AGRO-COMBUSTÍVEIS: SOLUÇÃO PARA A CRISE ENERGÉTICA OU AMEAÇA A SOBERANIA ALIMENTAR?

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1 AGRO-COMBUSTÍVEIS: SOLUÇÃO PARA A CRISE ENERGÉTICA OU AMEAÇA A SOBERANIA ALIMENTAR? Lílian Falcão de Araújo Prof. Jozimar Paes de Almeida (Orientador) RESUMO Nosso estudo foi desenvolvido no grupo de pesquisa História Ambiental (CNPq-UEL), dentro da linha de pesquisa Territórios do Político. Teve como objetivo a realização de uma análise crítica das implicações do uso dos agro-combustíveis, como opção energética governamental no Brasil na presente década - através do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel - tendo como contraponto a produção de alimentos que tem, nesta nova conjuntura, seu espaço disputado com a produção agrícola destinada à geração de energia. A metodologia utilizada baseia-se na relação dialética homem-natureza, compreendendo que o homem se apropria desta para satisfação das suas necessidades construídas sócioculturalmente modificando-se neste processo e modificando-a ao mesmo tempo. Destacamos em nosso estudo a perspectiva dos argumentos dos movimentos sociais e entidades: CPT, MST e Via Campesina. Os resultados obtidos apontam para o problema da exploração sócioambiental do trabalhador do campo e do ambiente em razão da monocultura, latifúndio e consumo de alimentos por máquinas. Palavras-chave: História Ambiental, Agro-combustíveis, Alimentos 1277

2 Introdução Nosso estudo foi desenvolvido dentro do grupo de pesquisa em história ambiental, linha teórica que compreende o homem em diferentes tempos históricos e diferentes culturas interagindo com a natureza e formando valores em torno dela e a respeito da mesma, ao mesmo tempo em que a modifica e sofre modificações; retirando da mesma o possível para satisfazer suas necessidades construídas sócio-culturalmente. Um das formas de apropriação da natureza que a presente década está visualizando é o desenvolvimento de outras propostas energéticas, baseadas na exploração da produção agrícola. Assim, este estudo deriva de uma preocupação com a opção energética governamental brasileira os agro-combustíveis, estimulada pelas pesquisas e pelo desenvolvimento do PNPB Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel pelo governo federal. É um modelo energético proposto como opção ao petróleo, matéria-prima não renovável que é transformada em combustível que supre tecnologias e máquinas, poluidor e próximo do esgotamento. O desenvolvimento de uma alternativa energética, considerando essa situação, é necessário, para suprir as necessidades humanas de consumo energético e para diminuir os impactos ambientais das opções energéticas anteriores. Porém, este programa gera divergências e críticas principalmente na sua interferência na produção, distribuição e consumo de alimentos; a crítica aqui debatida diz respeito à discussão levantada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), pela Via Campesina Brasil (VCB) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em relação aos agro-combustíveis. 1278

3 Estas entidades e movimentos sociais têm em sua maioria um trabalho correlato apesar de terem suas diferenças. Mas tem uma concepção de um mundo injusto na qual precisam se unir pra defender diversos grupos humanos que são explorados pelo sistema capitalista; trabalham com pequenos agricultores/as e comunidades indígenas, defendendo a reforma agrária e os direitos individuais e coletivos. Um de seus estudos é sobre os impactos dos agro-combustíveis na produção de alimentos, divulgados em artigos em conjunto. Os agro-combustíveis e a soberania alimentar Primeiramente o que podemos falar que os agro-combustíveis são fabricados a partir de um produto da agricultura, podendo ser utilizados o dendê (palma africana), mamona, girassol, amendoim e soja entre as oleaginosas como biodiesel e o etanol, extraído da cana-deaçúcar. Na proposta do governo, a produção de agro-combustíveis é incentivada de modo a estimular a inclusão social do pequeno agricultor, geração de renda melhoria da qualidade de vida, melhoria das condições ambientais, suprimento da demanda energética e diversificação da produção agrícola nacional através desta solução energética do PNPB. Os argumentos levantados enxergam de outra forma este programa e sua realização efetiva. Quando se analisa um processo de redução dos impactos ambientais é necessário olhar para todas as fases deste processo, desde o cultivo até o consumo. De fato, todas as pesquisas indicam uma redução nas emissões de gases do efeito estufa na combustão quando já está nos motores das máquinas, porém quando se analisa desde o desmatamento até o consumo, existem diversos impactos não analisados e que reduzem seu potencial como energia limpa. Esse é um dos primeiro pontos que fica falho neste projeto. Outro fator é o uso de fertilizantes a base de petróleo 1279

4 na produção de agro-combustíveis que, na combustão, emitem na atmosfera óxido nítrico, um gás estufa 300 vezes mais potentes do que o CO 2. De fato, todas as pesquisas indicam uma redução nas emissões de gases do efeito estufa na combustão quando já está nos motores das máquinas, porém quando se analisa desde o desmatamento até o consumo, existem diversos impactos não analisados e que reduzem seu potencial como energia limpa. O governo calcula que há para essas plantações de 150 milhões 524 há 200 milhões 525 de hectares de terra disponíveis para agricultura no Brasil, incluindo floresta tropical seca serrado, pastos, e pântanos como degradados e aptos para o cultivo. Este ponto causa discordância, e o que se afirma é que: Esses são ecossistemas bio-diversos da Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal, ocupados por povos indígenas, pela agricultura de subsistência, e por grandes fazendas de gado. A introdução das plantações de agrocombustíveis irá simplesmente empurrar essas comunidades para as fronteiras agrícolas do Amazonas 526 O problema é real, já que cada vez que se propõe um novo cultivo - agora o dos agro-combustíveis, entre eles as oleaginosas para o biodiesel - são desrespeitadas as terras indígenas, as pequenas propriedades rurais; acaba por gerar mais desmatamento, invadindo as parcas reservas ambientais do Brasil e destruindo a biodiversidade, tanto podendo se referir a Mata Atlântica, quanto a maior entrada no Cerrado, quanto ao aumento do ritmo de desmatamento da Amazônia. 524 Idem. 525 Plano Nacional de Agroenergia , Via campesina Brasil, Soberania Alimentar, os Agrocombustíveis e a Soberania Energética. Publ. VCB e outros; Brasília, 2007, 111 pags. 526 HOLT-GIMÉNEZ, Eric. Biocombustíveis: Os cinco mitos da transição dos agro-combustíveis. In: VIA Campesina Brasil. Situação e perspectivas da agroenergia. Publ. VCB e outros; Brasília, 2007, pp

5 Isto sem contar o risco de encarecimento da carne devido a diminuição dos pastos para gado e conseqüente diminuição da produção. A produção de dendê (óleo de palma) já causou em outros países, Colômbia, Equador, Indonésia, devastação de grandes extensões das florestas, sendo que na Malásia, maior produtor mundial de óleo de palma, 87% das florestas foram devastadas. 527 Vê-se também, claramente, através de afirmação do governo, que o interesse na causa ambiental também é um marketing para o Brasil se inserir no mercado internacional com mais força, qual será o real interesse no biodiesel? Com a inserção no mercado mundial, a produção terá que ser muito maior do que os 5% de mistura de biodiesel ao petrodiesel no Brasil, e apesar no programa indicar possíveis lucros com a exportação, não tem um planejamento sólido para o aumento advindo deste novo mercado nem uma estrutura capaz de lidar com este mercado nos moldes em que o PNPB afirma se basear. O cultivo intensivo de plantas para a produção de agrocombustíveis pode gerar erosão, principalmente a soja, que segundo Holt- Giménez, supre 40% do biodiesel do Brasil e, segundo Karina Kato, cuja publicação na agência Carta Maior, está também no site do Conselho Nacional de Segurança alimentar e nutricional, órgão do Governo Federal, 90% de todo biodiesel produzido no ano de 2008 foi derivado de soja, pois é [...] a única que possui escala e, portanto, capacidade automática de fornecimento de matéria-prima em grandes quantidades 528. Ou seja, proveniente do agro-negócio, cujo cultivo é em latifúndios monocultores, que desgastam o solo, usam pesadamente de agrotóxicos e maquinário, na qual vem havendo a entrada de transgênicos, concentração de renda, 527 Agroenergia: mitos e impactos na América Latina. Comissão Pastoral Da Terra; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (orgs.). Publicação: CPT, Grito dos Excluídos Continental, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM): São Paulo, Caderno de formação 4. Pag KATO, Karina. Biodiesel e o desenvolvimento regional, Agência Carta Maior, 17/03/08. In: Portal do Conselho de Segurança Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional acesso em

6 pouquíssima mão-de-obra, na maioria das vezes mal-remunerada. Assim, mostra-se frágil o argumento desta política pública como auxiliar na inclusão social de camponeses e pequenos agricultores. Soberania Alimentar O conceito de Soberania alimentar do qual deriva a crítica é aquele que a Via Campesina junto a outros põem a mostra em uma de suas cartilhas: concebida como o direito e a capacidade dos povos, a partir das suas bases, de produzir sustentavelmente e de forma diversa e adequada as suas culturas, alimentos de qualidade, suficientes e acessíveis a todos. 529 Diante deste conceito pensemos os riscos deste programa governamental; apesar de se propor uma divisão do espaço da terra entre o cultivo de oleaginosas e o cultivo das culturas necessárias para alimentação como o feijão, o arroz e outros cereais, o programa investe financeiramente na produção de agro-combustíveis, são incentivos fiscais e leis para incentivo a produção de agro-combustíveis. As afirmações dentro do plano, e as políticas governamentais nos levam a perceber que as estratégias tomadas canalizam para uma valorização da produção de agro-combustíveis em relação à de alimentos, já que projetos ligados ao biodiesel, enquadrados no Selo Combustível Social, [...] tem financiamentos melhores junto ao BNDES e outras instituições financeiras, além de dar o direito de concorrência em leilões de compra de biodiesel (...) na safra os agricultores familiares que desejarem participar da cadeia produtiva do biodiesel têm 529 VIA Campesina Brasil, Soberania Alimentar, os Agrocombustíveis e a Soberania Energética. Publ. VCB e outros; Brasília, 2007, pp

7 a disposição uma linha de crédito adicional do Pronaf para o cultivo de oleaginosas. Com isso, o produtor terá uma possibilidade a mais de gerar renda, sem deixar a atividade principal de plantio de alimentos. 530 Outra afirmação refere-se a áreas disponíveis para o plantio, o Governo Federal defende que o Brasil dispõe de grandes extensões de terras agricultáveis, muitas das quais, não propícias ao cultivo de alimentos, mas ótimas para produção das oleaginosas usadas para se fazer os agro-combustíveis 531 (afirmação não explica que muitas das espécies usadas são de cultivos alimentícios). A substituição da produção de alimentos por agro-combustíveis, ou a priorização desta gera também a dependência do agricultor familiar à cadeia de produção dos agro-combustíveis (não gerando inclusão social) as grandes empresas capitalistas brasileiras e estrangeiras, gigantes petroleiras, indústrias de automóveis, engenharia genética, indústrias de fertilizantes, etc., como a Monsanto e a ADM, Volkswagen, DuPont e Toyota que já estão fazendo parcerias. Relativo à substituição dos alimentos, fere-se a segurança e a Soberania Alimentar em vários aspectos porque leva a um aumento no preço dos alimentos, pois, no Brasil, os pequenos e médios agricultores são responsáveis por 70% da produção interna de alimentos; a substituição por agro-combustíveis levará a diminuição de uma produção interna e, conseqüente necessidade de importação e aumento dos preços, além do fato que vem aumentando o preço dos alimentos em nível global por diversos fatores; que é grave se considerado que a cada 1% que sobe nos preços dos alimentos 16 milhões de pessoas perdem sua segurança acessado dia (grifo nosso) pp

8 alimentar no mundo 532, com os agro-combustíveis essa situação de risco alimentar só tende a aumentar. Retornando a questão do plantio de oleaginosas para os agrocombustíveis no sistema de latifúndios, devemos lembrar que a produção no sistema do agronegócio não atende as expectativas do PNPB em melhoria ambiental e social, ao concentrar terra, fazer plantio em sistema de monocultura, com uso pesado de agrotóxicos e exploração da força de trabalho, quando ela não é substituída pelo uso de maquinário pesado que também degrada o solo. Ou seja, é um programa de desenvolvimento complicado que corre sérios riscos de ferir soberania alimentar, como alerta os movimentos sociais. Conclusão As entidades e movimentos sociais é claro opõem-se aos moldes que vêm se desenvolvendo a produção de agro-combustíveis e ao PNPB, por gerar impactos ambientais e sociais, aumentando a degradação do ambiente, e tornando o produtor dependente de grandes empresas, em sua maioria estrangeiras, acarretando maior exclusão social (o inverso do proposto pelo programa do biodiesel), e dificultando o acesso das camadas mais pobres a alimentação; além de estimular a produção de combustíveis mais que de alimentos, impede o desenvolvimento da Soberania Alimentar da população impedindo a formação de uma produção agrícola autônoma e de qualidade. Porém, vale dizer que, isso não significa negar a opção de uso de cultivos diversos para agroenergia, pois, a todo momento, eles defendem que o modo de se estabelecer qualquer atividade agrícola se realiza por 532 HOLT-GIMÉNEZ, Eric. Biocombustíveis: Os cinco mitos da transição dos agro-combustíveis,. In: VIA Campesina Brasil. Situação e perspectivas da agroenergia. Publ. VCB e outros; Brasília, 2007, pp

9 intermédio de uma agricultura camponesa 533 que respeite a biodiversidade, os valores culturais, sem agrotóxicos, baseado na agroecologia 534 (produção agrícola sem fertilizantes e dialogando com o entorno natural), sem transgênicos e que defenda a autonomia dos povos, sendo necessária uma reforma agrária para alcançar estes princípios. 533 Agroenergia: mitos e impactos na América Latina. Comissão Pastoral Da Terra; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (orgs.). Publicação: CPT, Grito dos Excluídos Continental, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM): São Paulo, Caderno de formação

10 Referências: Agroenergia: mitos e impactos na América Latina. Comissão Pastoral Da Terra; Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (Orgs.). Publicação: CPT, Grito dos Excluídos Continental, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM): São Paulo, Caderno de formação 4, 52 pags. ALMEIDA, Jozimar Paes de, A Extinção do Arco-íris: Ecologia e História, Campinas: Papirus, Biodiesel, o óleo filosofal: Desafios para a educação ambiental no caldeirão do desenvolvimento sustentável. Londrina: Atritoart Editorial, GONÇALVEZ, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente, São Paulo: Contexto, HOLT-GIMÉNEZ, Eric. Biocombustíveis: Os cinco mitos da transição dos agro-combustíveis. In: VIA Campesina Brasil. Situação e perspectivas da agroenergia. Publ. VCB e outros; Brasília, pags NORONHA, Sílvia e ORTIZ, Lúcia [Coord.], Agronegócio e biocombustíveis: uma mistura explosiva - impactos da expansão das monoculturas para a produção de bioenergia. Rio de Janeiro: Núcleo Amigos da Terra/ Brasil, RATHMANN, Régis; BENEDETTI, Omar; PLÁ, Juan Algorta; PADULA, Antonio Domingos. Biodiesel: Uma alternativa estratégica na matriz energética brasileira? Rio Grande do Sul, Portal do Biodiesel < acesso em: VIA Campesina Brasil. Situação e perspectivas da agroenergia. Publ. VCB e outros; Brasília, 2007, 116 pags VIA Campesina Brasil, Soberania Alimentar, os Agrocombustíveis e a Soberania Energética. Publ. VCB e outros; Brasília, WORSTER, Donald. Para Fazer História Ambiental. In: Revista Estudos Históricos, RJ, Vol. 4, n. 8, 1991, pp Fontes para consulta e disseminação eletrônica nacional e local. acesso em acesso em acesso em

11 acesso em acesso em