Tratamento de Efluentes Líquidos e Sólidos Primeira Parte
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- Bianca Ferrão Osório
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1 Tratamento de Efluentes Líquidos e Sólidos Primeira Parte A população brasileira obtém água bruta principalmente por meio de origens superficiais, ou seja, rios e lagos, tratada para tornar-se adequada ao abastecimento, realizado por uma rede de distribuição. Com o consumo, há uma alteração nas características da água e esta passa a ser denominada água servida. Esta água tem grande potencial degradante, que afetará diretamente a qualidade do corpo receptor. Os esgotos, ou águas residuárias são constituídos de substâncias, materiais e organismos; o potencial de contaminação destes é elevado, de sorte que são construídos sistemas de coleta a fim de que se promova seu afastamento das áreas de consumo. Estes sistemas podem ser: Unitário: as águas servidas e as águas pluviais são conduzidas a um único coletor. Os inconvenientes deste sistema são a utilização de condutos de grande dimensão (vazões bastante elevadas durante chuvas intensas), investimento simultâneo elevado, risco de assoreamento das tubulações e, principalmente, não há controle da poluição eficiente. Separador parcial: neste sistema, são encaminhadas as águas servidas e a parcela das águas pluviais oriundas das edificações (ralos, telhados etc.). Embora as canalizações possam ser de menor dimensão, ainda há muitos dos inconvenientes apontados anteriormente. Separador absoluto: somente são conduzidas aos coletores as águas servidas. As principais vantagens são a presença de vazões bem menores, com pequenas variações de amplitude durante o dia; disto implica a construção de canalizações de menores dimensões e projetos de estações de tratamento mais eficazes. Este sistema possibilita total controle da poluição de águas superficiais. Este é o sistema utilizado no Brasil, ainda que a presença de lançamentos clandestinos e má conservação dos tampões de visitação permitam que grandes vazões de águas pluviais sejam dirigidas às tubulações impeça um melhor desempenho das estações de tratamento de esgoto existentes. De acordo com os usos da água, ainda há a classificação dos esgotos em quatro tipos principais: Domésticos (ou sanitários); Industriais; Pluviais;
2 Lodo das estações de tratamento. O esgoto doméstico resulta da utilização da água em residências em quaisquer atividades humanas. As águas residuárias resultantes de um processo industrial fazem parte do segundo tipo de esgoto. Ambas são fontes pontuais grandes inserções de matéria orgânica bem delimitadas, responsáveis pela depleção do oxigênio em cursos d água. As águas residuárias pluviais são importantes contribuidoras não pontuais pela poluição dos cursos d água. Esgoto doméstico Resultante do uso da água potável em residências. Suas características dependem do perfil do consumidor, bem como localização geográfica, cultura e condição econômica. Por exemplo, em uma população brasileira de baixa renda, mais da metade da água é consumida nos banhos e nos EUA se gasta mais em lavagem de roupas que na Suíça. Observe a tabela abaixo: Nota-se também, no Brasil, que regiões de melhor desenvolvimento econômico, também são as que possuem maior gasto per capita de água. As características dos esgotos são bastante variáveis, tal como o perfil de consumo de água, mas de modo geral pode-se dizer que: O esgoto é composto por cerca de 99.92% de água e apenas 0.08% de substâncias, sendo que estas são bastante ricas em matéria orgânica
3 (70%). Da matéria orgânica presente, grande parte é composta por proteínas (de 40% a 60%), carboidratos (25 a 50%) e o restante cerca de 10% - apresenta-se na forma de gorduras. Os lipídeos são os mais dificilmente biodegradados, seguidos pelas proteínas. Os carboidratos são facilmente degradados. A produção diária de esgoto sanitário é da ordem de 48 a 54g de DBO por habitante, o que representa em torno de 80% da água que adentrou na residência. A matéria inorgânica se apresenta na forma de areia e substâncias dissolvidas, tais como cloretos, metais pesados, nitrogênio, fósforo, enxofre e compostos tóxicos. Podem ser encontrados os gases sulfídrico, metano e oxigênio. No esgoto, há também um grande número de microorganismos, sendo alguns inclusive de alta patogenicidade. Situação do tratamento de esgotos no Brasil Cerca da metade do esgoto produzido no Brasil não apresenta uma correta disposição no ambiente. Este número é alarmante mesmo nas principais cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. O tratamento deve ser realizado de modo que o corpo receptor não sofra alterações nos parâmetros de qualidade. Os sólidos suspensos depositam-se no fundo do ambiente aquático, formando lodo e odores, além de reduzirem os níveis de oxigênio dissolvido na água.
4 Além disso, o excesso de nutrientes pode gerar a eutrofização (crescimento exagerado de algas) e os microorganismos existentes podem transmitir variadas doenças. Autodepuração O lançamento de efluentes de origem doméstica gera um aumento no consumo de oxigênio resultante da estabilização da matéria orgânica pelas bactérias denominadas decompositoras. A decomposição da matéria orgânica irá gerar, posteriormente, uma recuperação da água deste curso d água, auxiliada por acidentes naturais por exemplo, cachoeiras elevam o nível de oxigênio dissolvido. Tal recuperação recebe o nome de autodepuração. O que deve ser observado é que o ecossistema de um rio, mesmo após os processos de autodepuração é diferente, pois o equilíbrio se processa em concentrações diferentes de nutrientes e substâncias, que não existiam no curso d água originalmente. A entrada da fonte poluidora desequilibra o ecossistema por completo, reduzindo a diversidade entre as espécies e matando em especial as mais sensíveis aos produtos despejados. Após um processo de seleção, os organismos resistentes passam a se desenvolver e o meio ambiente se estabiliza. Este processo gera inúmeras regiões em um curso d água, denominadas, zonas de autodepuração, que são: -Águas limpas: antes do contato com o efluente; caracteriza-se pelo equilíbrio ecológico e elevada qualidade da água; -Zona de degradação: inicia-se com a inserção pontual do efluente. Produz uma água turva, depositam-se partículas de fundo e há um salto na quantidade de matéria orgânica disponível. Ainda existe oxigênio, mas as espécies menos adaptadas não são capazes de sobreviver. A proliferação de organismos aeróbios culmina por reduzir os níveis de oxigênio no curso d água; -Zona de decomposição ativa (ou séptica): a cor do curso d água torna-se acentuadamente cinza e há depósito de lodo. Odores podem ser sentidos. O oxigênio dissolvido atinge sua menor concentração, podendo até zerar. Isto cria condições para o desenvolvimento da vida anaeróbia e produção de mais gases, em especial o metano e gases sulfídricos. -Zona de recuperação: o alto consumo de matéria orgânica começa a fazer com que ela volte a se estabilizar. A água fica mais clara e o oxigênio inicia seu processo de recuperação. Predominam as formas oxidadas dos compostos de nitrogênio: nitratos, nitritos e amônia (zona de mineralização).
5 O fósforo e o enxofre são oxidados, fornecendo meios para o desenvolvimento de algas e outras plantas fotossintetizantes. Estas, por sua vez, provocam uma diminuição nas populações de bactérias e protozoários e elevação na presença dos primeiros animais superiores. Após a zona de recuperação e o surgimento de peixes mais tolerantes, volta-se a região de águas limpas. A zona de mineralização gera uma água mais fértil e permite a presença de outros organismos não presentes no curso d água original. Tratamento de Esgotos Para tratar esgotos, faz-se necessária uma classificação dos diferentes níveis de tratamento: 1) Preliminar: visa à retirada de sólidos grosseiros; 2) Primário: visa à remoção de sólidos sedimentáveis e parte da matéria orgânica; 3) Secundário: predominam mecanismos biológicos (anaeróbios e aeróbios) visando à remoção de matéria orgânica;
6 4) Terciário: remove nutrientes, microorganismos patogênicos e poluentes não-biodegradáveis, como agrotóxicos e metais pesados. Observações: A relação DBO/DQO (material biológico em relação à matéria orgânica total) é entre 40% e 60% em um esgoto sanitário. O lodo produzido em tratamentos posteriores pode voltar ao lago aeróbio para garantir a presença de microorganismos lodo ativado. O número de bactérias não cresce imediatamente após a inserção de matéria orgânica pois envolve um processo de adaptação ao ambiente e posterior reprodução (no caso, exponencial). Tal estrutura pode ser esquematizada abaixo: Tratamento preliminar Nesta etapa, predominam os mecanismos físicos de remoção de sólidos grosseiros e areia dos esgotos. O gradeamento consiste na utilização de grades, constituídas geralmente por barras metálicas paralelas para retenção de corpos flutuantes e sólidos grosseiros em suspensão. Este processo objetiva proteger tubulações e mecanismos que traria danos materiais à estação de tratamento.
7 Existem três tipos de grades, as grosseiras (de abertura entre 4 e 10 cm), as comuns (de abertura entre 2 e 4 cm) e as finas, com abertura inferior a 2 cm. As velocidades de escoamento recomendadas são: -Mínima: 0.4 m/s -Média mais utilizada: 0.6 m/s -Máxima: 0.75 m/s Caixas de areia (ou desarenadores) são utilizadas para remoção da areia que chega às estações grande parte por lançamentos ilegais. Sua remoção é realizada por unidades específicas, onde se emprega o mecanismo da sedimentação fracionada. A matéria orgânica, de sedimentação mais lenta, permanece em suspensão. Estes desarenadores garantem uma menor abrasão e evitam o entupimento das tubulações à jusante. São constituídos de câmaras que possibilitam o alargamento brusco da seção, fazendo com que a velocidade se reduza e o regime passe do turbulento ao laminar. Estas devem ter capacidade de retenção suficiente para armazenar grandes quantidades de areia que é removida das tubulações. Abaixo estão relacionados os tipos de sedimentação em uma estação de tratamento de esgotos:
8 De forma geral, quanto menor a partícula, menor é a velocidade de sedimentação da mesma. A velocidade do escoamento em caixas de areia deve ser próxima de 0.3 m/s, devendo-se evitar velocidades inferiores a 0.15 m/s para que se evite a deposição de matéria orgânica. Recomenda-se a instalação de duas caixas de areia para segurança do sistema. Decantação x Sedimentação A sedimentação acontece no decantador. É a água que decanta; os sólidos sedimentam-se. Tratamento primário Após o tratamento preliminar, inicia-se o processo de eliminação parcial de sólidos em suspensão não grosseiros em unidades de sedimentação os decantadores. São tanques de forma circular ou retangular que possibilitam uma baixa fluência do esgoto e conseqüente deposição de sólidos em suspensão. Esta deposição origina o denominado lodo primário bruto, que pode ser removido por tubulações ou raspadores mecânicos. É neste tratamento que óleos e graxas, bem como líquidos de menor densidade também são removidos para posterior tratamento. Atinge-se, ao final do processo, uma porcentagem de remoção de até 60% para os sólidos em suspensão e cerca de 30% de DBO. O tempo necessário para que haja precipitação é denominado tempo de detenção hidráulica (TDH) e é pré-determinado no dimensionamento do decantador. A água não deve sofrer nenhuma turbulência afim de que se facilite a decantação. Alguns valores típicos para o dimensionamento de decantadores estão relacionados abaixo:
9 Detalhes do dimensionamento: 1) Obtenção do volume: é o produto da vazão diária pelo TDH (V/Q), dividido pelo número de horas de um dia. 2) Obtenção da área superficial: adotar o valor de profundidade indicado pela tabela. 3) Conferir TAS: dividir a vazão diária pelo número de unidades e a área superficial. 4) Cálculo do diâmetro ou lados: usar a área superficial. Para retangular, usar relação L/B de 2 a 4. Os tanques de areia circulares estão relacionados com as curvas de um rio, onde a deposição de areia ocorre na margem interna do curso d água. (Nestes tanques, o lodo é retirado por tubulação localizada no centro do círculo) Tratamento biológico Este tratamento ocorre inteiramente pela ação de microorganismos nos processos metabólicos destes. Estes processos são baseados no sistema de autodepuração que ocorre na natureza. As reações bioquímicas são realizadas por diferentes tipos de microorganismos, que podem ou não, atuar em conjunto.
10 Na figura acima, são exibidos os principais microorganismos presentes no esgoto e sua importância no tratamento biológico. De uma forma geral, seres vivos necessitam de uma fonte de energia e de carbono para poderem desempenhar suas funções vitais. Sendo assim, os organismos podem ser classificados em: -Fotoautótrofos: quando a fonte de energia é a luz, e a fonte de carbono é o gás carbônico. Ex.: plantas superiores, bactérias fotossintéticas. -Fotoheterótrofos: quando a fonte de energia é a luz, mas a fonte de carbono é a matéria orgânica. Ex.: bactérias fotossintéticas. -Quimioautótrofos: quando a fonte de energia é a matéria orgânica, e a fonte de carbono é o gás carbônico. Ex.: bactérias. -Quimioheterótrofos: quando a fonte de energia e a fonte de carbono é a matéria orgânica. Ex.: animais superiores. O metabolismo bacteriano é dividido em duas vias: o catabolismo (oxidação de matéria orgânica) e o anabolismo (formação de novas células), como esquema abaixo: Além disso, os parâmetros ambientais devem ser favoráveis, tais como temperatura e ph. O ph ideal para a proliferação de bactérias é muito próximo da neutralidade, algo em torno de 6.5 e 7.5. As bactérias podem ser classificadas de acordo com a faixa ótima de temperatura para seu desenvolvimento. As que sobrevivem em temperaturas entre 12 e 18 graus são denominadas psicrofílicas, entre 25 e 40 graus são mesofílicas (são as que degradam matéria orgânica mais rapidamente) e entre 55 e 65 graus são as termofílicas. O esgoto só é bem tratado com a presença de grande massa de bactérias ativas atuantes no processo de digestão, além de um contato intenso entre o material orgânico e esta massa. Processo aeróbio É um processo biológico que ocorre na presença de oxigênio.
11 As bactérias então promovem a transformação de compostos orgânicos complexos em produtos mais simples gás carbônico, água e compostos não biodegradáveis. Veja abaixo o exemplo, na equação de degradação da glicose: C 6 H 12 O O 2 6 CO H 2 O Os microorganismos dependem também da carga quantidade de matéria orgânica presente no sistema, tal como é apresentado no gráfico abaixo: As vantagens do sistema aeróbio é a produção do efluente em boa qualidade atende os padrões de lançamento de acordo com as legislações vigentes, a remoção de nutrientes é possível e o tempo necessário para se atingir a eficiência esperada é baixo. Este tempo se deve ao processo de desenvolvimento bacteriano, que esquematicamente se processa como no gráfico abaixo: O sistema aeróbio é dependente de uma composição bastante restrita do efluente. Ex.: 100 DBO : 5 N : 1 P.
12 A união de microorganismos pode adquirir forma de grânulos mais densos (textura de grão de arroz) ou flocos (os primeiros são comuns nos reatores anaeróbios e os últimos, em anaeróbios). As desvantagens que podem ser apontadas são a alta geração de lodo e o elevado consumo de energia para garantir a aeração do sistema. Processo anaeróbio Processo biológico que ocorre na ausência de oxigênio. Este gás é tóxico para os organismos envolvidos. A matéria orgânica é degradada em compostos mais simples, como o metano e o gás carbônico. Neste sistema, os microorganismos são bastante especializados e as reações são efetuadas por cada grupo específico deles. Veja esquema: O processo bioquímico envolvido é complexo e se processa em variadas reações seqüenciais, que realizam diversas funções, entre as quais: Hidrólise: neste passo, que também ocorre em reatores aeróbios, o material orgânico é convertido em compostos de menor peso molecular. Sendo assim, proteínas se transformam em aminoácidos, carboidratos em açúcares solúveis e lipídeos em ácidos graxos poliméricos e glicerina.
13 Acidogênese: os compostos dissolvidos são absorvidos nas células de bactérias fermentativas e são excretados ácidos graxos de menor cadeia. Acetogênese: a conversão dos ácidos em substratos para a produção do metano ocorre na terceira etapa. São formados acetatos, hidrogênio gasoso e dióxido de carbono. Metanogênese: A formação de metano propriamente dita, pelas bactérias denominadas arquéias metanogênicas sensíveis à variação do ph e temperatura. Estas reduzem o ácido acético e o gás carbônico. O mecanismo anaeróbio apresenta diversas vantagens, dentre as quais: o baixo consumo de energia, a menor produção de lodo, a obtenção de metano, que pode ser usado como combustível e o funcionamento após períodos de interrupção. Como desvantagem, o sistema anaeróbio necessita de um maior período de partida (bactérias se reproduzem mais lentamente), a sensibilidade a mudanças ambientais é maior, maus odores são produzidos e faz-se necessário pós-tratamento. A tendência é a utilização de reatores anaeróbios como primeira etapa do tratamento secundário, seguida da construção de reatores aeróbios para a remoção da matéria orgânica remanescente. Disto resulta um efluente de melhor qualidade e gastos energéticos reduzidos. Biomassa Biomassa é a população de microorganismos responsáveis pela degradação da matéria orgânica. Ela pode ocorrer em reator biológico de duas formas: - Dispersa: crescimento ocorre na forma de flocos biológicos, sem a necessidade de estruturas de sustentação. É composta de uma matriz de polissacarídeos, bactérias filamentosas (que garantem a rigidez) e bactérias colodais aderidas. - Aderida: cresce aderida a um meio suporte, formando um biofilme. Tal meio pode ser um sólido natural ou artificial. Ocorre principalmente em reatores anaeróbios. Uma das principais condições para a seleção da biomassa é a imobilização no interior do reator. Se ocorrer perda de lodo, a velocidade de tratamento será reduzida e necessitará de uma estrutura maior para melhorar seu desempenho. Comparação final entre reatores aeróbios e anaeróbios Por fim, analisemos o percentual de matéria orgânica transformada em cada um dos tipos de reatores:
14 O biogás é composto em sua maior parte (até 70%) por metano, sendo excelente combustível. Seguem tabelas de principais poluentes e principais mecanismos de remoção de poluentes em águas residuárias:
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