INTERDISCIPLINARIDADE
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- Manoela Fortunato Duarte
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1 INTERDISCIPLINARIDADE Falaseclaramentedanecessidadeda EvoluçãoTransdisciplinarnaEducação;no entanto,seuexercícioefetivoeo Como?, sópoderãoserencontradoscomotrabalho conjuntodeindivíduosdevotadosaoinesgotável questionamentoarespeitodohomemedesua existência,nasociedadeenesteimenso, inescrutáveluniverso. EducaçãoeTransdisciplinaridade Introdução 1 Asuniversidadesfederaisbrasileirasestãovivendo, atualmente, a rica e controversa experiência da interdisciplinaridadecomoprojetoreuni, Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, programa do governofederalinstituídopelodecretonº.6.096,de24de abrilde2007.forammesesdereuniõescomrepresentantes dasfaculdadesafimdeelaborarumagradecurricularque comportasse disciplinas comuns a todos os alunos da universidade,assimcomodisciplinascomunsàgrandeárea. OobjetivonobredoprojetoREUNIéodecapacitarseus 1 Estecapítuloretomaeampliaasconsideraçõesfeitasem:PAULA,Adna Candidode. OsEstudosInterdisciplinareseAsPolíticasAcadêmicas. In:AnaisdoXIIICiclodeLiteratura SeminárioInternacional AsLetras emtempodepós.dourados:edufgd,2009:18.issn
2 alunos, com uma formação geral e humanista, para o domíniodeumsaberoperatórioquelhespermitaainserção no mercado de trabalho. Para esse fim, as universidades conceberamprogramasdeensinoquesearticulamemtorno deeixoscentrais,específicos,disciplinares,comaberturapara outrasdisciplinas. Aqualidadealmejadaparaesteníveldeensinotendease concretizar a partir da adesão dessas instituições ao programa e às suas diretrizes, com o conseqüente redesenho curricular dos seus cursos, valorizando a flexibilização e a interdisciplinaridade, diversificando as modalidades de graduação e articulandoa com a pós graduação, além do estabelecimento da necessária e inadiávelinterfacedaeducaçãosuperiorcomaeducação básica orientações já consagradas na LDB/96 e referendadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, definidaspelocne(reuni,2007:5). Nessa estrutura, no caso das Letras, o eixo central dialogacomafilosofia,asociologia,apsicologia,aeconomia, a política, a história, a geografia, o direito, entre outras disciplinas,formandoassimagrandeáreadashumanidades. Contudo, não basta simplesmente aproximar várias disciplinasemumprogramadeestudosparaseproduzirum saberinterdisciplinar.ainterdisciplinaridadeéumaprática altamentecomplexaqueexigeumareflexãoepistemológica. Os seminários realizados em diferentes universidades federais brasileiras apontaram para a necessidade do aprofundamento dessa reflexão, visto que, em muitos momentos,asdiscussõesnãoavançarampelafaltadeum entendimentoelaboradoedistintivodaspráticasinter,trans e pluridisciplinares. Muitas vezes o que imperava nestes 22
3 debateseraosensocomum,umsaberquenãosemostrava suficienteparaproduzirumanovaconfiguraçãodasgrades curriculares,dadoquelidasecompráticasdistintasemqueo focogeralestánasrelaçõesentresabereseaespecificidade estámarcadanasdiferentesmetodologias. 1.Percursohistórico Independentedequalsejaoberçodasuniversidades, a tradição grega, a Academia de Platão em 387 a. C., a vertentemedieval,ouasuniversidadesdoséculoxii,certoé queaambiguidadedosinteressessubjetivossempreditouos objetosprivilegiadosaseremestudados.enãoconvémdizer queasuniversidadesserviam,nessestemposidos,auma determinadaideologia,vistoqueotermosurgesomenteno iníciodoséculoxix,comantoinelouisclaudedestutt,mas serviam, sim, a interesses pessoais. A crítica marxista identificouqueasuniversidadesmodernas doséculoxix atéosdiasatuais tendemareproduzirosinteressesdas classesdominantes;contudo,paraalémdessaorientação,há aserconsideradooefeitodemodaqueorientaosinteresses acadêmicos em diferentes épocas. Até o século XII, por exemplo, imperava uma perspectiva multidimensional do cosmosedoserhumano(teixeira,2007:62)apoiadano mitojudaicocristãoenafilosofiaplatônica.masesteséculo foimarcadoporumagranderupturadavisãocosmológica, antropológicaeepistemológicadaintelectualidadeeuropéia (TEIXEIRA,2007:62),quepassouavalorizarumaconcepção racionaleempiristadoconhecimento.religião,filosofia e ciência foram separadas umas das outras e deixaram de integrar um compêndio de informações que ajudariam o indivíduoaentendersuaexistêncianomundo.nosséculos 23
4 que se seguiram, XIV, XV, XVI e XVII, pensadores como Bacon, Copérnico, Galileu, Newton e Descartes intensificaramaseparaçãoentretradição,religiãoerazão. Teixeiraobservaque apartirdasrupturasantropológicase cosmológicasquecomeçaramnoséculoxiiiesetornarama visãohegemônicanaselitesintelectuaisapartirdoséculo XVIII,duasforamasepistemologiasquepredominaramna eliteintelectualocidentaldosúltimosséculos:oracionalismo, doséculoxviiaoséculoxix,eoempirismo,doséculoxix até hoje (TEIXEIRA, 2007:6364). Por um lado, o racionalismo passou a ser a única fonte segura de conhecimento, e por outro, o empirismo passou a ser a extensão prática do racionalismo. A fragmentação dos processos de conhecimento seguiu seu rumo de maneira vertiginosa. No século XVIII, segundo Teixeira, apesardo Iluminismo reforçar a separação dos saberes conforme os objetosdoconhecimento,eleaindaafirmaanecessidadede umdiálogoentreeles.mas,énoséculoxixqueaseparação entreas ciênciasdoespírito eas ciênciasdanatureza atingeseuápice,estabelecendodeformadecisivaosistema disciplinar. O recentemente vivido século XX marcou a hiperespecializaçãodisciplinar: Essafragmentaçãocrescentedosabersósetransformou numahiperespecializaçãodisciplinarnametadedoséculo XX.AtéoiníciodoséculoXXadivisãodosaberaindaera circular: as ciências ainda dialogavam entre si, como sempretinhamfeito,apesarde,desdeoséculoxiv,sua circularidadeconstituircírculoscadavezmenores,devido à exclusão progressiva de vários campos do saber: a exclusãodagnoseoudateologiamísticanoséculoxiii,da religiãodoséculoxviii,edafilosofiaouametafísicano séculoxix(teixeira,2007:6465). 24
5 Ointeressanteanotarnessepercursohistóricoéque, exatamente no mesmo período que o sistema de hiperespecialização disciplinar ganhou força no âmbito universitário,começaramasurgirpropostasdecooperação entreasdisciplinas.deacordocomapesquisarealizadapor Teixeira,essaspropostassóconseguiramespaçoapartirda décadade70,quandoalgunsinstitutosenúcleosdepesquisa foramcriados.pareceserumcontrasensoqueoséculoauge daglobalizaçãotenhasidoomesmoemqueseconsolidouo sistemadehiperespecialização.mas,aconsideraçãodestuart Hall sobre a dialética entre o local e o global na pós modernidadeofereceumapistaparaacompreensãodessa ambiguidade: Aglobalização(naformadaespecialização flexíveledaestratégiadecriaçãode nichos demercado),na verdade,exploraadiferenciaçãolocal.assim,aoinvésde pensar no global como substituindo o local seria mais acuradopensarnumaarticulaçãoentre global eo local (HALL,2006:77).Oque,aprincípio,pareceserumretrocesso é, de fato, um movimento dialético inteligente. Afinal, é precisotransitarpelacontradiçãoparaseobterumavisão ampladosfatose,nocaso,daestruturadosistemadeensino superior.franklinleopoldoesilva,noartigo Universidade: umaidéiaeumahistória,observaqueacontradiçãosempre estevepresentenestesistema.noséculoxix,porexemplo, O problema comum a todos os ideólogos do sistema universitáriodeentãoeraodedelimitaredefinir,dentrode certosparâmetrosedeacordocomaprecisãopossível,uma atividadequedependiatantodatotalaberturadehorizontes quanto de uma especificação que a qualificasse e determinasseoseualcanceeoseuvalor(silva,2006:197).o contrapontoentre aberturadehorizontes e valor retorna à questão da ambiguidade presente na dimensão dos 25
6 interessespessoais,dosindivíduosquesãoresponsáveispela definiçãodoperfilinstitucional.podeparecerinsanaatese queaquiseformula,masasconsideraçõesfeitasporsilva, que dão ênfase à importância do movimento dialético na compreensãodahistóriadasinstituiçõesdeensinosuperior, suscitamumareflexãodoproblemanodomíniodaética.na argumentação que segue, comparando a universidade medievaleacontemporânea,ficaevidenteofocodeatenção que deve ser considerado quando se avalia os sistemas educacionais: Quandoauniversidademedievalcomportavaemseumeio aquelesaquemoconhecimentoconduziaàsfronteirasda heresia,muitasvezessustentandoosecomprometendose com eles, ela corria seus próprios riscos. Quando a universidadecontemporâneaalienasuaautonomiareala mecanismosexternos,muitosdosquaiselajáentronizoue por isso fazem parte dela, como ortodoxia adotada, ela corre o risco mínimo do sistema que lhe é imposto ou aquelenoqualelaoptouporlivrementeseinstalar.daía tendênciaàregularizaçãohomogênea,àuniformidadeeà unilateralidade.daítambématendênciaàconciliaçãoeà incorporação do pensamento único, o desprezo da diferençanoqualseinscreveoesquecimentodatradição. (SILVA,2006:198) As universidades não podem ser entendidas como instituições impessoais, como máquinas de produção de conhecimento,gerenciadasporrobôs.nãosetratadeum monstromíticosituadonotopodopenhasco,guardandoum sabermilenar.oscargosdecomandodasuniversidades,dos reitores aos coordenadores de curso, passando pelos diretores de institutos e faculdades, os chefes de 26
7 departamento,ospróreitores,eseusrespectivosvices,são, antesdafunçãoqueocasionalmenteocupam,compostospor educadores,professoresdegraduaçãoedosprogramasde pósgraduação.oscargosdeliderança,dosórgãossuperiores àuniversidade,omec,acapes,easfundaçõesdefomento àpesquisatambémsãoocupadosporprofessores.nãose deveesquecerque,antesdisso,essesagentesforamalunosda graduaçãoedapósgraduação,que,emsuamaioria,eram contestadores do sistema educacional universitário. A autonomiadauniversidadedeveserconquistadaporseus membros, ela deve correr os riscos de inovar rompendo fronteiras.essaéadimensãoéticaaseravaliada,adaaçãode seusagentes,porqueaéticaédaordemdateleologia,ondeo focorecai,namodernidadetardia,nasavaliaçõesdasações, nafinalidadedelasparaodesenvolvimentodogruposocial. Nãosetrataderegras,nãoénodomíniodadeontologiaque auniversidadedeveseposicionar.comoobservasilva,cabe à análise éticopolítica dos projetos educacionais garantir instrumentos que deverão produzir o equilíbrio intra institucionaledainstituiçãocomseuentornosocial,político e histórico (SILVA, 2006:198). As considerações que se seguemnesteensaiobuscamindicarquearesponsabilidade ética por promover uma educação humanística, interdisciplinar, em um primeiro momento, e transdisciplinar, na fase adulta das instituições de ensino superior,édosujeito,decadaum.éprecisopersonalizaras responsabilidades acadêmicas, para que não haja a configuraçãodo terceiro,comoumainstituiçãosemsujeito, aquemnãosepodeculpabilizar. 27
8 2.Umatentativadeprecisarosconceitos A interdisciplinaridade supõe um diálogo e uma trocadeconhecimentos,deanálises,demétodosentreduas oumaisdisciplinas.elaimplicaquehajainteraçõeseum enriquecimento mútuo entre vários especialistas. A especificidade está marcada no prefixo inter, que é uma preposiçãolatinaquesignifica nointeriordedois;entre;no espaço de. É o prefixo de palavras como interlocução, interrelação,intermédio,intercâmbio.ainterdisciplinaridade pressupõe dois ou mais elementos em relação. Já a pluridisciplinaridade,oumultidisciplinaridade,éoencontro depesquisadoreseprofessoresdedisciplinasdiferentesem torno de um tema comum, onde cada um conserva a especificidade de seus conceitos e métodos. Tratase de aproximaçõesparalelasquetendemaumobjetivocomum atravésdecontribuiçõesespecíficas.atransdisciplinaridade marcaumadistinçãoforteemrelaçãoàsdemais,oquese percebenaetimologiadotermotrans,omesmousadoem transgressão,transversaletranspassarcujapreposiçãolatina transsignifica alémde, paraláde, depoisde.em1972, Jean Piaget, nos Proceedings, assim definiu a prática transdisciplinar: Enfim,àetapadasrelaçõesinterdisciplinares,podemos ver suceder uma etapa superior, que seria a transdisciplinaridade, que não se contentaria em esperarpelasinteraçõesoureciprocidadesentrepesquisas especializadas,massituariaessasligaçõesnointeriorde um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas(piaget,1972:144). 28
9 A pluridisciplinaridade não pressupõe diálogo e, consequentemente,modificaçõesnosmétodosdasdisciplinas envolvidas. Por isso, o que ocorre é uma coexistência de línguasdiferentes.omodotransdisciplinaréaidealizaçãode umsonho,ondeossujeitosabandonamseuspontosdevista particulares de cada disciplina para produzir um saber autônomo de onde resultariam novos objetos e novos métodos.esseidealintentadoporalgunscríticossuscitaa questão:estariaauniversidadepreparadaparaessaprática, as políticas acadêmicas estão prontas para acolher a transdisciplinaridade?ésobreessaquestãoqueestetextose debruça, demonstrando que a prática interdisciplinar prepara auniversidadeparaessesaltomaior. Em 1994, realizouse o I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, no Convento de Arrábida, em Portugal.Porocasiãodesteeventofoiredigidaa Cartada Transdisciplinaridade,assinadapor62participantes,de14 países 2. Essa carta traz uma série de considerações que registramaurgênciadesepensaremumsistemadeensino abrangenteelivredepreconceitosemrelaçãoadeterminadas áreasdoconhecimento.nasequênciadessasconsiderações, sãopostulados14artigoseum ArtigoFinal quedetermina: A presente Carta Transdisciplinar foi adotada pelos participantes do Primeiro Congresso Mundial de Transdisciplinaridade,quenãoreivindicamnenhumaoutra autoridade exceto a do seu próprio trabalho e de sua 2 Estacarta,assimcomoaDeclaraçãodeVeneza ACiênciadiantedas FronteirasdoConhecimento,de1986,eadeclaração Umavisãomais ampladatransdisciplinaridade,redigidacomoponderaçõesapropósito da ConferênciaTransdisciplinarInternacional realizadaemzuriquede 27 de fevereiro a 01 de março, estão presentes no livroeducaçãoe TransdisciplinaridadeII(2002). 29
10 própria atividade. Segundo os processos que serão definidosdeacordocomasmentestransdisciplinaresde todos os países, esta Carta está aberta à assinatura de qualquerserhumanointeressadoempromovernacional, internacionaletransnacionalasmedidasprogressistaspara aaplicaçãodestesartigosnavidacotidiana(2002:192). Dentro do espírito de comunhão de ideais e de ratificaçãodasidéiasregistradasnestacarta,alémdodesejo deampliaradivulgaçãodosesforçospessoaisenvidadosna elaboração deste documento, tomase a liberdade de reproduzir os artigos da I Carta Transdisciplinar e, em complementaridadeaesta,osdamensagemdo IICongresso MundialdeTransdisciplinaridade 3,realizadoemVilaVelha evitória,em2005. ArtigosdaICartaTransdisciplinar: Artigo1:Qualquertentativadereduziroserhumanoauma meradefiniçãoededissolvêlonasestruturasformais,sejam elasquaisforem,éincompatívelcomavisãotransdisciplinar. Artigo2:Oreconhecimentodaexistênciadediferentesníveis de realidade, regidos por lógicas diferentes, é inerente à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de reduzir a realidadeaumúniconívelregidoporumaúnicalógicanão sesituanocampodatransdisciplinaridade. 3 No site do LEPTRANS Laboratório de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares dauniversidadefederalruraldoriodejaneiro, temseacessoà MensagemdeVilaVelha/Vitória,redigidaporocasião doiicongressomundialdetransdisciplinaridade,realizadode06a12 desetembrode
11 Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinasdadosnovosqueasarticulamentresi;oferecenos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridadenãoprocuraodomíniosobreasvárias outrasdisciplinas,masaaberturadetodaselasàquiloqueas atravessaeasultrapassa. Artigo4:Opontodesustentaçãodatransdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta, mediante um novo olhar sobre a relatividadedasnoçõesde definição ede objetividade.o formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade, comportando a exclusão do sujeito,levamaoempobrecimento. Artigo5:Avisãotransdisciplinaréresolutamenteaberta,na medidaemqueelaultrapassaocampodasciênciasexatas devidoaoseudiálogoesuareconciliação,nãosomentecom asciênciashumanas,mastambémcomaarte,aliteratura,a poesiaeaexperiênciaespiritual. Artigo 6: Com a relação à interdisciplinaridade e à multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade é multirreferencial e multidimensional. Embora levando em conta os conceitos de tempo e de história, a transdisciplinaridadenãoexcluiaexistênciadeumhorizonte transhistórico. 31
12 Artigo 7: A transdisciplinaridade não constitui nem uma nova religião, nem uma nova filosofia, nem uma nova metafísica,nemumaciênciadasciências. Artigo8:Adignidadedoserhumanoétambémdeordem cósmicaeplanetária.osurgimentodoserhumanosobrea Terra é uma das etapas da história do Universo. O reconhecimentodaterracomopátriaéumdosimperativos datransdisciplinaridade.todoserhumanotemdireitoauma nacionalidade,mas,atítulodehabitantedaterra,eleéao mesmotempoumsertransnacional.oreconhecimentopelo direitointernacionaldeumduplacidadania referentea umanaçãoeàterra constituiumdosobjetivosdapesquisa transdisciplinar. Artigo 9: A transdisciplinaridade conduz a uma atitude abertaemrelaçãoaosmitos,àsreligiõeseàquelesqueos respeitamnumespíritotransdisciplinar. Artigo10:Nãoexisteumlugarculturalprivilegiadodeonde se possa julgar as outras culturas. A abordagem transdisciplinaréelaprópriatranscultural. Artigo11:Umaeducaçãoautênticanãopodeprivilegiara abstraçãonoconhecimento.deveensinaracontextualizar, concretizareglobalizar.aeducaçãotransdisciplinarreavalia opapeldaintuição,daimaginação,dasensibilidadeedo corponatransmissãodosconhecimentos. Artigo12:Aelaboraçãodeumaeconomiatransdisciplinar estábaseadanopostuladodequeaeconomiadeveestara serviçodoserhumanoenãooinverso. 32
13 Artigo13:Aéticatransdisciplinarrecusatodaatitudequese negueaodiálogoeàdiscussão,sejaqualforsuaorigem de ordemideológica,científica,religiosa,econômica,políticaou filosófica. O saber compartilhado deveria conduzir a uma compreensão compartilhada, baseada no respeito absoluto dasdiferençasentreosseres,unidospelavidacomumsobre umaúnicaemesmaterra. Artigo 14: Rigor, abertura e tolerância são características fundamentaisdaatitudeedavisãotransdisciplinar.origor naargumentação,quelevaemcontatodososdados,éa melhor barreira contra possíveis desvios. A abertura comportaaaceitaçãododesconhecido,doinesperadoedo imprevisível.atolerânciaéoreconhecimentododireitoàs idéiaseverdadescontráriasàsnossas. Observase que os catorze artigos da I Carta Transdisciplinar conceituam a prática, estende os limites disciplinares, postulam a compreensão global do sujeito socialedaaquisiçãodeconhecimentos,seposicionacontra qualquer forma de preconceito em relação às diferentes formas de saber, enfim, postulam uma idealização da educação transdisciplinar. Após a leitura dos artigos a perguntaimediatadeumentusiastaseria:comorealizaresse sonho? Não há, neles, nenhuma consideração de ordem prática,massuarelevânciaéinquestionável,poisapartir dessa carta, novos encontros foram realizados e novos documentosforamproduzidosafimdeforçaraaçãoem direção ao ideal. Em 2000, ocorreu a Conferência TransdisciplinarInternacional,realizadaemZurique,de27 defevereiroa01demarço.novamente,outrasconsiderações foram elaboradas e constituíram o documento intitulado 33
14 Umavisãomaisampladetransdisciplinaridade e,nesse documento,apareceuma,emespecial,quesedestacapor colocaremprimeiroplanoo serhumano : ossignatários decidiram chamar a atenção de todos os participantes da Conferênciaedeoutrasaudiênciasparaanossaconvicçãoda necessidade de colocar o ser humano, em seus diferentes níveis de realidade, no centro dos propósitos da Transdisciplinaridadenaciênciaenasociedade (2002:193). Oserhumanopassaaserocentrodeatençãodaatividade transdisciplinar,masaconsideraçãofalasobreoobjetoenão sobreoagentedaação.aproximadamenteonzeanosdepois da redação da Carta Transdisciplinar, a Mensagem de Vila VelhaVitória aponta, no preâmbulo, o principal impedimentoparaatransformaçãodosistemaeducacional empráticatransdisciplinar aincompreensão. Considerando: queacrescenteincompreensãoentreosindivíduoseos conflitosdetodasasordens,causadosprincipalmentepelas disputasdepoder,sãoalgunsdosmaioresresponsáveispela explosão de antigas e novas barbáries no mundo atual (2005:1). Osistemadeespecializaçõesteveiníciohámaisde um século e não se modificam velhos hábitos sem transformar a estrutura básica, que mantém e legitima o sistema tradicional. Além de se pensar em práticas inovadoras e em procedimentos para democratizar e humanizaraeducação,éprecisoestabelecerprocedimentos que,amédioelongoprazo,possammodificaressaestrutura debase.odocumentoqueresumeoprojeto AEvolução Transdisciplinar na Educação descreve atividades relevantes, propostas de projetos pontuais, encontros 34
15 direcionados, e muitos centros de atuação em diferentes instituiçõesdeensino.odocumentoqueresumeetraduzo espíritodoprojetotrazumaconsideraçãointeressante,que vale a pena investigar: a interdisciplinaridade estará contribuindo para que seja retribuída ao Sujeito a sua integridade, facilitando a interação e colaborando com a missão da Educação de recriar sua vocação de universalidade (2002:203).Ainterdisciplinaridadepodenão ser o resultado ideal, pode inclusive ser, como também afirmaodocumento,insuficiente,mas,poroutrolado,pode sermaisefetivaparaganharespaçoeirmodificando,aos poucos, o arcaico sistema disciplinarizante que atende ao interessedealguns. 3.AInterdisciplinaridadeePrimeiroPasso Uma arqueologia das interrelações disciplinares indicaqueatransdisciplinaridadeé,aindaeinfelizmente,um sonho,vistoque,naprática,muitosproblemassurgemcomo impedimentoàsuarealizaçãoplena.osistemasuperiorque avaliaoscursosuniversitárioséestruturadoemhierarquias interdependentesesubsequentes:asgrandesáreas,asáreas de concentração, as linhas de pesquisa e os projetos de pesquisa. É necessário que haja uma conexão entre esses níveis para que os programas de pósgraduação recebam notasaltas objetivoedesejodetodasasuniversidades.a relação entre as notas dos programas e os recursos financeiros disponibilizados para estes é direta. O que se observaéumsistemadeespecificidadesnessahierarquia,o que está na contramão da prática transdisciplinar. Isso se reflete no microcosmo dos departamentos das faculdades. Porexemplo,nãoéraroobservar,embancasdedefesasde 35
16 monografias,dedissertaçõesedeteses,umimpassequantoà avaliaçãodasaproximaçõestransdisciplinares,ondeosaber disciplinarpareceseroqueasdefine.asacusaçõesdemau usodostemasedossuportesteóricosimportadosdeoutras disciplinassãofrequentes,ondeafiguradeumcanibalismoé identificada nas aproximações entre os saberes. E o que, muitasvezes,estáportrásdessacrítica nãosetrataapenas dehábitosdepensamento,masdeumsentimentodeposse, depropriedade.umprofessoruniversitárioéproprietáriode suacátedra,desuadisciplina.elenãoquerqueumestranho venhameteraíoseunarizouoseupé (MORIN,2007:27). Outrotipodeavaliaçãodeprodutosacadêmicos,queparece levaremcontaumsaberdisciplinar,éodeatribuiçãode bolsasdepesquisa,ondeaespecificidadedeáreasdetermina os critérios de avaliação. Ainda é possível identificar um terceiroproblema,odomercadodetrabalho,ouseja,oda recepção desse pesquisador com formação ampla. A princípio,édeinteressedomercadoadmitir,emseuquadro, profissionaiscomformaçãointerdisciplinar,masháacrítica dequeumaformaçãoamplapodesergeneralizada,pecando portanto pela falta de foco e de experiência em uma determinada especificidade. Há, também, os concursos universitários, que são o destino da maioria dos universitáriosqueseguemaformaçãoempósgraduação.os temas, em torno de dez, indicados como pontos para a realizaçãodasprovasescritaedidáticasão,namaioriadas faculdades,voltadosparaasespecificidadesdeáreas.afinal, asvagasdeconcursosãodestinadasaprofessoresqueirão ministrar determinadas disciplinas. Aqui, novamente, é o REUNIquetentamodificaroperfildeadmissõesdocentes pelasuniversidadesfederaisnobrasil,vistoqueasnovas 36
17 vagas, denominadas vagas do REUNI exigem perfis de formaçãointerdisciplinar. Nosemináriovirtual Repenserl interdisciplinarité, organizado pelos membros e associados do Institut Jean Nicod Unlaboratoireinterdisciplinaireàl interfaceentre scienceshumaines,sciencessocialesetsciencescognitives, DanSperber 4 apresentouumacomunicação 5 quejustificaa importância de se analisar a interdisciplinaridade. Para avaliar as vantagens e os inconvenientes dessa prática, Sperber comenta a seguinte situação: uma equipe de eminentes psicólogos consagra anos a produzir dados experimentais em favor da hipótese segundo a qual há diferençasfundamentaisnosmodosdepensardemembros deculturasdiferentes.essahipóteseaproximaapsicologia daantropologia,quetambémdefendetaltese.imagine,diz Dan Sperber, que esses psicólogos são convidados a apresentar seus trabalhos em uma conferência de antropólogos, o que poderá causar grandes decepções a ambososlados.osantropólogosnãovêempertinêncianos dadosexperimentaisaodefenderemumateseapoiadaem seusdadosetnográficos.elescontestamocaráterartificial,na visão deles, de experiências realizadas fora do contexto etnográfico. Os psicólogos, por sua vez, acham que os antropólogos nãose dão conta da importância dos dados experimentais, que eles criticam a metodologia sem a compreender, e que eles não percebem que esse trabalho poderácontribuirdeformasignificativaparatrocasvaliosas entreantropólogosepsicólogos.mesmocertosdequeambos 4 Diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS)emParis. 5 SPERBER,Dan. Pourquoirepenserl interdisciplinarité?.in:institutjean Nicod, 37
18 seaproximamdeumproblemaemcomum,oscomparatistas devemteremmentequesetratadedisciplinasdistintas. Cada um dos grupos possui vocabulário, pressuposições, prioridades,referênciasecritériospróprios. Searelaçãointerdisciplinarécolocada,emprincípio, comoalgopositivo,emoposiçãoàespecializaçãoemexcesso, qualagenealogiadoproblema?asrelaçõesdepoderque subsistemnessaspráticas,queimpedemaconfiguraçãode umprojetocoletivonecessárioparaosucessodasrelações entre as diferentes áreas do saber. Paul Ricoeur chama a atençãoparaarigidezdesseprojeto: Todasasinstituições aparecemcomoumblocoindivisíveldepoderederepressão; todas as autoridades são o establishment: dos bancos às igrejas,passandopelasempresas,pelomeiouniversitário 6 e pela polícia (RICOEUR, 2008:162). O poder acadêmico engendraoqueofilósofofrancêsdenominacomo moral perversa diantedaquiloqueparececomoadissoluçãoda ordem, sob a ação corrosiva dos grupos dissidentes, a tendênciaéadereafirmaressasnormasdeummodonão criativo e puramente conservador: uma concepção puramente defensiva (RICOEUR, 2008:163). A defesa é contraoriscodaperdadepoderinstitucional,acadêmico. Mas os problemas apontados indicam um impedimento para a relação entre as disciplinas e para a transdisciplinaridade? Não, mas exigem que se reflitam epistemologicamentesobreaspráticasemtodasasinstâncias envolvidas, a gênese, o desenvolvimento e o legado. E os estudosrecentesapontamainterdisciplinaridadecomouma práticapossível,ricae,consequentemente,umapreparação naturalparaapráticatransdisciplinar.ainterdisciplinaridade, 6 Grifodaautoradoartigo. 38
19 porpressuporumdiálogoentreasdisciplinas,reorganizaos campos teóricos em jogo, atuando com uma tradução de linguagens, as dos saberes envolvidos, sem negar as dificuldades e os limites inerentes a esse exercício. A interdisciplinaridadepromoveaautoreflexão, Poiscadaencontrocomoutradisciplina,cadadescoberta da legitimidade do olhar alheio, e as tentativas de compreendêloforçaocientistaarepensarospressupostos e os critérios delimitadores de sua própria disciplina. Comparávelcomaexperiênciaquesefazaomergulhar numaoutraculturaequenoslevaarefletir,denovo,o significado e os princípios que regem nossa cultura materna, o trabalho interdisciplinar faznos voltar à reconsideraçãodoalcanceedoslimitesdadisciplinapor nósrepresentada(flickinger,2007:130). Retornandoàspolíticasacadêmicas,percebesequea CAPES, Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, o órgão superior de avaliação mencionado anteriormente, vem se adaptando à nova demandadeprogramasquetemcomofocoasrelaçõesentre disciplinas.oanodeconstituiçãodocomitêmultidisciplinar dacapes,queavaliaosprogramasinterdisciplinares,indica oquãorecenteéaregulamentaçãodaspráticasinter,plurie multidisciplinares. O documento do último triênio de avaliaçãodoscursos,realizadaporestecomitê,apresentaum históricointeressanteondesepercebequeademandaimpôs amudançaearegulamentaçãodosprogramasdegraduação e pósgraduação multidisciplinares. O Comitê de Área Multidisciplinarfoicriadoem1999 devidoàexistência,já àquelaépoca,decursosdepósgraduaçãoquenãopoderiam ser avaliados adequadamente nos comitês disciplinares 39
20 (CAPES,2007:2).Outrodadointeressanteaseranalisadoéa discrepânciaentreonúmerodesubmissõesdeprogramas,no períodode2003a :Onúmerodeprogramassubmetidos é, em média, 70% superior ao número de programas aprovados,comexceçãodoanode2004.segundoaprofª. Drª.CéliaMarquesTelles,coordenadoraadjuntadoComitê de Área Letras e Linguística, o Comitê de Área Multidisciplinar(CAM)éumdosmaisrígidosdaCAPES.O CAM é o comitê que vem apresentando a maior taxa de crescimentoentreascomissõesdacapes.deacordocomo documentodaúltimaavaliaçãotrienal(2007)dessecomitê, um dos fatores que explica esse crescimento é que o surgimento deste comitê propiciou e induziu, na Pós graduação brasileira, a proposição de cursos em áreas inovadoraseinterdisciplinares,acompanhandoatendência mundialdeaumentodeprogramasacadêmicostratandode questões intrinsecamente interdisciplinares e complexas. Ainda não há um comitê de área transdisciplinar, o que confirma a afirmação feita acima de que a interdisciplinaridadeseapresentacomoocaminhoidealpara a prática das relações entre os saberes nas pesquisas acadêmicas. Contudo, mesmo figurando como um caminho possíveledesejável,ainterdisciplinaridadenãoestáasalvo deinvestigaçãoepistemológica.elacorreoriscodesetornar uma simples justaposição de aproximações, o que a transformariaempráticapluridisciplinar,epode,poroutro lado,transgrediroslimitesdisciplinaresesetransformarem prática transdisciplinar. A palavra de ordem na prática 7 EstesdadosforamdivulgadospelaComissãodeÁreaMultidisciplinar. DocumentodeÁreaComissãodeÁreaMultidisciplinarAvaliaçãoTrienal2007. In:CAPES, 40
21 interdisciplinarédiálogoeaformacomoeleacontecedefinea produtivaouaproblemáticainterdisciplinaridade.épossível perceber que, no que consta às ciências naturais, há uma ordemhierárquicaquantoàfiliaçãodeseusconceitos,oque nãoaconteceenemdeveacontecercomasciênciassociais,o quefacilitariaumajustaposiçãodasdisciplinasenvolvidas.é necessário,portanto,criarartificialmentecondiçõespara o exercíciointerdisciplinar.ametodologiadeveráevitarque uma disciplina se transforme em discursoobjeto de investigação de disciplinas outras, reduzindose a um simplesreceptáculodeprojeçõesteóricasdestas.seassimfor, aassimetriaterialugarnapráticainterdisciplinar,oquenão reflete o ideal, além de oferecer aos contrários à prática interdisciplinarargumentosfortesparaasuacontestação.a única maneira de superar essa dificuldade consiste em realizar uma série de permutações de posição onde cada disciplina implicada propõe, sucessivamente, paradigmas para a crítica de outras. A sucessividade, dialógica por excelência, garante que problemas, temas e metodologias circulementreasdisciplinas,figurandooracomoperguntas, oracomorespostas.assimseconfiguraaautoreflexãodas disciplinasenvolvidasnapráticainterdisciplinar.observar comoo outro aanalisa,permiteàdisciplinaseconhecer outramenteedescobrirfocosdeatençãoquetalvezjamais tenhavistoantesdaexperiênciainterdisciplinar. Um último tema a ser discutido na prática interdisciplinaréadimensãoéticaaíimplícita.considerada comoapráticadialógicapornatureza,ainterdisciplinaridade constituise como uma figura ideal da comunicação intersubjetiva no seio da academia. Sem renunciar à sua própriaidentidade,asdisciplinasseengajamemumdebate cooperativoondeprevaleceapesquisasobretemascomuns. 41
22 Essediálogonecessitadaescutadavozalheia,possibilitando umatransformaçãomútua.ainterdisciplinaridadepressupõe oengajamentoemumapesquisacoletiva,adiversidadede opiniõeseaincertezadoresultado.nessesentido,aprática interdisciplinar é dialética e consiste em relativizar as identidadeseasdiferenças.odiálogoentreasdisciplinas exigequeasvozessejamouvidas,emsuasespecificidades, seus contextos, para que a diferença seja incluída e não rechaçada.deveseevitaratodocustoonivelamentoeas aproximaçõesforçadas,porqueissofrustrariaosagentese impediriaocrescimentocomumdasdisciplinas. Ditodeoutromodo:cadadisciplinadesdesemprepertence aumcontextoqueamarcaedoqualelanãoconseguese liberar. Muito pelo contrário, inserida na sua própria históriaenquantodisciplina,mastambémdeterminadapor condiçõesexternasparaelanãodisponíveis,nenhumaárea científicaconsegueescamotearseupróprioserenvolvido num horizonte mais amplo, dentro do qual ela vê seu processo de investigação determinado (FLICKINGER, 2007:123) Nada deve ser desconsiderado ou anulado no processodialógicodasdisciplinas,nemsuasespecificidades, muitomenossuahistória,suatradição,porqueocrescimento conjuntosósedápelojogodialéticoentreelas,eentreonovo e a tradição. Como já observou Bakhtin, não existe lugar ideológico neutro, assim como não há disciplina sem ideologia,semhistória,semidentidade. Por trabalhar na interface de vários saberes, a interdisciplinaridade constituise como um terceiro, um entrelugar,ondeháumacirculaçãodesaberes.aprática dialógica da interdisciplinaridade assegura aos agentes 42
23 envolvidos estudantes, professores e os representantes hierárquicos da academia relativizar os conceitos de verdadeedepoderacadêmicos:elaensinaqueaverdadeé plural e que o poder se divide. Para que a interdisciplinaridade cumpra seu papel de quebrar com paradigmas disciplinares e que instaure uma prática dialógica,éprecisoqueosestudantesestejamassociadosa essa metodologia, nos trabalhos práticos e nos seminários quelhessãopropostos.épreciso,igualmente,quesecrie umatradiçãodeestudosinterdisciplinaresque contamine todososníveishierárquicosdosistemaacadêmico.paraalém doenvolvimentodetodososagentes,éimprescindívelquea interdisciplinaridade não seja um efeito de moda, uma interdisciplinaridade cosmética,éprecisoqueelasaiado âmbito discursivo e se coloque como prática efetiva produzindoresultadosdequalidade,criandodemandasque forcemamudançadossistemasdepoderqueinviabilizame esvaziamaatividadeinterdisciplinar.épreciso,também,que todosossujeitosenvolvidosassumamopapeldefinidopor MichelFoucaultdeintelectual específico,equivalenteao intelectual engajado dericoeur,ouseja,aqueleque,além deexercerainterdisciplinaridade,incorporaemseudiscurso a dimensão crítica expondo, como em uma réplica, a arqueologia do poder que, sorrateiramente, desqualifica a prática interdisciplinar. Desmerecer ou tornar ilegítima a prática interdisciplinar acadêmica é, em última instância, uma defesa. Este exercício exige leituras, atualizações constantes, corpus bibliográfico amplo e diversificado, e reavaliações constantes da prática e do discurso que a circunscreve. A interdisciplinaridade foge da dicotomia improdutivaepressupõeummovimentodialéticocomvista aocrescimentodaidentidadeedaalteridadedisciplinares. 43
24 Aceitar o ser diferente das disciplinas sem querer assemelhálasumaàoutrapressupõeumaposturaéticade reconhecimento e de responsabilidade mútua, tal como estes conceitos a expressam: reconhecer a si mesmo no outro,eestarprontoparadarasrespostasexigidaspela perguntadooutro(flickinger,2007:123). Énessesentidoquenãohácomonegaradimensão ética dessa prática, que deve ser pensada, para além das aproximações entre disciplinas, no domínio das relações interpessoais dos agentes, do face a face. Se as relações interdisciplinares promovem, como tem se provado com algumas práticas, o crescimento daquelas que estão envolvidas, imaginase que operaria transformações consideráveisnasrelaçõesentrepesquisadores,professorese alunos,agentesdepoderinstitucionaledemaisprofessores. Ofatodasrelaçõesinterdisciplinaresaindanãoseremuma realidadeefetivadentrodasinstituiçõesdeensinocolocaos educadoresentredoispólos odaresponsabilidadeeoda culpabilidade.sãotodosresponsáveispelatransformaçãodo sistemadisciplinardeensino,assimcomosãotodosculpados porela,ouporsuaausência. Atítulodeilustraçãoeparafinalizarocapítulo,é interessanteconsiderarasreflexõesdehannaharendtsobre culpabilidadeeresponsabilidadenoquetangeaonazismo.a filósofaproblematizou,nosjulgamentosdenazistas,ofatode todaculpaindividualtransformarseemcoletiva,implicando uma dissolução daquela culpa. Essa transformação foi chamadaporarendtdea teoriadodentedaengrenagem em que as pessoas que integram algum sistema (político, econômico...) operam como rodas que mantêm o seu funcionamento de forma que cada um seja substituível e descartável, sendo, portanto, livre de responsabilidade 44
25 pessoal, dado que qualquer outra pessoa poderia desempenhar aquela determinada função, prescrita pela burocracia: é realmente verdade que todos os réus nos julgamentosdopósguerradisseramparasedesculpar:seeu nãotivessefeitoisso,outrapessoapoderiaterfeitoefaria (2004:92).Essaculpacoletivaéacompanhadadeumreceiode julgar, de apontar nomes e de atribuir responsabilidades pessoais. E o primeiro passo de atribuição da responsabilidadepessoalseriaatransformaçãodo denteda engrenagem em homem ou, em outros termos, a responsabilidadesóéatribuívelquandoadimensãohumana transcendeasrelaçõesburocráticas,oqueseaplicaaoâmbito dasuniversidadeseàpropostainterdisciplinarexpostaaqui. 45
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