oficinas 118

4 de câmera e roteiro com o intuito de preparar os moradores para a produção do documentário. O projeto tem seis bolsistas, três atuaram no período da tarde, e três à noite, a fim de facilitar a produção dos documentários o grupo de trabalho foi dividido em dois. Para desenvolver a idéia do documentário foi importante primeiro traçar os objetivos da comunidade com essa produção. Pensar não só em um tema, mas também nas possibilidades que esse assunto oferece e em como encontrar evidências, como depoimentos e imagens para contar uma história e efetivar o caráter de veracidade do documentário. Dessa forma o documentário permite que se estabeleça um novo ponto de vista sobre um fato. Através das discussões realizadas no decorrer do projeto sobre os problemas do bairro foi decidido evidenciar essas questões no documentário. Nesse sentido, é possível considerar o documentário como fortalecedor da união da comunidade para a solução de problemas em comum. Os temas sugeridos foram o atendimento precário de saúde, a violência, o tráfico de drogas e o frequente transbordamento do rio que corta o bairro. Selecionando as possibilidades e levando em conta o planejamento do roteiro, os moradores decidiram pelo tema da poluição do rio que corta o bairro, situação que prova as constantes inundações de casas no bairro. Um dos fatores que pesaram na escolha do tema foi também a urgência de tratar sobre o assunto e buscar medidas para solucioná-lo. O grupo que trataria do rio foi formado por cinco integrantes que se reuniam semanalmente às noites. O grupo das adolescentes realizou encontros semanais no período da tarde na casa da moradora Vanessa Sales dos Santos. A equipe composta por quatro integrantes decidiu trabalhar algum aspecto positivo do bairro. Como até então as discussões se restringiram praticamente aos problemas e dificuldades enfrentados pela comunidade do bairro São Pedro, o grupo decidiu virar a página e falar de um assunto que ainda não havia sido tratado. Após muitas conversas sobre as possibilidades o tema escolhido para o documentário foi os talentos do bairro, que retrataria pessoas que se destacam por realizar ações diferentes, e tem algum talento ou conquista especial. Como seriam produzidos dois documentários os temas foram escolhidos pelo grupo todo através de uma votação. 119

5 Com as próprias mãos Nas primeiras reuniões foram definidos os personagens que fariam parte do documentário, os talentos. Como o documentário seria de curta-metragem e diante da realidade do bairro optou-se por selecionar apenas três talentos, mas que fossem variados. No grupo discutiu-se muito o que se entende por talento, e qual a intenção do documentário ao mostrar essas pessoas. A intenção foi desmistificar a ideia de que talento é algo extraordinário, que somente algumas pessoas possuem. A proposta foi, principalmente, mostrar que o talento faz parte do cotidiano daqueles que se dedicam a fazer o que gostam e a vencer desafios. Então, decidiu-se convidar o Grupo de Mulheres do bairro, que trabalha com artesanato, Samuel, um adolescente desenhista, e Andréia que é deficiente visual e foi medalhista nos Jogos Abertos Paradesportivos de Santa Catarina (Parajasc) em Chapecó. Seriam histórias muito distintas e as atividades realizadas por cada escolhido também se diferenciavam. Depois de mapear essas pessoas, era preciso saber onde elas moravam, sua disponibilidade e interesse para participar do documentário e quais os horários que poderiam gravar. Um dia bastou para conseguir agendar as entrevistas. Menos com o Samuel, que desistiu de participar. Porém, o grupo descobriu que o irmão de Samuel, Davi, era músico e tocava em uma banda de rock. Conversando com Davi ele mostrou interesse em participar. A primeira gravação foi com a para-atleta Andréia. Ela contou sua história de vida, a superação em ser medalhista, e os desafios que enfrentava no dia-a-dia. As mulheres artesãs foram entrevistadas no dia que realizam o encontro semanal no Salão Paroquial da comunidade. Elas mostraram os produtos que fazem com as próprias mãos. São pinturas, potes e cobertores, trabalho que além de trazer uma renda a mais para a família é uma forma de distração. A última externa foi com a banda de rock. A gravação e a entrevista foram realizadas no local onde a banda costumava ensaiar. Os três meninos, integrantes da banda, tocaram suas principais músicas e o vocalista e guitarrista, Davi, falou sobre a exclusão social, e o preconceito que existe na cidade em relação ao bairro São Pedro. Com as imagens e entrevistas concluídas, foi iniciado o processo de decupagem, captura e edição do material. Uma semana começou o processo para a edição do documentário. Duas ou três vezes por semana os jovens do bairro vinham até a 120

6 universidade ajudar na decupagem do material, na seleção das imagens e depoimentos. Foi nesse vai e vem que surgiu o nome do documentário. Como havia muitas imagens fechadas das mãos, do trabalho realizado por eles, o nome foi definido: Com as próprias mãos. Selecionadas as imagens e as falas dos entrevistados, partiu-se para a montagem do documentário, processo esse que contou com o auxílio mais direto do técnico do laboratório de TV da universidade. Depois da escolha das trilhas e da montagem das cenas, o documentário foi finalizado. A trilha principal do vídeo foi a música Depois do Fim, composição feita pela banda do próprio bairro, o que fortaleceu o caráter autoral da produção. A banda veio até o estúdio da Unoweb TV, o canal de televisão da universidade, e gravou duas músicas que serviram como base para a trilha sonora do documentário. Na edição foram usadas frases que intercalam os depoimentos para dar ênfase em alguns pontos trabalhados no documentário, na questão do preconceito, das dificuldades e da coletividade que existe entre os grupos. As frases foram trabalhadas de maneira audiovisual para possibilitar às pessoas com deficiência visual compreender o conteúdo do documentário. As veias abertas do bairro São Pedro O documentário que fala sobre o rio ganhou como título uma analogia à obra de Eduardo Galeano As veias abertas do Bairro São Pedro. Os problemas enfrentados pelos moradores com o frequente transbordamento do rio provocado pelo lixo e pela inexistência de saneamento básico no bairro, materializam e personificam toda uma história de exclusão social, de descaso por parte do poder público e de preconceito que marca a vida dos moradores do bairro. Participaram da produção desse documentário os moradores: Rosalina Bernardes, Willian Ricardo, Nathieli de Lima, Elizandro Prestes, Welker Valetin, e as bolsistas Dieila Zanetti e Grasieli Nadal. O documentário é estruturado com os depoimentos dos moradores do bairro. O roteiro e as perguntas para as entrevistas foram elaboradas pelos integrantes do grupo. Nos relatos os moradores falam sobre os diversos problemas provocados pelo rio, entre eles: o lixo, o esgoto, o cheiro, as enchentes, os perigos. Além de falar dos problemas, os moradores apresentam as soluções. Eles 121

7 explicitam ao final do documentário a importância de uma canalização do rio e da conscientização por parte de moradores, mas também denunciam que há pessoas de outros bairros que vem até o São Pedro para despejar lixo no rio que leva o mesmo nome do bairro. Mostra de documentários A Mostra de Documentários do bairro São Pedro, realizada no dia 12 de dezembro no Salão Paroquial, encerrou oficialmente as atividades de 2009, atividades essas que foram bem intensas, embora tenham iniciado somente no segundo semestre. A mostra é um momento muito importante do projeto, pois envolve os moradores na organização do evento. Os integrantes ficam responsáveis por escolher a data e o local de exibição, definir os documentários, e convidar as pessoas para participar da mostra, o que é um diferencial imenso para garantir a presença da comunidade. Para fortalecer a divulgação um carro de som anunciou a mostra convidando todos moradores para participar do cinema no bairro. A diferença desse cinema promovido pelo projeto é que as produções exibidas falam sobre a comunidade, e são feitas pela comunidade. Os documentários de curta-metragem exibidos foram apresentados pelos próprios moradores envolvidos no processo de produção dos vídeos. Após cada exibição foram provocadas discussões a respeito do tema abordado. No caso específico do rio conhecido como Lajeado São Pedro a discussão foi muito produtiva, resultando em sugestões de encaminhamento para a solução do problema, como a realização de uma campanha do tipo mutirão para a limpeza do rio e a exibição do documentário nas escolas do bairro para conscientizar os moradores da importância de manter o rio limpo. Já o documentário Com as próprias mãos despertou considerações sobre a necessidade de valorizar o trabalho e as realizações de cada pessoa, os talentos e dons que cada um tem e que tornam importante a vida de todas as pessoas na comunidade. Algumas integrantes do grupo de mulheres artesãs do bairro São Pedro, personagens do documentário, falaram sobre o seu trabalho e do quanto gostam de morar no bairro. Percebe-se que a cada ano o projeto Documentário e Comunidade conquista mais moradores, mas é importante registrar como alguns já são 122

8 freqüentadores assíduos das mostras e das discussões, embora não participem das reuniões semanais. Esse vínculo com a comunidade dá respaldo para a continuidade do projeto. Ao instigar os moradores a tratar sobre os problemas do bairro e buscar uma solução coletiva percebe-se que a produção dos documentários não resulta apenas no aprendizado de técnicas e em contar histórias que valorizam a comunidade local, mas também na união dos moradores na busca de melhorar a realidade. Por fim, fica a expectativa de novos documentários, e muitas mostras e discussões até o final deste ano. Banda Backsttage na segunda externa do documentário Com as próprias mãos Mostra de Documentários no Salão Paroquial do bairro São Pedro 123

9 Gravação do documentário Com as próprias mãos com a para-atleta Andréia REFERÊNCIAS Tradução livre e resumida dos principais tópicos do capítulo 10 de: MAKING DOCUMENTARY FILMS AND REALITY VIDEOS. Barry Hampe. New York: Henry Holt and Company, (Tradução: Roberto Braga) GUEDES, Sandra. O conceito de mídia cidadã. [S.l], Disponível em Acesso em: 15 de jul. de