DINAMIZAÇÃO PRODUTIVA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA: A AGRICULTURA FAMILIAR CAMPONESA NO LAGOA DO JUNCO TAPES/RS
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- Amanda Aragão Caldeira
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1 DINAMIZAÇÃO PRODUTIVA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL EM ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA: A AGRICULTURA FAMILIAR CAMPONESA NO LAGOA DO JUNCO TAPES/RS Carmen Aparecida Waskievicz Laboratório de Estudos Agrários e Ambientais LEAA Universidade Federal de Pelotas UFPEL carmen_rs91@hotmail.com Resumo Giancarla Salamoni Laboratório de Estudos Agrários e Ambientais LEAA Universidade Federal de Pelotas UFPEL gi.salamoni@yahoo.com.br O artigo trata das formas de organização socioprodutiva presentes em assentamentos da reforma agrária, a fim de garantir a reprodução da agricultura familiar camponesa. Como campo específico de estudo apresenta o Assentamento Lagoa do Junco localizado no município de Tapes/RS, no qual são identificadas diferentes estratégias econômico-produtivas e de ocupação da mão de obra das famílias assentadas. Ainda, frente ao processo de modernização da agricultura e de insuficiência alimentar dos povos, justifica-se a importância desses espaços como resistência camponesa na produção de alimentos, garantindo a segurança alimentar tanto no campo quanto nas cidades. Por fim, entende-se que o movimento social dos trabalhadores sem-terra se espacializa com formas, funções, estruturas e processos específicos na escala local, porém, mantendo os ideais e o ideário da luta pela terra e por melhores condições de existência das famílias rurais. Palavras-chave: MST. Reforma Agrária. Assentamento. Agricultura Familiar Camponesa. Introdução O campo brasileiro concretiza uma diversidade de mudanças no âmbito político e social nos últimos anos, no que tange as contradições entre grandes propriedades rurais versus trabalhadores sem terra. Neste sentido, os movimentos sociais, em específico o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- MST dinamizam o processo de luta pela terra no intuito da efetivação da reforma agrária, ainda que esta ocorra em âmbito parcial. Pensar as transformações do espaço agrário na dimensão sociocultural, indo para além da produção, significa compreender a existência de grupos sociais, anteriormente despossuídos de terra e que, a partir da política pública da reforma agrária, organizam um novo espaço. Toma-se como ponto de partida o MST, enquanto movimento social que contribui para a reprodução espacial das formas de resistência do campesinato, 1
2 para, posteriormente, entender as novas dinâmicas dos espaços rurais inseridos no contexto da modernização, bem como apresenta algumas externalidades gerais desse processo. Assim, busca-se entender o caso do Assentamento Lagoa do Junco, a partir das suas especificidades e contextualizá-lo mais amplamente no que tange a sua organização social, produtiva, econômica e política, de forma a dar conta dos processos de reprodução dos agricultores familiares camponeses 1 e a promoção da segurança alimentar nesse espaço. O MST no contexto da reprodução camponesa Os assentamentos de reforma agrária, via de regra, são fortemente marcados pelo pensamento de cunho ideológico, que caracteriza o movimento social- MST em prol da agricultura camponesa.ainda, estão identificados com a luta pela justiça social a partir da concretização da reforma agrária e pelo acesso a recursos, entre eles a terra, que garantam a permanência desta forma de organização socioprodutiva no campo brasileiro. Cabe ressaltar, a importância dos assentamentos na produção de alimentos e particularmente no caso da produção ecológica na agricultura. Assim, o Movimento representa uma luta continuada, pois além da conquista da terra procura a implementação de projetos que viabilizem a produção e a manutenção dos trabalhadores no interior dos assentamentos de reforma agrária. Conforme explica Gomes e Silveira ([20--]), Há que se considerar que o Movimento entendendo que somente a terra não é suficiente para a reprodução dos agricultores e para a resolução do problema agrário, passou a lutar não apenas por terra, mas por um projeto de reforma agrária mais abrangente.(gomes; SILVEIRA, [20--] ) Na lógica da compreensão do MST, como movimento de grande importância no debate da questão agrária/agrícola, suas ações compõem resistência aos processos de exclusão, expulsão e expropriação da terra, pois focaliza em conjunto políticas por projetos de desenvolvimento rural. Suas manifestações cotidianas dão amplitude ao processo da luta que se desenvolve desde às ocupações de terra, enfrentamento aos atos criminosos de 2
3 latifundiários, protestos e negociações com o governo, demanda por políticas agrícolas para os assentamentos, até a conscientização sobre os direitos básicos dos trabalhadores (FERNANDES, 2001). Em sua constituição histórica enquanto movimento social, o MST simboliza o contraponto ao sentido inexistente da implantação da reforma agrária. Essa condição explica em parte as atuações políticas, as quais não se limitam a reivindicação por acesso e direito legal a terra. Neste sentido, Fernandes (1999) diz que: As experiências que expandem as possibilidades dessa luta, foram construídas na persistência da autonomia política dos sem-terra. Condição reforçada pela organicidade do Movimento, que se transformou numa organização ampla e atuante em diversas dimensões da vida dos sem-terra. A inexistência de uma política de reforma agrária não impediu que o MST se territorializasse para todas as regiões brasileiras, lutando contra a exclusão e a exploração. (FERNANDES, 1999, p. 10) Dessa forma, os assentamentos de reforma agrária expressam organizações sociais que objetivam especificidades territoriais, onde a partir daí possam construir possibilidades de produção e reprodução em terras que antes não exerciam sua função social e ambiental 2. A dinamização do processo produtivo a das formas de utilização do trabalho nos assentamentos produz uma diversidade de realidades específicas e viabiliza a organização socioprodutiva, tanto de forma individual, quanto coletiva. Neste contexto, os grupos sociais que conformam um assentamento possuem também uma infinidade de características individuais, biológicas e culturais, que os relacionam de maneira mais ou menos estreita. Estas relações se constroem desde o estágio inicial da luta pela terra, ou seja, os acampamentos, onde os objetivos em comum acabam abarcando diferentes vivências em um mesmo contexto. Com relação a isso Vial (2005) diz que: Os acampamentos, além da função de pressionar o governo para a efetivação da reforma agrária, servem também como ''escola preparatória para a vida no assentamento'', em que as diferenças devem ser minimizadas para que haja um objetivo comum entre os assentados. A própria definição de movimento social engloba o sentido de uma coletividade em que se manifestam e se buscam objetivos comuns. (VIAL, p. 97) Dando maior amplitude ao processo social da conquista pela terra, relacionado a ocupação, Fernandes (1999) explica que: 3
4 A ocupação é, então, parte de um movimento de resistência à esses processos, na defesa dos interesses dos trabalhadores, que é a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. (FERNANDES, 1999, p. 270) Ou seja, o processo de luta, ocupação e conquista da terra não simboliza somente a resistência frente ao processo histórico de concentração fundiária e de riquezas(materiais e simbólicas), mas há de ser considerado como um estágio de preparação, formação e socialização para construção dos assentamentos. Reprodução camponesa em contexto de modernização O campesinato atual encontra-se inserido em um contexto de uma sociedade moderna e capitalista, cujas relações com a natureza encontram-se mediadas pelas inovações tecnológicas(químicas, mecânicas e biológicas) e, consequentemente, pela construção de novas dinâmicas territoriais. Os vínculos mercantis estabelecidos pelos agricultores familiares camponeses contemporâneos ultrapassam a ideia clássica de o campesinato como uma categoria social isolada, que não estabelecia relações diretas com a sociedade mais ampla e com o mercado. Por outro lado, o camponês não constitui no espaço apenas relações de cunho produtivo, mas ao contrário, há uma gama de relações socioculturais que compõem a diversidade nas formas de organização espacial desse grupo. Nesse sentido, Wanderley (2009) ao interpretar a influência do processo modernizador considera que: Há, portanto, a considerar a capacidade de resistência e de adaptação dos agricultores aos novos contextos econômicos e sociais [...] Mesmo integrada ao mercado e respondendo às suas exigências, o fato de permanecer familiar não é anódino e tem como consequencia o reconhecimento de que a lógica familiar, cuja origem está na tradição camponesa, não é abolida; ao contrário, ela permanece inspirando e orientando -em proporções e sob formas distintas, naturalmente- as novas decisões que o agricultor deve tomar nos novos contextos a que está submetido. ( WANDERLEI, 2009, p. 189) Assim, as novas exigências no que concerne a produção, também nos assentamentos, com relação às exigências do mercado urbano-industrial têm provocado uma série de 4
5 mudanças no uso da terra, do emprego da mão de obra e da aplicação de investimentos financeiros. Isso não significa que as atividades voltadas para o autoconsumo das famílias tenham desaparecido, pelo contrário, ainda persistem no espaço agrário/agrícola brasileiro de forma geral. A adoção da modernização, nos países ocidentais, nas últimas décadas, está baseada quase que fundamentalmente em um aumento da produtividade da terra e do trabalho, porém, no caso do produtor familiar camponês, vinculado com o mercado, não significa que ele se torne necessariamente um capitalista. A diferença se dá na forma que se dá a relação com o mercado, ou seja, enquanto o capitalista possui a capacidade de decidir mais livremente sobre como investir seu capital, o agricultor familiar produz combinando produção mercantil com produção para o autoconsumo, pois a família ainda depende fortemente dos produtos da sua terra para garantir a sua segurança alimentar (BRUMER, 2001). Assim, ainda que a modernização gere externalidades(sociais, econômicas e ambientais) no campo, no caso dos assentamentos, isso não implica em uma dependência absoluta de fatores externos e ainda, pode contribuir no processo de processamento industrial de alimentos. Neste sentido, sabe-se que o MST possui em seu ideário o objetivo da segurança e soberania alimentar 3 ou seja, trabalhar na terra para garantir o autoprovisionamento e para destinar os excedentes ao mercado, oferecendo alimentos a milhares de outras famílias. O fenômeno biológico da fome está, historicamente, atrelado as injustiças sociais, muito mais do que a causas naturais, como já explicava Josué de Castro (1965): O fenômeno é tão marcante e se apresenta com tal regularidade que, longe de traduzir obra do acaso, parece condicionado às mesmas leis gerais que regulam as outras manifestações sociais de nossa cultura. Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura: foram os interesses e os preceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado publicamente. (CASTRO, 1965, p. 10) A falta de incentivos e apoio estatal a produção de alimentos desvela as contradições políticas,econômicas e sociais ao desvincular a preocupação dos governantes em relação a proposição de políticas públicas para a agricultura. Atrelada à questão da fome, os problemas agrários, referentes a concentração fundiária, a permanência de latifúndios 5
6 improdutivos ou às empresas agrícolas voltadas à exportação, revelam ainda que muitos problemas permanecem sem solução no campo brasileiro. Ainda que o fenômeno da fome e da produção de alimentos possua uma complexidade de fatores atrelados, como é o caso da distribuição de renda e consequente capacidade de aquisição de alimentos, a questão da terra ainda permanece com importante centralidade nesse contexto. Assim, é que pequenas áreas de terras são em grande parte responsáveis pela maior produção de alimentos no país, por mais que ainda se encontram à margem das políticas para desenvolvimento rural, neste sentido Buth (2006) diz que: As políticas públicas voltadas ao setor agrário sempre contemplaram, basicamente, a produção em larga escala, responsável por toda uma problemática social e ambiental no campo, ficando a pequena produção normalmente relegada a um plano secundário. Todavia, em virtude às características contraditórias do desenvolvimento desigual do capitalismo no campo [..] a pequena propriedade fundiária, com base no trabalho familiar, persistiu. (BUTH, 2006, p. 32) Essa visão intercepta a realidade dos assentamentos voltados a produção de alimentos para o autoconsumo e para o mercado e que se sobrepõe as antigas fazendas improdutivas que não exerciam a função socioambiental da terra. Ou seja, por mais que a viabilidade econômica seja questionada pelos críticos da reforma agrária, com relação a esses espaços, há sim a possibilidade de permanência e de reprodução social dessas famílias nos assentamentos. A agricultura familiar camponesa no assentamento Lagoa do Junco Partindo do pressuposto de que os assentamentos constituem-se em unidades específicas, porém com objetivos em comum, elencando grupos sociais distintos e de expressões produtivas diversas, entende-se que a pesquisa de campo é de grande importância no confronto da teoria com a realidade. Assim, o Assentamento Lagoa do Junco reúne trabalhadores que já possuiam ligação anterior com o espaço agrário e com a agricultura e que têm em comum a insuficiência de terras de suas famílias de origem, diante do processo de sucessão hereditária. Desta maneira, o movimento social e os acampamentos que antecederam a chegada no assentamento representam uma possibilidade estratégica para uma possível permanência no campo, a fim de territorializarem-se enquanto agricultores familiares camponeses. A luta pela terra durou cerca de 4 anos, passando por diversas àreas ocupadas de 6
7 acampamentos, até a sua efetivação enquanto assentamento no município de Tapes/RS, no ano de Esse município possui uma população rural expressivamente menor que a da área urbana, segundo dados do IBGE (2010), a população rural representa 12,94% de uma população total de habitantes, assim, justifica-se a importância de tais políticas que garantam a permanência do campesinato na escala municipal. Os dados do Plano de Recuperação do Assentamento Lagoa do Junco (2009) identificam a morfologia do relevo municipal como predominantemente plana e onde os solos são, em maior parcela, Planossolos (aproximadamente 52,85% do território) e Argissolos (aproximadamente 27,17% do território). Com menor expressão, encontramse ainda Neossolos, que ocupam cerca de 16,6% do município. Com relação a vegetação o município encontra-se inserido no Bioma Pampa, predominando a ocorrência de campos naturais e nativos, favoráveis ao desenvolvimento da pecuária. Considerando essas características, com relação a área ocupada pelas lavouras,o cultivo do arroz se destaca, haja vista a disponibilidade hídrica. No caso específico do assentamento, grande parte dos assentados são originários de municípios do norte do estado, como Palmeira das Missões, Alpestre, Iraí, entre outros, voltados a produção de milho, feijão, aipim e que com a efetivação da área de assentamento, que possui caracteríticas diferentes no seu agroecossistema, as famílias tiveram que adaptar-se em relação as tradições e práticas agrícolas da suas áreas de origem, ou seja, passaram também a dedicar-se ao cultivo do arroz. Em âmbito social e produtivo o assentamento possui uma série de estratégias que garantem a reprodução dos assentados enquanto agricultores. Assim, identifica-se desde a organização da produção coletiva até a individual, a produção para o autoconsumo, a pluriatividade, o assalariamento, entre outras, expressando as novas dinâmicas desses espaços agrários. A organização produtiva ocorre na forma individual e cooperativada, sendo que o trabalho cooperado está representado pela Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes COOPAT. Essa forma de organização representa, além da socialização do trabalho, também um espaço para socialização dos integrantes, assim há um consenso coletivo tanto em âmbito social quanto produtivo.no contexto produtivo ocorre o uso conjunto de maquinários, investimentos, entre outros, além do que a terra é trabalhada também em âmbito coletivo. (WASKIEVICZ, 2011) Nessa dinâmica de trabalho há uma facilidade maior no que concerne a aquisição de 7
8 créditos para a produção, assim, possibilitou a cooperativa contar atualmente com uma agroindústria de arroz ecológico, possibilitando autonomia dos trabalhadores desde a produção até a secagem, beneficiamento e comercialização do arroz. Buscando explicar o processo de adesã pelo MST da produção ecológica, BUTH (2006) diz que: Em que pese os efeitos advindos, o MST tem realizado um trabalho de conscientização para a adoção de práticas agrícolas ambientalmente mais sustentáveis no sentido de viabilizar tanto a reprodução familiar quanto a recuperação, embora parcial, dos recursos naturais. Muito embora as novas formas de produção sejam, na verdade, alternativas sociais e econômicas, elas se configuram também como alternativas ambientais, conjugando a conservação do meio com a qualidade de vida dos assentados. Entretanto, não devem ser desconsideradas as exceções, pois nem todos os assentados integram-se a estas novas práticas, o que não desmerece os assentamentos enquanto espaços de novas experiências produtivas que alteram qualitativamente os planos social e ambiental. (BUTH, 2006, p. 33) A COOPAT ainda é constituída por uma padaria, a qual relaciona o trabalho artesanal e formas automatizadas na produção de pães, cucas, bolachas, entre outros produtos. Sabe-se que há uma crescente demanda de sanitarização com relação a produção de alimentos, condicionando as formas tradicionais de produção à uma maneira mais uniformizada e tecnificada, porém, a valorização dos saberes tradicionais na elaboração desses produtos pode ser observada pela crescente procura pela comercialização fora do assentamento. Ainda, observa-se a existência do tambo de leite da cooperativa (Figura 01), do qual se obtém o leite necessário na produção na padaria, bem como, na produção de queijos e doce de leite que são produzidos de maneira artesanal, ou seja, em contexto de agroindustria familiar. Mesmo que encontre essas formas mais modernas de produção, com auxílio da implementação de maquinários, há que se considerar a presença da produção tradicional para autoconsumo (Figura 02), como imprescindível a autonomia dos assentados na produção de alimentos para sua sustentação. Essa prática se estabele nos lotes(quintais) das casas, tanto dos cooperados quanto dos não cooperados. 8
9 Fig. 01: Tambo de leite. Fig. 02: Horta doméstica. Fonte: Pesquisa de campo, Fonte: Pesquisa de campo, Na organização da produção e do trabalho de forma individual, também ocorre a produção de arroz e o assalariamento na agroindústria da cooperativa. Essas atividades referem-se ao empacotamento, revisão, e carga de produto, o que de certa forma contribui para que esses trabalhadores adquiram renda extra as suas propriedades. Quanto as formas de sociabilidade entre as famílias assentadas, as atividades ligadas a recreação limitam-se a presença de cancha de bocha, campo de futebol e volêi (Figura 03). Pois, a estrutura física do assentamento ainda apresenta carências quanto a construções de escolas e áreas para práticas esportivas. Os filhos de assentados que estão em idade escolar freqüentam escolas localizadas na área urbana, contando com a disponibilidade de transporte escolar pela manhã e noite. Assim, inexiste um espaço físico que pudesse abarcar uma maior gama de atividades culturais, possibilitando maior interação entre os assentados, ainda que, eventualmente, essas são realizadas em espaços ao ar livre. Esporadicamente, são realizadas reuniões com as crianças no intuito de trabalhar as dimensões sociais, culturais de suas vivências. Como forma de organização das moradias estas estão construídas na forma de agrovilas (Figura 04), ou seja, pequenos lotes familiares alinhados que acabam por contribuir no estreitamento das relações sociais, de cunho afetivo ou produtivo. 9
10 Fig. 03: Campo de vôlei e futebol. Fig. 04: Organização das moradias em agrovilas Fonte: Pesquisa de campo, Fonte: Pesquisa de campo, Considerações finais Diante do exposto, concebem-se os assentamentos de reforma agrária como espaços voltados à continuidade e resistência da agricultura familiar camponesa. Nesse contexto social e produtivo, a questão da fome, até então pouco trabalhada no âmbito de suas causas, possui no MST um de seus principais embates, pois a conquista da terra representa uma estratégia na produção de alimentos, ainda que o fenômeno apresente complexidades maiores. Além da incontestável importância produtiva desses espaços- os assentamentos- os aspectos sociais também apresentam importância fundamental a medida que possibilita a reprodução social e territorial de camponeses e ainda, como alternativa para problemas urbanos como o êxodo rural e o abastecimento alimentar das cidades. Os assentamentos apresentam características específicas, que os diferenciam dos demais, porém, seu ideário os contextualizam em escala maior de movimento social. São espaços de diversidade de culturas, hábitos sociais, práticas agrícolas que os dinamizam e os transformam em espaços únicos. Assim, conclui-se que a existência de formas cooperativadas de produção e trabalho contribuem para a permanência dos jovens no assentamento em questão, pois possibilita a inserção de mão-de-obra, não necessitando a busca de trabalho na área urbana. E, ainda possibilitando outras formas de geração de renda para as famílias, além da produção agrícola. Ressalta-se, também, as formas tradicionais de produção, como autoconsumo (leite e 10
11 hortifruticultura nos lotes) e a presença da produção artesanal na agroindústria, que produz para o consumo das famílias e para o mercado. Essas, entre outras diversas estratégias socioprodutivas contribuem para a reprodução biológica, econômica, social e cultural dos assentados. Notas 1 Camponês e agricultor familiar são termos utilizados neste trabalho de forma similar e indissociável. Nesse sentido, a categoria analítica adotada agricultura familiar camponesa- expressa o reconhecimento da permanência de lógicas camponesas, relacionadas a dimensão cultural e que estão combinadas a uma diversidade de estratégias socioprodutivas de caráter familiar na agricultura. 2 Conforme a Constituição Federal de 1988, no art. 186, que ao tratar da Política Agrícola e Fundiária impõe ao proprietário da terra a funcionalização social da propriedade. E, no art. 225 estabelece um rol de restrições de cunho ambiental, incluindo a necessidade de licenciamento, com estudo prévio de impacto ambiental para as atividades relacionadas à agricultura e potencialmente degradadoras do meio ambiente. (PETERS, 2008) 3 A segurança alimentar refere-se ao direito que os povos, países ou uniões de estados têm de definir suas políticas agrícolas e alimentares e protegerem sua produção e sua cultura para não serem prejudicados pelos demais. Já a soberania alimentar diz respeito ao acesso à alimentos, acesso à terra e outros recursos produtivos (população rural) e ao insuficiente poder de compra (população urbana). (FERNANDES, 2008) Referências BRUMER, Anita. Qual a ''Vocação'' Produtiva da Agricultura Familiar? Globalização, Produção Familiar e Trabalho na Agricultura Gaúcha. In: TEDESCO, João Carlos (Org.). Agricultura Familiar Realidades e Perspectivas. 3. ed. Passo Fundo: EDIUPF, p BUTH, Fernanda; CORRÊA, Walquíria Krüger. Assentamentos: Elementos de reconfiguração territorial de um movimento social. Revista Discente Expressões Geográficas. Florianópolis SC, Nº02, p , jun/2006. CASTRO, Josué. Geografia da fome. São Paulo: Ed. Brasiliense, COOPTEC Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos. PRA Plano de Recuperação do Assentamento Lagoa do junco Disponível em: < o%2520junco/pra_pa_lagoa_do_junco.doc+plano+de+recupera%c3%a7%c3 %A3o+de+%C3%A1rea+do+assentamento+lagoa+do+junco&cd=1&hl=pt- BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em: 24 jun FERNANDES, Bernardo Mançano. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: Formação e territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST ( ). 1999, 318 f. Tese (Pós Graduação em Geografia) 11
12 Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em: < Acesso em: 15 jun FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, FERNANDES, Maria Eduarda Quiroga. Segurança e Soberania Alimentar. Informativo PACS, n.20, jan./mar p. 1. Disponível em: < ZXRpbTIwLnBkZg==.pdf> Acesso em: 20 jun GIRARDI, Eduardo Paulon; FERNANDES, Bernardo Mançano. A luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: A reforma agrária conservadora. Agrária, São Paulo, n. 8, p , GOMES, Elenice; SILVEIRA, Paulo Roberto Cardoso da. Agroecologia nos assentamentos de reforma agrária o caso do assentamento Alvorada/RS, [20--] Disponível em: < >. Acesso em: 25 jun IBGE, Censo Demográfico 1950/2010. Até 1991, dados extraídos de Estatísticas do Século XX, Rio de Janeiro: IBGE, 2007 no Anuário Estatístico do Brasil,1993, vol 53, PETERS, Edson L. Meio Ambiente e Propriedade Rural. Curitiba: Juruá, VIAL, Sandra Regina Martini. O direito à terra como terra do direito - Um estudo no Assentamento Lagoa do Junco - Tapes/RS. Porto Alegre: Evagraf, WANDERLEY, Maria N. B. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidades. In.: WANDERLEY, Maria N. B. O Mundo Rural como espaço de vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, p WASKIEVICZ, Carmen Aparecida. Cooperativismo em assentamentos de reforma agraria: O caso da COOPAT no Assentamento Lagoa do Junco Tapes/RS. In: Congresso de Iniciação Científica, 2011, Pelotas. Anais. Pelotas: Ed. UFPEL,
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