INFÂNCIA E DIVERSIDADE: AS CULTURAS INFANTIS Ângela Maria Scalabrin Coutinho (UFSC) INTRODUÇÃO
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- Pedro Lucas Lemos Barata
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1 INFÂNCIA E DIVERSIDADE: AS CULTURAS INFANTIS Ângela Maria Scalabrin Coutinho (UFSC) INTRODUÇÃO José Machado Pais (1993), ao tratar das culturas juvenis, aponta para a necessidade de compreensão da juventude no campo semântico da diversidade, para o autor temos que treinar nosso olhar buscando ver através dos nomes das coisas, os conceitos, as idéias que englobam, a sua riqueza semântica. Na infância, esta proposição nos remete a uma leitura do que a constitui: as crianças, as suas diferenças, o lugar onde vivem, as coisas que fazem, dentre outras. As últimas pesquisas em educação infantil 1 têm apontado para a necessidade de se considerar tais questões, inclusive reforçando a idéia de que o foco de nosso olhar devem ser as crianças, visando cada vez mais conhecê-las, saber mais a respeito de quem falamos, normalmente do nosso ponto de vista, que é um jeito adultocêntrico de racionalizar as percepções. Aliás, para as crianças os modos de ser, de se relacionar, de criar não são meros coadjuvantes, eles são os mais apurados empreendimentos. As crianças não economizam energia no seu dia- a- dia, elas se expressam pelo olhar, pelo toque, pela fala, pelo corpo, até pela "não expressão". Aventurar-se neste universo, exige dos pesquisadores alguns saberes que os convida a aliar a função de criançólogos, como denomina Ana Lúcia Goulart de Faria, a criancistas, não só sendo especialistas em crianças, mas tornando-se (ou retomando) uma delas e defendendo seus direitos, suas vontades. Nesta aspiração a encontrar formas adequadas de olhar, ouvir, sentir estas crianças, e principalmente em interpretá-las, retomo a questão da diversidade, já citada por Pais, e a situo como um eixo central da discussão das culturas infantis. Sendo, as culturas infantis plurais, e estando a elas atrelados contextos sócio- culturais mais amplos que estritamente o da infância (Pinto e Sarmento,1997), não cabe concluir que basta ser criança para produzir "cultura infantil". Há, que se relativizar a criação das culturas infantis em detrimento de serem próprias de infâncias e contextos diversificados. 1 A respeito ver: BUFALO, 1997; PEREIRA, 1997; PRADO,1998 ; BATISTA, 1998;.FERNANDES, 1998.
2 1 Isto nos leva a pensar em que situações as crianças produzem e manifestam suas culturas. Partindo do conceito de cultura, no qual cultura é...entendida como produção e criação da linguagem... dos instrumentos de trabalho, das formas de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais, a cultura é o campo no qual a sociedade inteira participa elaborando seus símbolos e seus signos, suas práticas e seus valores, definindo para si o possível e o impossível, a linha do tempo (passado, presente, futuro), as distinções do interior do espaço, os valores, como o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto, a noção de lei, e, portanto, do permitido e do proibido, a relação com o visível e o invisível, com o sagrado e com o profano, tudo isso passa a constituir a cultura no seu todo (CHAUÍ, 1989: 51). Nos parece impossível pensar que em algum momento, em alguma situação elas não produzam cultura. No entanto, que significados possuem estas criações individuais (que são geradas no contato social) quando se relacionam num espaço coletivo? Como abarcar esta diversidade cultural em espaços que objetivam a homogeneização (como é o caso da maioria das instituições de educação infantil)? Pensar a diversidade, a meu ver, exige uma apropriação de conhecimentos de outras áreas, principalmente da antropologia, que se ocupa em conhecer e refletir a respeito do outro como diferente, atendo-se ao fato que...enfrentamos o desafio de ter que inverter o olhar e compreender, como diz Larrosa, Lara, a imagem do outro não como a imagem que olhamos, mas como a imagem que nos interpela (op.cit.p.8). É neste sentido, que a cultura e a alteridade revelam muitas linguagens presentes no social, mas que se fazem invisíveis aos olhos e ouvidos, dado que nossa percepção encontra-se cativa de nosso pensar por princípios e valores de nossa cultura, tidos por nós como universais, verdadeiros, legítimos e únicos (Gusmão, 1999: 42). Percebe-se assim, que o desafio não é só de conhecer a imagem do outro criança", mas conseguir desvencilhar nossos modos de ver da nossa cultura adulta. Pensar a infância partindo dela mesma.
3 2 Contemplar a infância sob sua óptica, com certeza não é tarefa fácil, tendo em vista que são vários os fatores que caracterizam as diferentes infâncias. No entanto, a partir do momento que tem- se esta referência, de se pensar a educação infantil pelos saberes próprios da infância, os pesquisadores têm buscado produzir ensaios neste sentido, com o esforço de aproximar nossas percepções as múltiplas expressões das crianças e produzir conhecimentos que legitimem uma Pedagogia da Educação Infantil. A INFÂNCIA E AS CEM LINGUAGENS A criança é feita de cem... A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubam-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo... Dizem-lhe enfim: Que o cem não existe. A criança diz: Ao contrário o cem existe. (Loris Malaguzzi) As frases selecionadas do poema de Loris Malaguzzi, são propositais, com o intuito de demonstrar que a infância persiste em seus modos de ser. O criar, o brincar, o sonhar, o estar com o outro, e tantas outras expressões contínuas das crianças esbarram em muitos ideologismos do adulto: agora não pode, agora não é hora, este não é um lugar para isto, no entanto elas persistem. Batista (1997) ao analisar a rotina no dia- a- dia da creche: entre o proposto e o vivido, conclui que a rotina está à mercê de toda uma organização burocrática, de preceitos adultos de ordem, de uma sociedade capitalista que impõe regras e modos de relação pautados na competição. E a criança, como fica em meio a tantas determinações?
4 3 Ela reage. Ela cria meios para transgredir aquilo que não lhe dá prazer, o que para ela não faz sentido. As cem linguagens que a criança insiste em afirmar que existem, são pelas instituições de educação infantil pouco consideradas, e aí atribua-se os mais diversos motivos, falta de formação profissional, pouco recurso material e pessoal, uma cultura massificante, as influências de concepções desenvolvimentistas (psicologia do desenvolvimento), que por algum tempo determinaram o foco da educação das crianças como sendo o seu desenvolvimento psíquico- social, dentre outras. No momento, em que, emerge nas discussões sobre a educação infantil a necessidade de nos alfabetizarmos nas múltiplas linguagens das crianças, para podermos então pensar numa educação voltada para elas que respeite seu direito a viver sua infância plenamente, também se inclui as culturas infantis como o desconhecido ou pouco conhecido que é essencial aos nossos saberes, tendo: (...) as transgressões criativas, produto e produtora de uma cultura da infância, rica pela especificidade que é portadora. A cultura da infância nos obriga a rever o absolutismo do pensamento, a intolerância das práticas discriminatórias, a considerar as possibilidades de um trânsito entre competências e sujeitos diversos, mas, nem por isso, hierarquizáveis e desiguais (...) (Gusmão, 1999: 52). Neusa Gusmão (1999) chama a atenção para a abrangência das culturas infantis e como estas podem nos apresentar a diversidade, com culturas que são criadas em contextos específicos, e que assim, são diversas, mas não hierarquizáveis. Neste âmbito, abre-se um leque de possibilidades, e mais, de necessidades de produção de conhecimentos a cerca das infâncias que existem e do que as constituem como tais, suas culturas, seus conhecimentos, suas especificidades, principalmente nos espaços de educação infantil. AS CULTURAS INFANTIS NOS MOMENTOS DE SONO, HIGIENE E ALIMENTAÇÃO
5 4 O trabalho com crianças entre zero e seis anos em instituições educativas, tem-nos feito refletir acerca da relação educar e cuidar, como os momentos que parecem, a olhares menos atentos, meros atos rotineiros, são na verdade situações de múltiplas vivências para as crianças. Se reduzirmos a faixa etária para zero a três anos, as crianças que freqüentam as creches, teremos ainda mais questões para serem abordadas, dado o tempo que é voltado para as situações de cuidado. Neste sentido, há questões a serem pensadas tanto do ponto de vista do adulto, que propõem tais situações, quanto das crianças, que as vivenciam. Sendo as últimas, as que possuem mais informações para nossas reflexões, já que nossa pretensão, dos adultos, é pensar políticas que proporcionem, às crianças, no âmbito da educação infantil, um atendimento de qualidade. Diante destas considerações, a pesquisa em andamento tem por principal objetivo dar visibilidade às ações criativas infantis, às suas criações e manifestações culturais, nos momentos de sono, higiene e alimentação. Sendo que, nestas situações as crianças utilizam várias formas de expressão, seus corpos, seus olhares, suas falas, são múltiplas. Outro fator importante de reflexão é a valorização destas situações no contexto da educação de crianças pequenas, que geralmente são vistas como práticas não nobres. PROCEDIMENTOS DE PESQUISA Uma primeira necessidade decorria do tema da pesquisa, pois ao eleger as culturas infantis tinha definido o que não gostaria de abordar, ou melhor, em que situações não gostaria de dialogar com o tema. Esta decisão tinha como base as leituras de pesquisas da área que já feitas, tendo em vista que o termo cultura na infância ou na educação infantil está muito vinculado ao brincar, e acredita-se que existam várias outras situações que nos apresentam a criança criadora e manifestante da sua cultura, e eram nestas situações que gostaria de observá-la, que gostaria de "ouvi-la". Mas, como perceber o cotidiano infantil sem ter contato com ele? Para saber que situações mais apresentariam a diversidade, a criação e manifestação cultural das crianças houve a necessidade aproximação a elas, às suas indicações. Desta forma fez-se necessário
6 5 um estudo exploratório, que foi realizado com o objetivo de suscitar questões indicativas de situações que possibilitassem a percepção de criações e manifestações culturais das crianças, bem como da diversidade na educação infantil. Este estudo consistiu na análise de imagens produzidas pela pesquisadora Rosa Batista (1998) em sua pesquisa de mestrado. Como um primeira aproximação e buscando conhecer os sujeitos da pesquisa, a instituição, o seu funcionamento, partiu-se para as observações participantes. Malinowski defini esta metodologia, afirmando que ela dá chances ao pesquisador de conhecer realmente seu objeto de pesquisa, levando em conta a multiplicidade da natureza humana (Malinowski, 1984). E é com o intuito de conhecer realmente as crianças, e se não for possível, pelo menos ter uma aproximação ao máximo dos seus jeitos de ser, que optou-se pela observação participante como um recurso metodológico. Os momentos da rotina da creche escolhidos para a reflexão são poucos discutidos e abordados cientificamente. Sendo assim, fazia-se necessário dados que também apresentassem o outro lado, ou seja, a visão das professoras, pois mesmo que o objetivo seja as criações infantis, não poderia desvincula-las de quem pensa e propõe estes momentos para as crianças. Então, buscou-se um outro instrumento que possibilitasse o contato com as concepções dos adultos que trabalham com o grupo, dentre os possíveis optou-se pela entrevista. Ao utilizar as imagens no estudo exploratório, pode-se perceber a riqueza de detalhes registrada através da filmagem e a abrangência do registro, que abarca todas as situações, possibilitando que então se faça uma seleção criteriosa do que registrar por escrito e utilizar como dado no estudo. Mesmo tendo claro a complexibilidade que envolve a análise de dados em forma de imagem, já tendo sido alertado por Batista em sua pesquisa (1998), este é percebido como imprescindível, sendo que as criações e manifestações culturais das crianças se dão numa dinâmica, que torna quase impossível registrar por escrito, e se envolver no enredo do acontecimento. Apresentar, interpretar o que as crianças fazem nestes momentos, é uma possibilidade, além de conhecer um pouco mais das crianças, de refletir sobre o planejamento e a organização destes e de acima de tudo buscar torná-los interessantes e voltados aos "jeitos de ser" das crianças.
7 6 Esquema do pôster TÍTULO INTRODUÇÃO QUESTÕES CENTRAIS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BATISTA, Rosa (1998). A rotina no dia-a-dia da creche: entre o proposto e o vivido.. Florianópolis: UFSC. Dissertação de mestrado. BUFALO, Joseane M.P (1997). Creche: lugar de criança, lugar de infância. Um estudo sobre as práticas educativas em um CEMEI de Campinas SP. Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, SP. Dissertação (Mestrado em Educação). CHAUÍ, Marilena (1989). Cultuar ou cultivar. In cultura, socialismo e democracia. Teoria e Debate. N º 8, outubro, novembro, dezembro. FERNANDES, Renata Sieiro (1998). Entre nós o sol: um estudo sobre as relações entre infância, imaginário e lúdico na atividade de brincar, em um programa público educacional não- escolar, na cidade de Paulínia- SP. Campinas: UNICAMP. Dissertação de mestrado. GEERTZ, Cliford (1989). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. GUSMÃO, Neusa M. M. de (1999). Linguagem, cultura e alteridade: imagens do outro. In:Cadernos de Pesquisa. nº 107, julho. LARROSA, Jorge, LARA, Nuria Pérez (orgs.), (1998). Imagens do outro. Rio de Janeiro: Vozes. MALINOWSKI, Bronislaw Kasper (1984). Os Argonautas do Pacífico Ocidental um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné malinésia. São Paulo Abril Cultural, 3 ed..
9 8 PAIS, José Machado (1993). Definindo uma problemática e um método de Investigação. In: Culturas Juvenis. Portugal: Imprensa Nacional, maio. P PEREIRA, Ângela M. N. M. (1997). A sociedade das crianças A'uwe Xavante: por uma antropologia da criança. Dissertação de mestrado, USP, S.P. PRADO, Patrícia Dias (1998). Educação e cultura na creche: um estudo sobre as Brincadeiras de crianças bem pequenininhas em um CEMEI de Campinas/ SP. Dissertação de mestrado, UNICAMP, SP. SARMENTO, Manuel J. e PINTO, Manuel (1997). As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. In: PINTO, Manuel e SARMENTO, Manuel Jacinto. As crianças contextos e identidades. Portugal, Centro de estudos da criança: Editora Bezerra: SOUZA Solange Jobim e PEREIRA, Rita Maria Ribes (1998). Infância, conhecimento e contemporaneidade. In: KRAMER, Sonia e LEITE, Maria Isabel F. P. (orgs.). Infância e produção cultural. Campinas, SP: Papirus.
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